O bem-estar mental é fundamental para o desempenho físico em quadra. A relação, no entanto, se mostra uma via de mão dupla e é estudada pela psicologia esportiva.

Por Letícia Merotto

Praticar um esporte requer que o atleta tenha, entre outras coisas, inteligência emocional. Ela pode ser usada, por exemplo, para tomada rápida de decisões ao fazer uma jogada, pode ajudar a lidar com a pressão e cobrança por resultados da torcida e auxiliar a manter um melhor relacionamento com o técnico ou o time, no caso de um esporte coletivo. O bem estar emocional ainda ajuda a aumentar a autoconfiança, reduzir a ansiedade e o estresse do atleta. Todos esses fatores têm um efeito direto na sua atuação dentro de quadra ou de campo.

Essa via que conecta o bem-estar emocional e físico, no entanto, é de mão dupla: se por um lado o jogador precisa cuidar da saúde mental para praticar melhor o esporte,  a prática de atividades físicas, por sua vez, reduz os níveis de estresse e o risco de doenças mentais, como depressão e ansiedade. Sendo esses efeitos essenciais para a saúde mental, a prática de atividades físicas não é importante apenas para os atletas, mas sim para toda a população.

A prática de atividade física reduz os níveis de estresse, sendo essencial para a saúde mental e física da população. Divulgação: iStock Photo

Psicologia esportiva

A psicologia esportiva é a área que busca estudar e atuar sobre esses impactos do bem estar emocional dos atletas no seu desempenho físico. No cenário mundial, já existem diversos times de diversas modalidades que contam com psicólogos esportivos na comissão técnica, como Barcelona, Atlético Madrid, Liverpool, Manchester City e Bayern de Munique.

Raphael Zaremba é doutor em Psicologia pela PUC-Rio e presidente da VemSer – Esporte & Psicologia, ONG que atua nas áreas do esporte e da educação, além de técnico de basquetebol da Liga Super Basketball (LSB). Ele explica mais sobre a importância da profissão.

“Um atleta precisa trabalhar quatro competências em quadra: a técnica, a tática, a física e a emocional. Na psicologia esportiva, lidamos com toda a parte ligada ao emocional, como a maneira na qual o atleta lida com situações de pressão, concentração, torcida e influências externas, como pais e imprensa”, esclarece o técnico da LSB.

Raphael Zaremba acrecenta que da mesma forma que o atleta precisa ter um bom condicionamento físico, além de ser competente, ele também necessita de equilíbrio emocional.  “Não adianta estar condicionado fisicamente, saber se posicionar, saber os fundamentos se qualquer situação consegue desestabilizar o jogador”.

Essa importância de alinhar a saúde emocional com a física é algo reconhecido pelos atletas dentro das quadras. Maria Elisa Antonelli é campeã mundial de vôlei de praia pelo Brasil. Após testemunhar a importância da psicologia esportiva enquanto atleta, ela decidiu fazer uma pós-graduação na área.

Maria Elisa Antonelli atuando pela seleção brasileira de Vôlei de Praia. Créditos: CBV

A atleta chama a atenção para a atuação dos psicólogos dentro de quadra: “Alguns dos desafios dentro do esporte são, por exemplo, superar questões de relacionamento com o parceiro ou com o técnico, saber liderar e saber escutar. Os atletas enfrentam uma enorme pressão e, com a exposição que têm, precisam administrá-la. O psicólogo esportivo ajuda a entender de onde vem essa cobrança e se ela é relevante”, completa a campeã mundial. 

Apesar da clara importância desses profissionais, o assunto ainda é negligenciado no Brasil. A seleção masculina de futebol, por exemplo, foi à Copa do Mundo de 2022, ocorrida no Catar, sem a presença de um psicólogo. A falta do profissional no principal evento esportivo do mundo – e que traz consigo a maior pressão mental e cobrança dos atletas – ocorreu pela segunda vez seguida na comissão do ex-técnico Tite.

A seleção feminina de futebol, no entanto, segue o caminho contrário, mesmo com a enorme desigualdade em patrocínios e premiações. Pela segunda edição seguida, a seleção conta com a psicóloga Marina Gusson na comissão técnica da Copa do Mundo, que ocorre neste mês de junho na Austrália e Nova Zelândia. 

Jogadoras da seleção brasileira feminina de futebol reunidas com a comissão técnica, que conta com Marina Gusson, psicóloga esportiva da equipe. Créditos: Sam Robles

A falta desses profissionais, portanto, envolve uma série de questões, como o preconceito e, às vezes, a falta de orçamento. A disparidade de orçamento entre as seleções masculina e feminina de futebol, no entanto, põe em cheque um fator relevante: a prioridade.

“Existe uma falta de clareza de qual é o papel do psicólogo no esporte, seu tipo de atuação e sua importância. Há uma estigmatização muito grande de que ter um psicólogo é para quem tem algum transtorno mental ou patologia, além da ideia de que recorrer à psicologia é sinal de fraqueza”, explica Raphael Zaremba.

O esporte e a saúde mental

Em qualquer idade, a prática de esportes possui diversos benefícios para a saúde física e também mental. A ex-atleta Maria Elisa Antonelli explica: “a saúde mental precisa do exercício físico, porque pode melhorar muito a capacidade cognitiva, reduzir os níveis de ansiedade e estresse em geral. Os exercícios físicos ajudam na melhora da autoestima, na imagem corporal, na cognição e função social do paciente, no risco de saúde mental. É muito amplo o leque de benefícios do esporte para essas pessoas”.

No Brasil, dados sobre a prática de atividades físicas revelam uma realidade pouco animadora. Segundo a pesquisa Saúde e Trabalho, feita em 2023 pelo Serviço Social da Indústria (Sesi), mais de 50% da população brasileira nunca ou raramente pratica exercícios físicos.

Quanto à saúde mental, o país lidera o ranking de pessoas com ansiedade na América Latina, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). No mundo, são 720 milhões de pessoas com ansiedade, sendo 19 milhões apenas no Brasil.

Essa aliança entre o esporte no tratamento de doenças mentais foi vivida pela estudante Alice Demartini, de 21 anos, que não praticava esportes até os 16 anos e viu no exercício físico uma motivação maior para lutar contra a ansiedade e a depressão.

“Começar a praticar esportes foi essencial para me ambientar, criar motivação e também estabelecer uma rotina saudável numa fase da vida em que eu estava passando por muitos problemas, como ansiedade e depressão, e não queria nem sair da cama”, conta a estudante.

Alice Demartini começou a praticar esportes após ter se mudado do bairro de Parada de Lucas, na zona norte do Rio, para o Flamengo, na zona sul da cidade. O papel que o esporte exerceu durante a sua mudança é outro fator que chama a atenção sobre a importância da prática de esportes na saúde mental.

“O esporte de fato me ajudou a permanecer num novo lugar, porque foi muito difícil me mudar. Eu saí de um ambiente onde eu conhecia todo mundo desde que nasci e cheguei num ambiente em que eu não conhecia ninguém. Como eu comecei a praticar esporte aqui na praia do Flamengo, a comunidade ativa da praia também morava aqui. Hoje, eu passo na rua e reconheço as pessoas por conta do esporte que eu fiz”, afirma Alice.

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