Os jogos de tabuleiro e de cartas se reinventam a todo momento, mantendo-se no mercado e no coração dos brasileiros
Por Catarina Brener
Uma família hipotética, enclausurada na pandemia de 2020, decide pegar um jogo de tabuleiro parado no armário há anos. Eles abrem, jogam por três horas, riem, e decidem repetir essa socialização todo fim de semana. Cada vez que jogam, a mãe comenta como as coisas mudaram: as cartas foram substituídas pelo e-mail, o telefone, pelo celular, o livro, pelo Kindle, os jogos analógicos, pelos digitais. Será?
Jogos analógicos estão presentes há 5.000 anos a.C e se reinventam, a todo tempo, para se manterem vivos nas mãos da sociedade. Eles envolvem diversas categorias offlines, como RPG (Role Playing Game), jogos de tabuleiro e de cartas. Segundo dados da Pesquisa Game Brasil 2019, pelo menos 28% da população do Brasil se diverte com tabuleiros (“boardgames”), fatia próxima dos que jogam cartas (“cardgames”) – 34%. Embora o videogame tenha ocupado espaço no mundo, os jogos analógicos mostram sua capacidade de renovação e socialização no cenário brasileiro.
Um dos jogos de estratégia mais famosos, War, já deve ter sido protagonista de noites animadas em muitos ciclos familiares ou de amizades. Ele foi lançado em 1957 na França, mas foi o primeiro jogo de tabuleiro de estratégia que existiu no Brasil – em 1971. Depois dele, vieram jogos como Banco Imobiliário, Detetive e Marvel United – sendo este o preferido de Diego Marques, responsável pelo Instagram de jogos “Dicas Lúdicas”. O influenciador digital soma mais de 50 mil seguidores na rede e dá diversas recomendações para quem curte o tema. Durante a pandemia, ele não conhecia ninguém que gostasse, na mesma intensidade, desse hobby e decidiu criar um canal que já bateu mais de 3 milhões de visualizações.
“No final de julho de 2022, nós fizemos um Reels com dicas para jogar com a galera e ele viralizou, passando da marca de 1,8 milhões de visualizações. Depois desse, teve outro viral que bateu 3 milhões de visualizações no começo desse ano, sobre um jogo/brinquedo importado chamado Loopin’ Louie, no qual você não pode deixar o aviãozinho derrubar suas moedas”, comenta Diego.
Com mais de 300 jogos em sua coleção, Diego conseguiu contatos importantes com editoras brasileiras, como a Conclave. Esta empresa faz parceria com muitos influenciadores e foi criada em 2003 por dois irmãos entusiastas da literatura fantástica, das histórias em quadrinhos e dos jogos de RPG e de tabuleiro. Se, no início, a editora se dedicava apenas ao mercado de RPG, hoje ela tem diversos gêneros publicados e mais de 90 produtos à venda.
O Diretor de Criação e Edição da editora, Cristiano Cuty, comenta como foi a preferência pelos jogos modernos.
“Eu produzia, nos anos 90, revistas artesanais feitas por fãs e fundei a Conclave em 2003, seguindo essa linha, publicando livros de ficção e jogos autorais de RPG. Só em 2013, quando percebemos uma retomada do mercado, que começamos com o licenciamento de jogos de tabuleiro, especialmente os jogos modernos, que são mais fáceis de jogar porque têm partidas curtas e não tão longas como as de ‘War’ e ‘Monopoly”, explica Cristiano Cuty.
No Brasil, esse mercado de jogos analógicos tem crescido muito. De acordo com a Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), no ano de 2021, mais de R$ 7,8 bilhões foram movimentados, 4% a mais que no ano anterior, quando a receita foi de R$ 7,5 bilhões. “Hoje, os ‘boardgames’ representam 85% da nossa produção”, conta Cuty. Em 2021, a Conclave Games faturou R$ 1,5 milhão.
No entanto, ainda existe uma grande dificuldade econômica em produzir jogos no Brasil. O designer de jogos Daniel Lucena comenta como o preço da manufatura, impressão e distribuição dos jogos é muito caro.
“Ao contrário da distribuição de jogos digitais, que é simultânea e instantânea, os jogos analógicos acabam tendo pouca distribuição. Hoje em dia, existem pessoas que vendem só o PDF do seu jogo, para ser mais facilmente distribuído, mas isso perde muito o apelo do público geral”, afirma.
Já no mercado exterior, a facilidade de produção e consumo acabam sendo muito maiores. De acordo com o Statista, portal de Data Marketing, apenas na Alemanha – país com o maior mercado de jogos no mundo-, a receita do setor foi de 718 milhões de euros em 2020 (3,9 bilhões de reais).
Para as empresas nacionais continuarem a crescer, elas começaram a focar em parcerias com grandes marcas internacionais. A Conclave, por exemplo, foi responsável por levar seu título “Gnomópolis”, em parceria com a alemã Board Game Box, para China, Holanda e República Tcheca. Segundo o diretor, levar a empresa para o cenário internacional diminui os custos de produção de material.
O CEO da editora Galápagos Jogos, Yuri Fang, também comentou para a Revista Forbes como é difícil produzir no Brasil: “Queríamos ter a possibilidade de fazer jogos aqui. A produção hoje é concentrada no Japão e na China. Na Europa, o mercado é tão desenvolvido que há fábricas especializadas em componentes de ‘boardgames’. O parque fabril nacional, por sua vez, tem baixa especialização”. Segundo ele, a empresa tem planos futuros de achar soluções para isso na América Latina.
Além de produzir, Daniel acabou se tornando um grande entusiasta de jogos. Ele comenta como jogar foi importante para compreender a mecânica da brincadeira apenas vendo o funcionamento das peças.
“Como eu trabalhava mais na parte da arte e visual do jogo, até hoje eu olho mais a questão da comunicação dos tabuleiros, como eles explicam as regras sem você ler o manual, somente através das iconografias. Isso me permite construir algo com foco no público que quero atingir. Isso é muito importante aqui no Brasil, que não tem um grande apelo para jogos.”
Vistos como coisa de criança ou nerd, a cultura de jogos analógicos no Brasil é um desafio para as empresas, mas que vem melhorando com o tempo. Trabalhando como uma função no desenvolvimento social, emocional e cognitivo dos indivíduos, eles trabalham com a interação social, ajudam a entender o cumprimento de regras e trabalham a competição de maneira saudável.
Além de ajudar nessas habilidades, os jogos também podem ser pura diversão. Sem pensar em lógica, eles conseguem transformar pequenos momentos em uma experiência agradável. Se você está buscando algo diferente para jogar, confira abaixo a escolha de algumas pessoas presentes na reportagem.
Daniel Lucena – Designer de Jogos
Jogo preferido: Citadels
Motivo: Ele combina elementos de jogos mentais, enganação e conhecimento do oponente. É muito bom para jogar em família ou com amigos porque você tem que ter uma leitura geral do jogo, analisando as vantagens e desvantagens de cada um.
Diego Marques – Influenciador de jogos
Jogo preferido: Marvel United
Motivo: É um jogo cooperativo no qual você assume o papel de um heroi do universo Marvel e precisa combater os vilões controlados pelo jogo. É muito bom porque você pode criar várias linhas do tempo e não tem uma competitividade acirrada com outro jogador.
Catarina Brener – Redatora do Casarão
Jogo preferido: Dix It
Motivo: Um jogo perfeito para explorar sua criatividade. Com diversas cartas ilustradas, os jogadores precisam descrever as imagens e convencer os adversários — mas não dá para ser nem misterioso demais, nem óbvio demais. É risada na certa.