Grupo proporciona atividades teatrais na intenção de acolher e conscientizar

Por Ana Clara Nascimento

Em 2022, o Dossiê publicado pelo Observatório de Mortes e Violências contra a comunidade LGBTI+ denunciou a ocorrência de pelo menos 270 mortes desse grupo de pessoas. Surpreendentemente, 83,52% dessas mortes correspondem a assassinatos, o que equivale a uma pessoa LGBT+ sendo vítima fatal de homicídio a cada 32 horas no Brasil. Esses números refletem o triste cenário de o Brasil ser o país com o maior registro de mortes dessa comunidade.

Para enfrentar essa realidade de opressão e preconceito, o Coletivo Transparente foi fundado em 2016 e continua a acolher jovens LGBT+, especialmente aqueles que enfrentam vulnerabilidade social. Criado em Niterói, o coletivo também estende sua atuação para São Gonçalo, Maricá e Rio de Janeiro. Seu objetivo principal é proporcionar um espaço seguro e acolhedor para essas pessoas, unindo militância e cultura.

Segundo o fundador do Transparente, Marcos Campello, o grupo atualmente conta com 35 integrantes, sendo cerca de 26 deles extremamente vulneráveis. “Nós oferecemos acolhimento à população mais fragilizada socialmente. Isso ocorre porque indivíduos muito masculinizados, pessoas trans e qualquer um que não se encaixe no padrão têm dificuldades em encontrar emprego, o que os coloca em uma situação ainda mais vulnerável”, conta o ativista.

As atividades do coletivo estão centradas na arte e priorizam o debate sobre temas relacionados à educação, ética e cidadania. A principal ferramenta do grupo é uma oficina de teatro, que tem o propósito de acolher e conscientizar a sociedade sobre a importância de apoiar e respeitar a orientação sexual, identidade de gênero e raça de todos. A oficina desempenha um papel essencial ao permitir que os integrantes se expressem artisticamente e politicamente, por meio da escrita e interpretação de suas próprias histórias de luta, conquistas e opressões.

Ensaio do coletivo na Casamar Niterói / Reprodução: Instagram @coletivotransparente

Membro do Coletivo Transparente desde os 16 anos, atualmente com 24, Erick Barbosa é ator, diretor e produtor, além de ministrar aulas de teatro no Museu do Amanhã. Erick afirmou que o coletivo se tornou sua segunda família e foi onde moldou sua personalidade, encontrou apoio após a escola e cresceu como artista e indivíduo. Ele concluiu com as seguintes palavras: “Além de ser um local onde nos sentimos acolhidos, o nosso grupo também é um ambiente de trabalho dedicado. Trabalhamos juntos com o propósito de criar arte que tenha impacto. Aqui, não apenas encontro inspiração, mas também uma comunidade que compartilha a mesma paixão e compromisso com a arte e a justiça social que eu.”

A integrante Capitu do Céu, de 34 anos, compartilhou que se descobriu como mulher trans quando iniciou no coletivo e que lá foi o ambiente onde se sentiu segura para levar suas vivências e ter consciência de si.

“Durante muito tempo, eu não tinha consciência de mim mesma. Fazer parte de um coletivo como este e estar em contato com pessoas que têm questões semelhantes às minhas trouxe uma sensação de pertencimento. Perceber que há um grupo onde não apenas me sinto segura e acolhida, mas também posso me envolver na criação artística e conscientizar outras pessoas é algo significativo.”

A insuficiência de políticas públicas que satisfaçam as necessidades particulares da comunidade LGBT é mais um confronto vivido por essas pessoas. De acordo com Campello, as principais lutas do Transparente na cidade são em relação ao atendimento ambulatorial de pessoas trans, a distribuição de hormônio para essa população e a inserção de pessoas LGBT+ no mercado de trabalho. Ele comentou que não há muitos avanços em relação a essas políticas, pois a maior parte da bancada de vereadores em Niterói é formada por homens brancos e de direita.

Apesar do importante impacto social, o coletivo enfrenta a falta de assistência financeira e a ausência de um espaço próprio. O fundador do grupo explicou que a única fonte de financiamento que recebem provém do trabalho no Museu e é destinada exclusivamente ao pagamento dos dois membros do coletivo que ministram as oficinas teatrais. Além disso, ele contou sobre a necessidade de um espaço para ensaiar que esteja em boas condições: “A gente ensaia no teatro do DCE, que é um espaço totalmente abandonado, com uma luz bem precária, sem banheiro, sem água, é um lugar muito fechado, com cheiro horrível. É tenebroso.”

Projetos parceiros

O Coletivo Transparente mantém parcerias concretas com algumas instituições, inclusive com a Universidade Federal Fluminense (UFF). Nessa colaboração, o coletivo trabalha na criação de esquetes para os estudantes da universidade, nas quais aborda temas como o direito da pessoa trans utilizar o banheiro que lhe for mais adequado, além de promover simulações realísticas com personagens LGBT+ para estudantes de medicina e enfermagem, incluindo triagem e preenchimento de questionários delicados, abordando questões invasivas. Essas simulações capacitam os estudantes para receberem esses pacientes com dignidade e eficácia, ao passo que identificam devidamente suas necessidades.

Outro parceiro do coletivo é o Museu do Amanhã. O mediador social Fábio Moraes relatou que a colaboração teve início com uma apresentação do Coletivo Transparente em um dos setores do museu em 2019. Ele explicou que quando começaram suas atividades com o grupo Transportar, cuja maioria dos membros se encontra em situação de rua ou em centros de acolhimento, o Coletivo Transparente foi convidado a integrar as ações com foco no teatro.

Ensaio da oficina do coletivo no Museu do Amanhã / Reprodução: Instagram @coletivotransparente

Fábio explicou que o objetivo é que essas pessoas consigam ressignificar suas vidas através da arte e da cultura.“O coletivo vai muito além das oficinas de teatro. Tem a ver com reciprocidade, com empatia, com saberem exatamente o que esse nosso grupo vivencia, que vive em situação de rua e ainda tem a temática LGBT para lidar no dia a dia. Então tente imaginar o nível de vulnerabilidade”, conclui Fábio.

A Casamar, um espaço terapêutico que valoriza a cultura e a arte e oferece uma variedade de serviços, incluindo atendimento psicológico e atividades de formação e terapia coletiva, também atua colaborativamente com o grupo. A parceria teve início de forma casual, por meio de conexões com conhecidos em comum. Eles compartilharam o desejo de colaborar em projetos relacionados ao teatro e à formação para profissionais de saúde, com foco em temas LGBT+. Essa colaboração inclui o uso do espaço da Casamar pelos Transparente para ensaios e reuniões. 

Sócia-fundadora da Casamar Niterói, Ana Thomé reconhece a importância do coletivo para a cidade: “Acredito que o Coletivo Transparente possui uma história que fala por si só. É um coletivo com uma longa atuação na cidade de Niterói, com marcos significativos em questões LGBT+. A casa reconhece a importância da história do Transparente e se abre para essa experiência e interlocução com o coletivo, contribuindo para fortalecê-lo.”

Para saber mais sobre as atividades, apresentações e formas de estabelecer parcerias, acesse o perfil @coletivotransparente no instagram ou entre em contato pelo e-mail coletivotransparente@gmail.com.

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