Por Laura Furtado

Se você é uma pessoa ativa nas redes sociais, provavelmente já ouviu falar no termo BookTok. Crescendo cada vez mais no meio digital, BookTok se refere a uma comunidade dentro do TikTok formada por amantes de livros e por criadores de conteúdo literário. Consumida principalmente por jovens da geração Z, isto é, aqueles que nasceram a partir de 1995, a plataforma ganhou notoriedade no mundo todo durante o período da pandemia da Covid-19. Hoje, com a hashtag #BookTok contando com mais de 129 bilhões de visualizações na internet, essa forma de expressão literária está emergindo como uma profissão promissora para os criadores de conteúdo que estão deixando sua marca na indústria editorial.

Assim como em outras plataformas de mídia social, os booktokers, criadores de conteúdo dessa comunidade, podem desenvolver um público engajado em torno de suas recomendações de livros, resenhas, discussões literárias e outros assuntos relacionados. Em consequência do engajamento e da relação criada com o público, isso pode levar a parcerias com editoras, marcas literárias e oportunidades de patrocínio.

A booktoker Beatriz Glion (@biaglion) tem 24 anos, é influenciadora digital e começou a produzir conteúdo para o TikTok justamente durante a pandemia, quando a plataforma estourou no Brasil. Hoje, apenas alguns anos depois, Bia tem aproximadamente 942 mil seguidores e mais de 60 milhões de curtidas, um número excepcionalmente alto. Seus conteúdos abordam entretenimento em geral, como livros, séries, filmes e  a música.

Bia contou que durante o período da pandemia, em que ficou em isolamento durante um ano, decidiu voltar com o hábito da leitura, e após ler toda a saga de Harry Potter em 20 dias, ficou obcecada com o universo. Foi só então que decidiu gravar e publicar vídeos na plataforma, como um hobby. Sua primeira publicação foi sobre o casal Rony e Hermione, e quando o vídeo atingiu 20 mil visualizações, Bia se assustou com o alcance do seu conteúdo. 

Por que o Tiktok possui um alcance tão alto? 

Existem alguns fatores que contribuem para o alto alcance do TikTok, como o algoritmo de recomendação avançado que analisa o comportamento do usuário e oferece conteúdos de sua área de interesse, as famosas “bolhas”. No caso do booktok, o usuário é direcionado para a bolha do universo literário, sem a necessidade de ele mesmo buscar, como é o caso do Youtube. Foi por esse motivo que o vídeo da Bia atingiu tanta gente em tão pouco tempo.

Outra questão é o formato de conteúdo priorizado do Tiktok, com seus vídeos curtos e dinâmicos, que atrai mais os usuários e aumenta sua capacidade de viralização. Um estudo publicado na revista Neurolmage afirma que a rede social desperta áreas cerebrais que liberam a dopamina, hormônio ligado à sensação de prazer e satisfação do organismo. Por isso, é muito comum que os usuários fiquem “presos” na plataforma durante horas, consumindo uma infinidade de conteúdos. 

Booktokers alteram o consumo do mercado literário 

O Booktook têm feito tanto sucesso na plataforma que está exercendo uma forte influência no mercado literário, com o impulsionamento de vendas dos livros indicados pelos influencers. Isso ocorre porque os consumidores desses conteúdos costumam ser bastante fiéis e engajados, e confiam nas recomendações e opiniões dos booktokers que acompanham.

Para a Bia, o vínculo criado entre ela e o seu público é o principal motivo do seu sucesso:

“Eu acho que sucesso é uma coisa muito pessoal, relativa. Mas o sucesso para mim, pelo menos, é criar uma comunidade fiel, que te acompanha, que está ali todos os dias, diariamente, que engaja, que responde, que interage com você. Isso é muito mais importante até do que números. Às vezes as pessoas têm milhões de seguidores e não têm uma comunidade tão ativa. Então isso é muito importante, acho que o maior sucesso está aí, sabe? É óbvio que os números também são importantes, mas eu acho que o que as marcas mais veem no criador de conteúdo é essa comunidade que ele cria, a comunidade fiel”.

Booktok e a popularização da leitura

A Gabriela Zomer tem 23 anos, é formada em publicidade pela ESPM e também produz conteúdos para o TikTok desde 2021. Seu user na plataforma é zomerela e grande parte do seu sucesso, segundo ela mesma, se deu pela forma inovadora e particular de contar histórias. Com toda sua criatividade, Gabi revolucionou ao criar o “Fofoca Literária”, vídeos nada convencionais em que ela apresenta os enredos dos livros que lê como, literalmente, uma fofoca. 

Com carisma e talento, a criadora conta as histórias do livro como se fizesse parte do universo e estivesse conversando com um amigo sobre o que aconteceu. Por isso o termo “fofoca”, já que ela usa a 1° pessoa para se expressar e dar vida ao conteúdo, despertando nos usuários a curiosidade em descobrir o que vai acontecer em seguida. Ela acredita que esse tipo de conteúdo incentiva nas pessoas, inclusive os seus mais de 328 mil seguidores, o hábito da leitura:

“O bom da fofoca literária é que atinge um público que normalmente não lê tanto, e acaba incentivando essa galera curiosa a descobrir o que acontece lendo o livro do conteúdo. Muitas pessoas falam que voltaram a ler por causa desses vídeos. Essa é a mágica do Booktok e da fofoca: é um conteúdo que chega pra pessoas que gostam de ler e pra pessoas que não têm esse hábito.”

O Tiktok e todos os criadores de conteúdo têm incentivado milhares de jovens a retomarem – ou iniciarem – o hábito da leitura. Essa popularização tem sido possível por vários fatores, por exemplo, as resenhas e opiniões sinceras sobre a qualidade do conteúdo do livro e a variedade de recomendações, que se adequam aos interesses do usuário.

A literatura infanto-juvenil é a preferida desse público, principalmente por se tratarem de pessoas mais jovens. Mas também não se restringe a essa categoria. Há uma diversidade de conteúdos literários que atinge diferentes grupos.

Além disso, como falado anteriormente, a comunidade literária da plataforma é muito engajada, que gera nesses usuários o sentimento de que pertencem a um grupo que divide a mesma paixão: a leitura. Todo esse engajamento, as discussões e trocas, motiva as pessoas a se envolverem ainda mais com os livros.

Para além do universo literário  

O sucesso do Booktok tem sido tão grande que o mercado literário está crescendo e se expandindo a partir dessa relação do público com os influencers. Quando um booktoker reconhecido recomenda um livro que desperta o interesse em seus seguidores, ele contribui para o aumento na venda desse exemplar. Essa influência tem sido tão significativa, que em algumas livrarias físicas e digitais, é possível encontrar um setor separado só para os livros que mais estão bombando no TikTok.

Mas para além do mundo literário, outros mercados também estão se beneficiando dessa relação entre booktokers e os usuários. Para Gabi, a indústria audiovisual tem investido em adaptações de livros que fizeram sucesso no Booktok de olho nessa audiência. 

“A gente tem vários filmes novos surgindo de livros que fizeram sucesso. Tudo isso é desenvolvido e pensado vindo de uma plataforma como o TikTok, que foi o que hypou grande parte desses livros e influencia diretamente o aumento do consumo livre, o aumento do consumo da literatura no mundo inteiro. Além disso, aumenta a questão de co-influência que isso tem quando pensamos em mercados que vão além do literário A gente começou a ter adaptações literárias inclusive de livros brasileiros, como “Fazendo o meu filme” ,“Depois dos quinze” e “Perdida”. E lá fora a gente tem os livros sendo adaptados, como “Amores Verdadeiros” para cinema, “Os sete maridos de Evelyn Hugo” , no Netflix, “Vermelho, Branco, Sangue azul”, que foi outro livro que fez muito sucesso no TikTok. Então tem várias adaptações literárias que estão indo pra TV e estão influenciando o mercado audiovisual.”

O sucesso dos booktokers tem levado editoras a transformarem suas estratégias de marketing a fim de atingir esse público mais amplo e diversificado. Para a Bia Glion, os influenciadores digitais são muito importantes para a comunidade literária, porque muitos estão abertos a recomendar livros de autores menos reconhecidos, promovendo uma maior representatividade e inclusão. 

“Uma coisa que percebi ao longo de todos esses anos é que no TikTok, diferentemente do Instagram e do YouTube, um vídeo de uma pessoa completamente desconhecida pode gerar 4 milhões de visualizações, 5 milhões de visualizações, muito fácil. Uma música ou um livro desconhecido, pode ficar famosíssimo em questão de horas ou de dias. É muito bom para as vendas. E é por isso que as marcas investem cada vez mais nos criadores de conteúdo da plataforma”.

BookTok como uma nova profissão 

Com toda essa transformação nas dinâmicas econômicas do mercado literário, será que o booktoker pode ser considerado uma nova profissão? A Gabriela, que hoje trabalha com educação corporativa, considera o @zomerela como hobby, mas reconhece que para muitos criadores, já é uma profissão.

“Hoje eu vejo mais como um hobby por conta da minha profissão do dia a dia. Eu trabalho como CLT em uma empresa e também produzo conteúdo para internet, mas acaba entrando mais como um hobby na minha rotina. Agora, eu vejo sim muitas pessoas que começaram no Booktok tendo a carreira de influenciadores literários e produzindo conteúdo em diversas plataformas e formatos,. Não é uma profissão do futuro, é uma profissão do agora!”

Se é profissão do agora ou não, o fato é que os booktokers estão construindo uma audiência significativa e engajada que tem exercido influência sobre os hábitos de leitura, a indústria cinematográfica e até a musical. 

A Bia também acredita que os booktokers podem ser considerados uma profissão, mas reforça que hoje, o termo tiktoker é pejorativo e ainda carrega muito preconceito. Ela chegou até a comparar com os youtubers, que também eram bastante criticados no início de seu sucesso. Mas ela acredita que, no futuro, os criadores de conteúdo vão receber seu reconhecimento. Com quase 1 milhão de seguidores, Bia diz que hoje considera sua plataforma um meio profissional. 

“Eu só comecei a tratar aquilo como uma profissão mesmo, quando eu fui chamada para fazer o primeiro job, que foi com a HBO Max. Eu nem sabia quanto cobrar, fiquei meio perdida com relação a isso, tive que pedir ajuda de algumas pessoas. Mas foi a partir desse momento que eu comecei a me dedicar ainda mais, porque eu pensei:  peraí, eu acho que isso aqui pode virar tanto algo divertido, quanto algo que eu posso ganhar dinheiro. Então foi basicamente isso, essa mudança de pensamento, para entender que aquilo poderia ser tanto um hobby quanto um trabalho ao mesmo tempo, e que eu poderia me divertir e ganhar dinheiro me divertindo”.

Hoje, muitos booktokers estão sendo convidados a participar de eventos literários, estreias de cinema e convites de viagem em troca de suas recomendações e opiniões, além de muitos patrocínios de editoras, livrarias e marcas. Ainda assim, migrar para outras plataformas é mais um caminho para expandir e ampliar cada vez mais suas oportunidades de monetização. Então, mesmo que não seja considerada um trabalho tradicional, os booktokers podem sim ser considerados uma nova profissão na era digital. 

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