Proibidos no Brasil, cigarros eletrônicos são uma epidemia entre os jovens e podem produzir mais dano que os cigarros comuns

Por Fernanda Rebello

Rosa, vermelho, verde ou laranja, com sabor de frutas, chocolate ou algodão doce, cheiros adocicados e mentolados. Apesar de parecerem inocentes, essas características estão atreladas ao mais novo vício dos jovens brasileiros, os cigarros eletrônicos.

Os DEFs, dispositivos eletrônicos para fumar, como são cientificamente conhecidos, tiveram seu consumo quadruplicado em território brasileiro entre os anos de 2018 e 2022, segundo um levantamento realizado pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), totalizando cerca de 2,2 milhões de pessoas que fizeram uso do produto. 

A configuração dos DEFs pode variar de acordo com a marca e os designs empregados. Eles também são popularmente conhecidos como vapes, pods ou cigarros eletrônicos. Mas afinal, qual a composição e como funcionam os dispositivos eletrônicos para fumar?

Os DEFs são compostos geralmente por uma bateria, lâmpada de LED, microprocessador, sensor, atomizador e cartucho de nicotina líquida. E funcionam a partir do aquecimento do líquido que produz o vapor inalado pelos usuários em vez de fumaça. 

De acordo com a coordenadora do centro de estudos sobre tabaco e saúde da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, Silvana Rubano, geralmente esses dispositivos eletrônicos possuem nicotina e um componente para produzir o aerossol. E o nível de nicotina presente no cartucho pode variar e não corresponder à concentração descrita pelo fabricante no produto. “Algumas marcas podem conter substâncias que modificam o sabor, como extrato de frutas, baunilha, menta, café ou chocolate, tornando os DEFs  mais atrativos principalmente para adolescentes”, afirma Silvana. 

Embora o recente aumento tenha sido significativo, principalmente entre os mais jovens, os dispositivos foram lançados no mercado nacional há mais de quinze anos e desde 2009 o comércio, a importação e a propaganda comercial desses produtos são proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, conforme o artigo 1º da da resolução N° 46/2009 da Diretoria Colegiada da Anvisa:

“Art. 1º Fica proibida a comercialização, a importação e a propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, conhecidos como cigarros eletrônicos, e-cigaretes, e-ciggy, ecigar, entre outros, especialmente os que aleguem substituição de cigarro, cigarrilha, charuto, cachimbo e similares no hábito de fumar ou objetivem alternativa no tratamento do tabagismo.”

O artigo tem como objetivo, além de proibir a comercialização, alertar sobre os dispositivos eletrônicos não serem produtos de tratamento contra o tabaco. Em setembro de 2022, as vendas, além de desautorizadas, se tornaram sujeitas a multas, num valor de R$ 5 mil por dia para as empresas que fossem autuadas. E mais recentemente, em maio de 2023, a Agência emitiu uma nova nota técnica que reforça a proibição do uso em ambientes coletivos fechados, privados ou públicos. 

Toda essa proibição acontece mediante os riscos conhecidos e os ainda desconhecidos pelo setor médico sobre os efeitos dos DEFs no corpo humano. “O uso de DEFS está relacionado a uma doença respiratória chamada EVALI (E-cigarette, or Vaping, product use–Associated Lung Injury ). Os pacientes que usaram cigarro eletrônico apresentam sintomas respiratórios como  tosse, dor torácica e dispneia. Também são comuns sintomas gastrointestinais, como dor abdominal, náuseas, vômitos e diarreia e sintomas inespecíficos, como febre, calafrios e perda de peso”, conta a pesquisadora e coordenadora Silvana. 

Os DEFs trabalham com os estímulos dos usuários, provocando sensações de calmaria e prazer ao inalar o vapor. Para Bruna Gomes, estudante e consumidora dos vapes socialmente e em festas, “a sensação que o vape causa é de baixar bem a pressão, então você fica mais leve, mais solto. É uma sensação meio inebriante (…) não utilizo no dia a dia justamente por isso, pois é um complemento, por exemplo, da bebida”. 

Essas novas sensações podem camuflar os reais perigos do uso contínuo dos novos vaporizadores. “Estudos mostram que fumar cigarros eletrônicos por 1 hora equivale a fumar 100 cigarros, ou seja, uma enorme dose de nicotina (que é uma droga psicoativa) chega ao cérebro, acelerando a dependência”, segundo Silvana Rubano. Essa ameaça não se dá somente a quem inala diretamente a fumaça dos DEFs, ela pode impactar inclusive os chamados ‘fumantes passivos’, pois estão expostos ao propilenoglicol, do qual a nicotina fica suspensa e o vapor é gerado, e as nitrosaminas, que são carcinógenos muito reconhecidos. Tais substâncias já foram encontradas em baixas concentrações em duas marcas comerciais de dispositivos eletrônicos para fumar. 

Pelo boom dos vapes ter acometido a sociedade muito recentemente pouco se sabe sobre os efeitos a longo prazo do uso desses dispositivos. No entanto, profissionais de saúde alertam sobre os riscos do uso simultâneo do cigarro convencional e os DEFs, que podem sobrecarregar as funções do pulmão.  

O marketing agressivo que vem sendo feito pela indústria do cigarro estimula o uso dos dispositivos eletrônicos atrelando a eles a solução para o vício no cigarro convencional. O apelo tecnológico e os artefatos lúdicos que são empregados nos dispositivos, como o uso das cores, diferentes sabores e formatos têm forte influência no alcance de  consumidores vulneráveis. 

Em contrapartida a esse tipo de marketing, instituições como a Fiocruz fazem um grande trabalho contra a disseminação dos DEFs a partir de campanhas nas redes que visam alcançar o público com a hashtag #diganãoaocigarroeletrônico. A epidemia de tabaco causa a morte de mais de 8 milhões de pessoas no mundo por ano. O Brasil já havia reduzido em mais de 50% o número de fumantes de cigarros tradicionais e por isso a necessidade de não retroceder mediante à nova epidemia de vapes. 

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