No auge do Campeonato Brasileiro Adulto de LPO, atletas destacam suas motivações e desafios no esporte
Por Júlia Barbosa
Um ginásio inteiro estremece quando uma barra de, pelo menos, setenta quilos, atinge o solo, podendo ser ouvida até por quem está do lado de fora. Fora reclamações pelo som retumbante, boa parte dos 240 mil habitantes da cidade mineira de Sete Lagoas nem sabe que a elite do Levantamento de Peso se reúne entre os dias 24 e 28 de maio no centro esportivo da UNIFEMM para o Campeonato Brasileiro Adulto de LPO. Além de ser “galera forte a beça das olimpíadas”, a maioria dos brasileiros também conhece muito pouco sobre o Levantamento de Peso Olímpico.
“É o evento mais importante do Levantamento de Peso Olímpico no Brasil, e se não tem ninguém conhecido participando, provavelmente, a pessoa não vai saber que está acontecendo”, comenta entre risos a levantadora Giovanna Gurgel, de 20 anos.
Agora estreante nas categorias adultas, Giovanna conquistou a medalha de prata como sub-20 nesta mesma quadra no último ano. Ela já sente bastante evolução na técnica e nas cargas em suas duas performances no torneio, desde que começou a treinar, em 2020:
“No início eu nem gostava da parte de levantamento de peso, especificamente, porque eu me sentia muito fraca e não conseguia fazer os movimentos direito. Hoje eu vejo vídeos antigos e falo ‘nossa’ ”- relembra a atleta, que, assim como muitos participantes da competição, começou sua trajetória pelo Crossfit.
Ela ainda acrescenta que “o Crossfit trouxe mais reconhecimento para o LPO, mas tem muita gente que não conhece”. Após ser interrompida pelas comemorações da torcida com a apresentação de mais uma bateria de competidores, completa que se os campeonatos passassem na televisão, como é no futebol ou no vôlei, mais pessoas poderiam se interessar em praticar ou acompanhar o esporte.
Concordando com a colega de plataforma, Hugo Marinho, que está participando de seu terceiro campeonato brasileiro, também afirma que, com uma maior divulgação dos campeonatos, a modalidade tem maior potencial de crescimento:
“Há pouca valorização do esporte olímpico no Brasil, infelizmente, ainda mais no LPO, por não ser muito conhecido. Eu tenho certeza que se tivesse maior divulgação, transmissão de imagem, muito mais audiência…E quanto mais audiência, mais patrocínio e investimento e por aí vai”, defende o atleta de 19 anos.
O LPO brasileiro sente com força o impacto da falta de investimento nos esporte olímpicos
Como a popularidade do Levantamento de Peso Olímpico não é tão alta, são poucos os atletas que conseguem patrocínios expressivos. Por isso, uma importante fonte de renda para aqueles que vivem da prática esportiva é o Bolsa Atleta. Porém, de acordo com o Comitê Olímpico do Brasil (COB), o esporte é o setor que menos recebe investimentos do orçamento federal.
“A gente recebe bolsa para investir na nossa carreira e nos nossos resultados, mas não é o suficiente para atender as necessidades que o nível de performance demanda. Já diminuíram a quantidade de bolsas – só pega bolsa quem realmente está treinando mesmo – então poderia aumentar o valor”, argumenta Hugo, que recebe o benefício do governo.
Em 2023, devido a modificações do Comitê Olímpico Internacional (COI), os pré-requisitos para receber o Bolsa Atleta foram alterados para os praticantes de LPO. Até as Olimpíadas de Tóquio, a competição contava com catorze categorias definidas por peso corporal e gênero, agora, o número foi reduzido para dez categorias. Dessa forma, menos membros da Confederação Brasileira de Levantamento de Peso (CBLP) estão aptos a participar do programa voltado a esportistas de alto rendimento. No entanto, os valores do benefício não sofreram reajuste.
Ainda há o caso de muitos atletas que precisam recorrer a outras formas para bancar os gastos necessários, como material de treino, alimentação e acompanhamento médico especializado. Esse é o caso da Giovanna, que ainda não consegue viver do esporte e admite que, devido a isso, enfrenta dificuldades em equilibrar a rotina intensa de treinos com os estudos e o emprego. Além de se dedicar às preparações para o período competitivo, a jovem é graduanda de Publicidade e Propaganda na Universidade Federal Fluminense e trabalha como estagiária de mídias sociais.
Com a recriação do Ministério dos Esportes, após ter sido extinto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2019, as perspectivas para o cenário do esporte olímpico no Brasil foram ampliadas. Visando à preparação da futura delegação brasileira para as Olimpíadas de Paris 2024, o COB investirá, aproximadamente, 260 milhões de reais em modalidades olímpicas neste ano.
Apesar das dificuldades, levantar peso (ou “puxar ferro”, para os íntimos) move aqueles que têm a modalidade como parte de suas rotinas. Para Giovanna, ver seu crescimento no esporte é apenas um dos incentivos para seguir investindo na carreira esportiva:
“Para mim, ver que eu estou inspirando outras pessoas é a melhor parte! Tenho amigas que começaram a fazer LPO por causa de mim e minha mãe também. Então eu fico muito feliz vendo que todo mundo tá nessa junto”, diz a atleta, com um sorriso de orgulho.
Levantamento de Peso muito além das Olimpíadas
Tatiana acompanha a filha através da transmissão ao vivo do canal da CBLP e torce ansiosamente para que os jurados validem o movimento da Gurgel caçula. Ambas falam da outra quando questionadas sobre suas inspirações no esporte:
“Fui praticar LPO motivada pela minha filha e adorei. O que mais me motiva é a evolução, o desafio e a superação. É alcançar uma meta e já focar na próxima” , conta.
Quando era apenas espectadora, ela acreditava que não seria capaz de praticar levantamento de peso, mas se surpreendeu positivamente com a atividade:
“Antes de conhecer melhor o LPO, achava que era só para pessoas muito fortes, aqueles pesos pesados que vemos na TV. Me enganei. É um esporte para todos, ser grande não significa ser forte, a força é construída com a constância”, expõe Tatiana.
O levantamento de peso traz outros benefícios, além do ganho de força. Praticar regularmente melhora o condicionamento cardiovascular, aumenta a massa muscular e a densidade óssea. Segundo um estudo da Universidade Estadual de Iowa, levantar peso pode reduzir o risco de ataque cardíaco ou de derrame cerebral em até 70%.
Paulo Fernando Neves, professor de Educação Física e técnico de LPO, defende que treinar levantamento de peso é uma atividade que atende diferentes objetivos e públicos:
“Eu acho que todo mundo deveria praticar o levantamento de peso. É a melhor atividade física para desenvolver força, potência e resistência muscular. Com isso, todo praticante de qualquer esporte precisa ter treinos de LPO para melhorar a sua performance. Para quem busca estética, o gasto calórico de uma sessão de treinamento específico de levantamento é altíssimo! Logo, se deseja perder peso ou ‘meter um shape’ você tem tudo em um lugar só”, explica o fundador da equipe PF Levantamento de Peso.
Apesar de ser uma atividade que demanda bastante técnica e esforço físico, o risco não é tão alto quanto se pensa. De acordo com uma pesquisa da Universidade de Massachusetts, o índice de lesão é de 0,0017 para cada 100 horas de prática. Em comparação, a chance de se machucar jogando uma partida de futebol é 350 vezes maior. Vale ressaltar, também, a importância do acompanhamento e orientação de um profissional de Educação Física especializado para garantir a execução correta dos movimentos.
Além dos benefícios para o condicionamento físico, o LPO – assim como qualquer esporte – ajuda na manutenção da saúde mental. Paulo ainda diz que um ambiente positivo no qual a parceria é prioridade ajuda ainda mais no desempenho e no bem-estar de quem treina:
“O LPO é um esporte individual mas também coletivo! Todos torcem pela vitória do outro, quando um ganha, todos ganham. Isso porque só quem passa horas e horas juntos numa sala com barras e anilhas entre arrancos, arremessos, agachamentos, e puxadas sabe como é desafiador conseguir superar suas marcas ou atingir seus objetivos com os pesos”.