Por Camila Saggioro

Popularmente conhecidas como substâncias que oferecem as famosas “viagens” ou alucinações, as drogas psicodélicas clássicas como LSD, Psilocibina (cogumelos mágicos) e DMT, principal componente da Ayahuasca, além dos anestésicos, como cetamina, e estimulantes, como MDMA, alteram a consciência e provocam mudanças nos neurotransmissores e no funcionamento do cérebro.

A Era Psicodélica, como é chamado o boom do uso dessas substâncias, nas décadas de 60 e 70, nos Estados Unidos, trouxe à tona exemplos de drogas usadas culturalmente por músicos, artistas e ativistas. Porém, a forte campanha contra o movimento de Contracultura desencadeou uma visão negativa dos psicodélicos que perdura até hoje.

Por seu potencial de alterar o estado de consciência humano, essas drogas são estudadas por especialistas do mundo todo para possíveis tratamentos de doenças. “Os psicodélicos são conhecidos por aumentar a sensibilidade e a capacidade das pessoas de acessarem seus sentimentos e momentos traumáticos, e por isso, são hoje bastante discutidos na literatura científica global, no sentido de terem o potencial de abrir portas para os processos de psicoterapia em pacientes, especialmente para targets clínicos em saúde mental, como depressão, ansiedade, estresse pós-traumático e outros”, é o que conta Clarice Pires, CEO da Scirama Psychedelic Science, primeira startup brasileira de pesquisa, desenvolvimento e inovação, que busca alternativas terapêuticas baseada em ciência psicodélica. Ela continua explicando que um mecanismo que já é bastante estudado por especialistas é a questão das moléculas psicodélicas se assemelharem imensamente à molécula da serotonina, que é natural e conhecida popularmente como a “molécula da felicidade”.

Cenário no Brasil

Os psicodélicos, atualmente, se encontram na lista de substâncias proibidas no país pela ANVISA. O que pode acontecer é a autorização para pesquisa, seja por instituições de ensino ou empresas privadas, ou uma autorização especial voltada para a comercialização de um medicamento, mas através de um processo longo e burocrático.

Para Marcelo Leite, jornalista e autor do livro “Psiconautas: Viagens com a ciência psicodélica brasileira”, “O Brasil tem uma boa colocação na produção científica sobre psicodélicos, principalmente por causa das pesquisas com Ayahuasca, que é uma substância para uso religioso no Brasil, o que facilita a realização de estudos que foram desenvolvidos principalmente na Universidade Federal de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto e na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)”.

A psiquiatra Débora Tavares revela que “A ibogaína é um psicodélico não-clássico derivado de uma planta africana e já usada de forma legal em alguns países para tratamento de dependência de drogas, sendo que seu uso no Brasil para esse fim é aprovado pela ANVISA”, o que abre caminhos para o futuro dessas substâncias por aqui.

Angelica Uteixeira /Pinterest

O debate em xeque

Existem inúmeros casos de benefícios com o uso dessas substâncias no tratamento de doenças, como conta Débora. “Hoje as pesquisas mostram que pacientes sofrendo por traumas podem melhorar do quadro com uso de MDMA, acompanhados de terapeutas em ambiente seguro, onde suas alterações de consciência e dos sentidos permitem que as memórias da vivência traumática sejam sentidas de forma menos dolorosa e, portanto, possam ser reelaboradas. Também o uso de cogumelos acompanhado de terapeutas pode ajudar na melhora da depressão, podendo esse efeito ser bastante rápido, acontecendo já imediatamente após o início da “viagem psicodélica”, que dura poucas horas. Por fim, existe o interesse em doses baixas de psicodélicos, a serem usadas em casa pelo paciente, da mesma forma como se usam os medicamentos psiquiátricos. É a chamada terapia com microdoses, sendo as de LSD e de cogumelos as mais conhecidas”.

Apesar disso, o debate sobre a legalização de drogas no Brasil é pautado pelo conservadorismo e moralismo de grupos políticos e sociais que impedem uma conversa séria sobre o assunto.

“A moralidade serve para manter a opinião pública contrária a uma regulação responsável e isso alimenta o discurso político […] que se preocupa com o número de eleitores que podem perder”, afirma Renato Filev, coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política das Drogas (PBPD). Para ele, há muitas organizações envolvidas no embargo à discussão sobre a legalização das drogas, que passa da política à polícia, da religião às milícias que se beneficiam do lucro obtido pelo tráfico ilegal dessas substâncias.

Mesmo com todos os benefícios sendo estudados e testados, Débora faz um alerta para os possíveis riscos. “Podem acontecer interação dos psicodélicos com as medicações usadas. Por exemplo, essas substâncias podem agir nos mesmos sistemas de neurotransmissores que algumas medicações, gerando um excesso de neurotransmissão, com efeitos prejudiciais e até potencialmente graves. […] Também é importante lembrar que pessoas com alguns diagnósticos psiquiátricos, como esquizofrenia, transtorno bipolar grave ou outras vulnerabilidades, não devem usar psicodélicos em nenhuma hipótese, pois podem acontecer crises”. Ela conclui dizendo que todo tratamento com psicodélicos deve ter orientação médica adequada.

Para o futuro dessas drogas no Brasil, o cenário é promissor. Com a autorização do uso de algumas substâncias para tratamentos pela FDA, agência que regula a saúde pública dos Estados Unidos, espera-se que esse caminho seja seguido pela ANVISA nos próximos anos.

Especialistas concordam que o preconceito que cerca os psicodélicos, como drogas pesadas ou viciantes, por exemplo, prejudica a caminhada rumo a sua legalização no Brasil. Os caminhos para que isso ocorra são a continuidade dos estudos nas universidades e empresas privadas, o fomento ao debate sobre os psicodélicos e a conscientização, principalmente através da mídia, sobre como seu uso poderia ajudar muitas pessoas a terem mais qualidade de vida.

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