Eventos climáticos extremos, como chuvas intensas e ondas de calor afetam a rotina dos brasileiros, desde o trabalho até o lazer

Por Bruna Gomes

Desde o século XIX cientistas e teóricos comentam sobre o Efeito estufa, o Aquecimento Global e as mudanças climáticas. A maior parte da sociedade sabe que esses problemas ambientais são causados pelos seres humanos, mas agora tem se discutido cada vez mais o impacto da crise climática sobre a vida humana na terra.

Após 2023 ter sido um ano anormalmente quente e o termo “ebulição global” ter surgido, a sociedade passou a se atentar ao que pode acontecer caso a crise climática não seja controlada. Diversos acontecimentos dos últimos anos demonstraram o poder que o clima tem sobre a qualidade de vida dos seres humanos.

Foto: Reprodução/ INMET

Foto: Reprodução/ BBC News

Mudanças climáticas e os momentos de lazer

O calor extremo possui efeitos alarmantes sobre o corpo humano, entre eles dores de cabeça, náuseas, tontura, perda de consciência, desidratação. Em casos extremos, pode levar à morte. Foi o que aconteceu no final do último ano, com Ana Benevides, fã de Taylor Swift que veio a óbito no dia 17 de novembro de após enfrentar temperaturas extremas na The Eras Tour, turnê mundial da cantora americana. 

Ana enfrentou a consequência mais grave de uma onda de calor, mas, além dela, diversos fãs e admiradores de Taylor passaram por uma experiência exaustiva e traumática ao assistirem à apresentação da cantora no Rio de Janeiro. É o que confirma Camila Saggioro, que estava no 2º dia de apresentações da turnê do Brasil: “Uma fila absurda contornando o estádio debaixo de um sol de mais de 40° e um calor que nunca senti. Depois vi nas notícias que chegou a ser um dos dias mais quentes do ano no Rio. Entrando no Engenhão, parecia que todo calor tinha se multiplicado. Literalmente um forno com 50.000 pessoas. Vi uma menina desmaiar na minha frente, enquanto estava subindo pra chegar ao assento”.

Foto: Reprodução/ Metrópoles

O show da popstar foi apenas um dos diversos episódios em que os brasileiros enfrentaram adversidades climáticas no último ano. Além do calor, muitos eventos coincidiram com temporais que levaram o público a se deparar com ventos, chuvas torrenciais, lama e friagem. Um desses eventos foi o festival Lollapalooza, que ocorreu em março de 2024 e foi marcado por chuvas intensas e acúmulo de lama, virando inclusive meme nas redes sociais.

Foto: Arquivo pessoal

Maria Cláudia Damasceno, estudante de 22 anos, foi acompanhar de perto o show do artista Hozier, no dia 21 de março, e confirma a dificuldade enfrentada com a lama no Autódromo de Interlagos, local onde acontece o festival: “Fui no sábado e estava garoando o dia inteiro, não parou de chover. No início estava até tranquilo, desde que você não se incomodasse com garoa, mas no final pra caminhar estava muito difícil. Tinha regiões em que o pessoal pisou muito e não dava pra passar, porque o pé afundava na lama. A locomoção ficou muito ruim, tinha gente caindo e não dava pra passar por vários locais”.

Além dos momentos de lazer, que acontecem com menos frequência, os brasileiros têm sofrido com a crise climática em rotinas frequentes, como o trabalho. Esse problema se intensifica ao considerarmos que a maior parte da população depende do transporte público, segundo dados do IPEA, que apontam que 44% dos brasileiros dependem desse meio de deslocamento..

Crise do clima e o trajeto para o trabalho

Ônibus, metrô, BRT, barca ou VLT. Todo dia, milhões de pessoas dependem desses meios de transporte para se locomoverem até o trabalho. A pergunta que fica, com a intensificação das chuvas e das temperaturas, é: será que o transporte público brasileiro está preparado para as mudanças climáticas? 

Ao ler notícias, conversar com amigos ou até mesmo observar pessoas ao nosso redor, fica nítido como o que já é visto como ruim, pode ficar ainda pior quando se depende de transportes públicos. João Vitor de Abreu, de 23 anos, conta sua experiência tendo que se deslocar de Niterói para a Barra da Tijuca para trabalhar como engenheiro de dados: “Primeiro eu pegava o ônibus 33 em Icaraí. Quando chovia,  a rua ficava com muitas poças e quando os ônibus encostavam no ponto, molhavam todo mundo que estava esperando. O ponto também era todo furado e não protegia os usuários da chuva. Depois eu pegava uma barca e descia na Praça XV, tinha que andar até o metrô e era horrível: o caminho descoberto e eu com notebook na mochila. Isso tudo com a cidade simplesmente inundada. Eu descia do metrô na estação Jardim Oceânico e precisava fazer integração com BRT ou ônibus para chegar no prédio onde trabalhava. Quando eu saía, o ponto em frente do metrô estava sempre lotado, sem nenhuma cobertura e a escada da estação virava uma cachoeira, de ter água até a canela. Já teve dia de precisar levar uma toalha para me enxugar quando chegava no escritório”, descreve. 

O problema do deslocamento para o local de trabalho não para por aí. Mesmo as pessoas que possuem carro ainda enfrentam dificuldades em dias de chuva. É o que confirma Henrique Oliveira, engenheiro e morador de Belo Horizonte: “Eu trabalhava presencialmente na cidade de Pedro Leopoldo, e minha antiga rota de trabalho é uma das principais vias da cidade. Em dias de chuva o trânsito da cidade para e fica um verdadeiro caos. Um percurso que normalmente é feito em 1 hora leva até 2 horas para ser concluído. Além disso, na zona norte da cidade, quando chove alaga e para o trânsito. Às vezes os carros ficam embaixo d’água. Todos esses transtornos acabam impedindo muitas vezes os trabalhadores de irem para as suas empresas e deixando todo mundo ilhado”.

Dessa maneira, não existe escapatória quando se trabalha presencialmente. Em dias de chuva, ocorrem alagamentos, o tráfego é prejudicado, pedestres acabam encharcados e tudo se complica. Para alguns, o momento de alívio acontece ao chegar em casa, já para outros, a tensão apenas aumenta.

Riscos ambientais em áreas vulneráveis

O Brasil sofreu com processos de urbanização desordenados em diversas cidades. Esse problema levou a construções irregulares e loteamentos em terrenos de fácil alagamento e deslizamentos de encostas. Atualmente, quem habita esses locais convive diariamente com o medo, a insegurança e a tensão em um lugar que deveria ser de aconchego: a própria casa.

Alexandre Yuri, de 23 anos e estudante de Economia, é morador de Nova Friburgo, conta como foi sua experiência como morador de uma área de risco após a tragédia que ocorreu na região em 2011: “Durante a noite em que tudo aconteceu, eu estava fora de casa. Depois da tragédia, eu levei duas semanas para poder voltar, já que ocorreram deslizamentos e diversas casas atrás da minha desabaram. Eu e meus avós não podíamos ficar lá, havia o risco de  a barreira cair ainda mais e levasse o que restou. Além disso, ficamos sem luz, a comida era difícil de conseguir. Foi um período caótico, nos sentíamos muito inseguros.  Ainda hoje, quem teve a casa derrubada pela encosta não construiu nada novamente”.

Nova Friburgo em 2011/ Foto: Reprodução/ CNN

Recentemente, toda a sociedade brasileira acompanhou o desastre ambiental ocorrido no norte do Rio Grande do Sul, em que milhares de pessoas perderam amigos, parentes  e bens. Esse não é um episódio isolado, mas algo que acontece anualmente em diferentes localidades. Como em Petropólis, em 2022, e na Bahia, em 2021. Os dados da Confederação Nacional de Municípios afirmam que 93% das cidades brasileiras foram atingidas por desastres naturais nos últimos 10 anos. Mas afinal, é possível prever ou evitar essas situações devastadoras?

Como mitigar os efeitos da crise climática

“Em todos os eventos extremos eu sempre tento ajudar da maneira que posso com prognósticos e análises meteorológicas e climáticas, que, de algum modo, auxiliem no enfrentamento às suas consequências”. É o que afirma Márcio Cataldi, Coordenador do Laboratório de Monitoramento e Modelagem do Sistema Climático da Universidade Federal Fluminense. Segundo o professor e pesquisador, é função da meteorologia diagnosticar e prognosticar o clima em mudança. Isso significa que a contribuição da área do conhecimento que estuda a atmosfera é a de prever e expor possíveis desastres que venham a acontecer. 

Após a atividade de análise feita por meteorologistas, é papel do governo (em instâncias federal, estadual e municipal) criar planos de defesa civil e preparação para eventos climáticos extremos. Essa etapa envolve mapear zonas de risco, criar rotas de evacuação, preparar abrigos seguros e alertar os moradores sobre possíveis crises. Essas e outras medidas podem salvar vidas quando o pior vier a acontecer. 

Foto: Reprodução/ Climatempo

Infelizmente, o descaso do governo com as mudanças climáticas é frequente. No caso mais atual, o governador Eduardo Leite foi avisado por especialistas sobre potenciais enchentes no estado do RS e, mesmo assim, destinou verbas ínfimas para a defesa civil. Dessa maneira, os trabalhos de mapeamento realizados por especialistas não obtém o efeito desejado — o de prevenir catástrofes. 

Além do descaso governamental, é preciso voltar às atenções para o negacionismo presente em nossa sociedade. Apesar do aquecimento global ser um fenômeno sério e cientificamente comprovado, existem pessoas que desacreditam de sua existência e poder de destruição, alegando que as mudanças climáticas são eventos cíclicos e naturais no planeta. Sobre essa questão, o especialista em meteorologia Márcio Cataldi explica:

“Na verdade as mudanças no clima sempre ocorreram no planeta, por exemplo, as eras glaciais e as eras interglaciais. O que se discute, desde a década de 70, seria uma mudança no clima associada ou forçada por ações antropogênicas, ou seja, do homem. Nesse sentido, seria a primeira vez que o planeta passaria por isso: uma mudança no clima que ocorre fora dos ciclos naturais do planeta. Em teoria esta mudança começa logo após o início do período industrial, com as emissões de gases de efeito estufa. Os gases de efeito estufa são importantes para o balanço climático do planeta, o problema na realidade são aqueles gases que estamos trazendo do fundo do planeta para a atmosfera agora, fora de época, o que cria esta ação ‘fora do equilíbrio ou do balanço do planeta’, e criada por nossas ações.”, explica Márcio.

Para o futuro, prevenção e mobilização

Considerando que o cerne do problema das mudanças climáticas está na própria sociedade, é necessário que ações de conservação da natureza sejam implementadas. Para isso, já ocorrem alguns eventos que buscam reunir governo e sociedade civil em prol do futuro do meio ambiente, como a COP. 

O problema está na falta de ações eficientes e pensadas para o curto prazo. Muito se discute e promete, mas pouco se faz quando diz respeito às mudanças climáticas. Exemplos positivos já existem no exterior e no próprio país, mas é importante que as autoridades tenham interesse em promover a conservação da biodiversidade e do clima.

No nível nacional, temos a campanha de orientação realizada pela prefeitura do Rio de Janeiro no início de 2024, em que esforços de todos os órgãos públicos se voltaram para uma chuva intensa que estava prevista. Pontos de evacuação foram preparados, alertas enviados para os moradores e a cidade decretou ponto facultativo para evitar o deslocamento da população. 

Já olhando para o exterior, temos Oslo: a capital verde da Europa. No centro político e econômico da Noruega, diversos projetos são aplicados para diminuir a emissão de carbono, gerir resíduos e combater a poluição. Por lá, entendem que uma cidade sustentável faz bem para o meio ambiente e para os próprios cidadãos.

Foto: Reprodução/ CNN

Já que os bons exemplos não faltam, fica de lição para o futuro o poder que a mobilização e a prevenção tem sobre a crise climática que enfrentamos. É necessário agir para evitar que as mudanças no clima se tornem um mal irreversível, como dito por Márcio Cataldi:

“O grande problema é se atingirmos um ponto de ruptura onde o planeta não consiga mais retornar ao seu equilíbrio inicial e esses eventos extremos mais frequentes e mais extremos passem a ser o ‘novo normal’”.

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