Roupas de alfaiataria, tecidos nobres e cores sóbrias. São estes os componentes dos looks elegantes que dominaram a internet nos últimos anos. Essa tendência é baseada em principalmente duas estéticas “Old Money” (ou dinheiro antigo), que resgata o vestuário de famílias abastadas, brancas e europeias, e o “Luxo Silencioso”, em que peças sóbrias e discretas valem muito dinheiro. A problemática ao redor desses movimentos da moda elegante está, justamente, na valorização da elegância em detrimento do estilo pessoal.

Gráficos referentes ao número de pesquisas dos termos “Old Money e “Quiet Luxury” entre os anos de 2019 e 2024 no Brasil | Fonte: Google Trends

Em um mundo de influência e consumo, as pessoas (principalmente as mais jovens) têm buscado aderir aos movimentos de moda que estão mais em evidência. Estar na moda das redes sociais e se vestir como determinada influenciadora é um sinal de status. Com a onda crescente das tendências elegantes, a população geral esquece suas preferências pessoais e até mesmo suas origens – que muitas vezes nada tem a ver com elites brancas europeias. 

Melissa Maia é influenciadora, stylist e estuda moda no Istituto Marangoni – uma das maiores referências mundiais no assunto – segundo ela, os movimentos Luxo Silencioso e Old Money querem trazer espaço para uma moda mais minimalista, vintage e exclusiva. 

É por conta dessa obsessão por parecer elegante e endinheirado que muitas pessoas têm abandonado estilos pessoais, construídos com base em suas realidades, para utilizar as roupas consideradas chiques. Mas afinal, como são essas vestimentas elegantes?

Ao realizar uma pesquisa no google, milhares de sites com dicas de “como ser elegante” surgem. As informações em todos são bastante similares: sugerem que para se vestir de maneira alinhada, deve-se usar blazer, saia lápis, vestidos e saltos altos, todos sem estampa e em cores sóbrias. 

Para Luiza Martini, consultora de elegância e estilo, essa é uma ideia rasa do que é realmente ser elegante: “Isso volta para o estereótipo da mulher elegante – roupas de alfaiataria e lisas, que até tornam mais fácil ser elegante -, mas o estereótipo não é a regra. As pessoas têm estilos próprios e você pode, sim, ser elegante em diferentes estilos. A elegância até pode ser relacionada ao minimalismo, mas essa conexão não é obrigatória. Podemos trabalhar a elegância de outras formas”.

A elegância e a moda colonial

Além da questão mais óbvia deste problema – a padronização de estilos e a perda de identidades na moda – temos alguns pontos que estão relacionados à origem do Old Money e do Luxo silencioso: a moda rica, branca, europeia ou americana. A obsessão por sofisticação é também uma maneira de enaltecer a colonialidade.

Ao renegar estampas, cores, modelagens diferentes e a pele a mostra, renega-se também as influências não-europeias da moda. Ao ceder às influências consideradas elegantes, desvaloriza-se as estampas e cores herdadas de culturas africanas, as vestimentas indígenas que consideravam o clima brasileiro e tudo o que surgiu após a miscigenação destes povos no Brasil.

Modelos nigerianas fotografadas na Lagos Fashion Week, em 2019 | Foto: Stephen Tayo/Lagos Fashion Week

Não é novidade que tudo que vem da Europa é visto como melhor, mas em 2024 é preciso descolonizar a mentalidade brasileira, entender que a Europa só é vista como o centro da moda e da sofisticação pela importância que os próprios europeus se atribuíram. Afinal de contas, a moda nem sequer surgiu no velho mundo. 

Giselly Horta, pesquisadora em Mídia e Moda pela Uff, traz o contexto do surgimento do vestuário para comprovar que a moda não vem da Europa: “Se a roupa surge nas primeiras civilizações do mundo em África, e muito antes da roupa, os adornos e pinturas corporais já produziam canais de diferenciação e status, e principalmente, eram plataforma para as identidades dessas civilizações, por essa perspectiva, a moda está presente muito antes na nossa história”.

Além do surgimento, a manutenção da moda não se dá pelas elites brancas. Quem produz a moda na ponta, ao cortar, costurar e produzir as peças, não são as grandes famílias donas de marca, mas sim o proletariado que está nas fábricas trabalhando – muitas vezes em condições precárias e mal remuneradas. No Brasil, por exemplo, a moda é feita por mulheres pretas, conforme Giselly. 

Levando em consideração esse contexto histórico, a obsessão pela elegância se torna ainda mais problemática. E não para por aí: é preciso pensar nas mensagens subliminares que o Old Money e o Luxo Silencioso levam para todo o mundo. 

A ostentação e a segregação por meio da indumentária

Vale lembrar que, os movimentos elegantes têm como base e preceito inicial a concentração de capital. Então, de nada adianta se vestir de maneira sofisticada e sóbria se você não faz parte da elite. Para parâmetros de comparação, um mesmo modelo de calça em tons bastante semelhantes pode ser vendido com uma diferença absurda no preço:

Anúncios de calças semelhantes em diferentes sites, Renner à esquerda e Farfetch à direita. | Reprodução da internet

Essa diferença de mais de 27 mil reais é um exemplo claro de que não é porque você se veste como uma pessoa rica e sofisticada, que você faz parte deste seleto grupo. Ao considerarmos que os movimentos da moda elegante fazem referência à elite, não basta seguir a tendência apenas no guardar-roupa para ser considerado Old Money, é preciso que a conta bancária e o acúmulo de bens também estejam de acordo.

A questão do estilo nas roupas contra o estilo de vida foi uma das polêmicas que surgiu com o “boom” da elegância na internet. Discussões e memes foram gerados em cima da questão: 

Memes produzidos no Tiktok acerca do estilo Old Money 

Além da clara diferença entre classes médias e baixas e as altas consideradas “Old Money”, também é preciso ressaltar que nem mesmo todas as pessoas ricas podem se enquadrar nos padrões da elegância. Para além de dinheiro e propriedades, é preciso ter “berço”. Pessoas que nasceram em classes mais baixas e acabam por enriquecerem não são consideradas tão parte da elite quanto famílias tradicionais que acumulam riqueza há gerações.

Para isso, existe o termo “Novo Rico”, designado para pessoas consideradas emergentes e que mesmo com muito dinheiro são consideradas de mau gosto e pouco refinamento. Esse já é um personagem consagrado até mesmo no audiovisual, retratado em diversas novelas e filmes por não conseguir se enquadrar na elite pela origem humilde. É o caso do filme “Um Suburbano Sortudo”, em que o protagonista não se encaixa na nova família por ter crescido no subúrbio, mesmo que tenha herdado uma quantidade enorme de dinheiro. 

Considerando desde as diferenças financeiras até nos modos de vida, percebemos que as tendências elegantes são, na realidade, bastante excludentes. Isso porque, para ser considerado parte da elite sofisticada não basta se vestir de acordo e nem mesmo possuir capital ou bens: é preciso nascer, ser criado e se formar como parte da elite.

Para além das questões apontadas, a obsessão pela elegância ainda traz consigo outras problemáticas, como a exclusão de corpos gordos e de pessoas com deficiência. O que só prova o ponto de que é uma forma de segregar minorias e fortalecer elites. Por isso, é essencial desconstruir essa visão da sofisticação como algo superior na moda. 

O estilo próprio e a elegância de ser você

Considerando todos esses pontos, fica evidente a necessidade de repensarmos o conceito de elegância e até mesmo a forma como consumimos e somos influenciados. A moda deveria ser uma forma de expressar quem você é, de onde vem e qual a sua realidade, afinal, faz pouco sentido se vestir para o inverno europeu morando em um país tropical.

Nesse ponto, as informações de profissionais são coincidentes: a moda é feita por cada um de nós, não uma referência para como devemos ser. O bonito da arte de se vestir é poder trazer um pouco de si por onde vai. É o que confirmam Giselly e Luiza:

“Uma pessoa pode ser elegante com estilos boho, social, moderno. A elegância é mais sobre o jeito como você se comporta em sociedade do que sobre como está se vestindo”, afirma a consultora de estilo, que é reiterada pela pesquisadora, “A moda é viva, e quanto mais falarmos, mostrarmos, valorizarmos esses processos e essas pessoas, o movimento e a mudança de percepção acontecerá”.

Na prática, precisamos buscar entender o que faz sentido para nossa realidade e agrada nosso gosto pessoal. Parar de olhar para fora, considerar influenciadoras com armários lotados e consumir todas as tendências que chegam às lojas. Quanto mais desenvolvemos nosso estilo pessoal, mais somos assertivos na escolha da vestimenta e menos contribuímos para a sociedade do consumo desenfreado. 

Melissa confirma a necessidade de conhecer seu próprio estilo e não apostar apenas em tendências para se vestir: “A minha dica é usar sempre o que faz parte do seu estilo, independente da tendência. Mas se gosta de estar por dentro do mundo da moda, faça sempre uma associação entre a tendência e seu estilo pessoal”.

Looks utilizados por Melissa Maia durante seu período de estudos no Istituto Marangoni, em Milão. | Reprodução das redes sociais

Dessa maneira, a moda deixa de ser apenas um mercado influenciado pelas preferências dos poderosos e assume o papel de expressão pessoal. Cada pessoa pode trazer um pouco de si, da sua origem e de sua realidade através das roupas e, no coletivo, tece-se uma grande malha de estilos, cores, estampas e modelagens que tornam o mundo diverso.

“A moda é muito mais do que roupas e acessórios. É a maneira como nos apresentamos para os outros, como nos expressamos ou deixamos de expressar. A moda está diretamente ligada aos valores da época, de um povo, de um grupo. Reflete a sociedade em todos os sentidos”, confirma a stylist e influenciadora Melissa. 

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