Uma reflexão sobre novos formatos e o esvaziamento jornalístico no fenômeno dos podcasts brasileiros
Por Fernanda Nunes
Quem um dia ousou prever o fim do rádio, jamais poderia imaginar o plot twist que testemunhamos nos últimos anos: sua volta por cima reimaginada e com força total nos lares mundo afora. Aliás, não apenas nos lares, mas em qualquer dispositivo digital com acesso à internet. Sem precisar se preocupar mais com a programação na estação, em 2006 o Brasil recebeu o que seria uma das maiores sensações em mídia consumida atualmente pela população.
Os podcasts surgem no fim dos anos 90 oferecendo os mais diversos tipos de conteúdo com cada vez mais facilidade para o ouvinte. Segundo dados do Spotify, streaming de áudio mais ouvido no país,o Brasil é o segundo no ranking de criadores e consumidores de podcast do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Até 2023, a plataforma contava com mais de 100 mil programas disponíveis e, pelo ritmo da coisa, esses números tendem apenas a aumentar e todos querem uma fatia desse bolo, até mesmo se isso custar a qualidade do que é produzido.
Nos últimos meses, o PodPah, maior podcast/videocast do Brasil, conduzido pelos anfitriões Igão e Mítico, tem sido alvo de duras críticas dos internautas, colocando em risco sua popularidade.
A falta de pesquisa e profundidade da dupla diante de convidados de peso é apontada pelo público como um aspecto negativo do programa e tem abalado a confiança da audiência em relação à credibilidade do conteúdo produzido pela dupla, que se defende ao deixar explícito seu compromisso com o entretenimento e não com a informação. O que nos leva a pensar: será que realmente entendemos a proposta dos podcasts ou nos apegamos tanto aos modelos tradicionais que nos fechamos às novas possibilidades de formatos na comunicação?
A professora de jornalismo e consumidora assídua de podcasts, Adriana Barsotti encara esse novo tipo de comunicação como um impacto positivo sobre o jornalismo tradicional. Segundo ela, o formato gerou novas frentes de trabalhos, que ultrapassam o ramo comercial e já se encontram na academia.
“Sobre a academia, tem muitos pesquisadores já publicando sobre podcast. Eu mesmo publiquei dois [artigos]. Já existem dossiês de revistas acadêmicas voltadas exclusivamente para podcast”, conta a professora, que assume também ficar de olho nas técnicas utilizadas pelos criadores para reproduzir em suas aulas de radiojornalismo, indicando que pode haver, sim, um caminho de equilíbrio entre essas duas modalidades.
“Essa questão do entretenimento é complicada porque se você não está se propondo a fazer um podcast jornalístico, informativo, se o seu propósito é entreter e se você comunica essa sua intenção ao público, então é um pacto que se estabelece entre os ouvintes e os produtores de podcast”, explica, “Tanto rádio quanto TV são uma mistura de informação com entretenimento, então eu acho natural que na podosfera também haja produtos voltados para o entretenimento. O que não pode é querer fazer um produto jornalístico, porque aí eu acho que você está quebrando um pacto com o seu ouvinte”
Neste sentido, a podosfera, como nomeou a professora, apresenta ao ouvinte um universo de possibilidades à sua escolha, desprendendo-se cada vez mais do cordão umbilical do tradicionalismo dos meios de comunicação convencionais. Giulia, ex-aluna de Adriana e hoje jornalista pela Universidade Federal Fluminense (UFF), destaca as diferenças entre os dois formatos, comparando sua experiência profissional como radialista e o que vivenciou na construção do podcast “Vozes Invisíveis”, seu produto de conclusão de curso que fala sobre violência de gênero:
“No rádio a gente tem uma linguagem muito específica, em que você tem que ser muito direto e tem que dar a informação principal logo de cara, porque o rádio tem a premissa de ser ao vivo”, explica. “Então eu acredito que a principal diferença seja justamente isso do podcast ser assíncrono, ele está dentro de um streaming e você pode dar play, pausar, voltar. Você escolheu clicar naquele podcast, então provavelmente você tem algum interesse já ali”.
Atualmente, o canal do Podpah no Youtube soma mais de 8 milhões de inscritos e já contou com a presença de figuras de valor inestimável para o país, como o atual presidente Lula, além de ser um espaço de fortalecimento da imagem para muitos artistas e marcas. Esses indicadores nos chamam atenção para a potência que programas dentro desse formato têm atualmente dentro da comunicação e que, independente da vertente para o qual ele foi formulado a primeiro momento, inegavelmente carregam uma responsabilidade social.
“Até pra contar uma história você precisa fazer uma pesquisa mínima sobre o assunto, você precisa escrever um roteiro, você precisa checar, precisa analisar eticamente se aquela história pode ser contada da forma que você quer e tudo isso são coisas que a gente aprende muito no jornalismo. Muitas vezes não tem isso nos podcasts, porque hoje em dia qualquer pessoa pode ter um podcast, então muitas pessoas que têm essa formação não se preocupam com isso, com checagem de informações, com pesquisa e eu acho que poderia ser absorvido isso do rádio, porque isso é uma parte que não pode faltar”, defende Giulia respaldada por sua ex-professora, que dá um conselho aos aspirantes a comunicadores:
“Eu sugiro que leiam manuais de redação que estão disponíveis com os princípios do jornalismo, a questão ética. O código de ética é bem sucinto, mas contempla todos os princípios que devem reger a profissão”.