Segundo a revista The Atlantic, 20% dos maratonistas estão na casa dos 20 anos. Na chamada crise da faixa etária, os jovens adultos veem na corrida uma conquista palpável
Por Luiza de Menezes Rocha Corrêa
Em maio de 2023, o Google Trends registrou o maior pico de procura, em 20 anos, para o termo “corrida”. No TikTok, já são mais de 30 milhões de vídeos publicados com a hashtag Running era (era da corrida). Em alguns casos, os números mentem, mas não nesse: segundo a Tickets Sports, plataforma de inscrição para eventos esportivos, o número de corridas de rua saltou de 1.181, em 2022, para 1.421, em 2023, um aumento expressivo de 20%. Mas quando foi que os conteúdos desse tipo deixaram de atingir o pico de visualizações, e o primeiro story do dia começou a ser postado às cinco da matina?
O jornalista Christopher McDougall é apaixonado por corrida e, em 2009, publicou o livro “Nascido para correr: A experiência de descobrir uma nova vida”. Ele narra o momento em que foi até os índios Tarahumara, considerados os melhores corredores do mundo, para solucionar suas constantes lesões no esporte, vistas como definitivas por médicos tradicionais. O escritor logo se dá conta de que a etnia habita uma região de encostas inacessíveis na fronteira EUA-México. “Até onde a corrida me levaria?”, se questiona, categorizando os momentos de crise como impulsionadores para se começar no esporte.
“Costumo dizer que a corrida aparece na minha vida em dois momentos. Quando era mais nova, nas olimpíadas do colégio e atualmente, nos eventos esportivos da empresa. Ambas as minhas “primeiras vezes” nasceram de uma necessidade de integração na comunidade. Isso só mudou quando eu percebi que corri uma maratona de 10km sem nunca ter me preparado. Desde então, eu vi a corrida como uma forma de desafio, porque me surpreendi com a minha capacidade.”, contou a administradora de 23 anos, Fernanda Araújo. Para ela, a corrida é um estímulo tanto físico quanto mental: testa, traz resultado e a faz conquistar.

Segundo a revista cultural The Atlantic, dos Estados Unidos, 20% dos participantes em maratonas estão na faixa dos 20 anos.. A taxa reflete a nova “crise dos 20”, na qual a corrida se torna uma conquista palpável, a curto, médio e longo prazo, para uma geração que se compara com os resultados de seus pais, em tempos nos quais, na mesma idade, os jovens adultos já estavam saindo de casa.
“Disciplina e resiliência são dois dos princípios que vivencio na corrida e levo para minha vida, tanto pessoal, quanto profissional. Em 10 km muita coisa acontece, que dirá 21 km, meia maratona e 42 km, maratona completa. São vários desafios que você vai enfrentar ao longo do percurso para conseguir completar a prova. E quando você completa, não tem sensação melhor. Foi você, seu corpo, quem te levou até lá. É só disso que você precisa, nada mais. Eu tento extrair um pouco dessa potência e levar para minha vida real”, Fernanda reflete.
Não é incomum encontrar no trabalho a presença de eventos esportivos, que além de valorizar a cultura de uma boa saúde laboral física e emocional, ainda estimula o senso de comunidade, fundamental para o desenvolvimento de bons relacionamentos e, consequentemente, bons resultados. O famoso happy hour vai de bares a karaokês, teatros, festas juninas, shows e agora corrida, trazendo essas relações para outros ambientes descontraídos e ricos de outros elementos igualmente necessários.
Mas afinal, o quão diferente fica uma equipe que se incentiva para fora das quatro paredes, físicas ou não, de seu trabalho? O senso de comunidade presente nas corridas é um velho conhecido de Irma Rocha, educadora física que dedicou sua carreira às vilas olímpicas e escolas estaduais.
“Estou longe de ser uma entusiasta das redes sociais, mas sou uma entusiasta do que movimenta, então, para mim, o geral é positivo. Pouco importa se é para a foto ou não, as pessoas estão praticando, produzindo e liberando hormônios importantes, procurando dormir bem, melhor se alimentando, interagindo e, sobretudo, conferindo pilares e conexões emocionais que só o esporte proporciona. Para mim, isso não tem preço.”, opinou Irma.
Diferentes grupos da sociedade têm ganhado com o “boom” das corridas: educadores, preparadores e recuperadores físicos, assessores, grandes marcas, promotores de eventos, nutricionistas e influenciadores digitais. Mas eles não deixam de apontar para os perigos do deslumbramento com o que é visto nas redes sociais. A necessidade de responsabilidade não fica só para quem regula, mas também para quem posta, consome ou compartilha qualquer tipo de informação.
“É sobretudo uma alegria que as pessoas comecem a se preocupar com sua alimentação, então é claro que apoiamos o viral. Mas ficamos atentos, já que coisas boas e ruins se tornam tendência e mesmo as boas encontram suas particularidades. Um corredor profissional que expõe seu dia a dia tem um suporte nutricional personalizado por trás. Pode existir a necessidade de um atleta tomar um gel de carboidrato no meio de uma prova de 20 km, mas uma pessoa que está correndo seus primeiros 3 km, não precisar. Por isso a importância de uma orientação especializada e não apenas a réplica de algo que um influenciador faz.”, explicou Ana Beatriz Ribeiro, estudante de Nutrição que reforça a necessidade de conhecimentos não só relacionados à quantidade, mas também a qualidade e frequência de alimentação antes, durante e após os treinos e provas.
Apesar da constante desconfiança por parte dos usuários das redes, com os cliques impecáveis ou os poucos segundos de vídeo de um treino de corrida, um pensamento se mostra único: é melhor que o hype (tendência) esteja em cima da prática de um esporte do que em um vape, que há pouco tempo dominava as manchetes e a vida dos jovens.
“Fico feliz de fazer parte dessa geração que está em busca de saúde física e mental e acho que a corrida, independentemente das intenções de cada um, veio sim para somar. O lembrete que deixo é de não subestimar o acompanhamento profissional, para alcançar os melhores resultados, evitar lesões e construir um círculo de pessoas que irão te ajudar a se conectar com a essência do esporte, que ficam de lado em um mundo guiado pelas curtidas. Assim como na corrida, quando estamos na internet, precisamos condicionar nossas mentes a seguir pelo essencial.”, finalizou Ana Beatriz.