Passarinhar vai muito além do lazer por motivar praticantes a contribuírem ativamente com o meio-ambiente

Por Isabella Nogueira

Popularmente conhecida por Birdwatching ou passarinhada, a observação de pássaros é uma atividade sustentável que consiste na apreciação de aves livres em seu habitat natural. Os praticantes possuem perfis distintos, abrangendo pessoas de todas as idades e classes sociais, que são unidas pelo contato com a natureza.

Apesar de muitos observadores admirarem as aves com o auxílio de equipamentos fotográficos para colecionar imagens de diferentes animais como um álbum de figurinhas, a prática de passarinhar vai além de registros visuais. Iago Nazato, estudante e praticante de Birdwatching, esclarece a questão: “Encontrar as aves é um exercício de paciência. Se puder, seria interessante ter um binóculo ou uma câmera, mas [a observação de aves] é uma atividade que pode ser feita sem equipamento.Às vezes, não é nem mesmo necessário ver o pássaro para ter observado ele. As pessoas que são deficientes visuais, a forma delas de observar é ouvindo sons, então não podemos excluir essa experiência se ela está tendo contato com o animal e aprendendo sobre o comportamento dele.”

Segundo o artigo Perspectivas da Observação de Aves no Brasil, que analisa dados do Censo Brasileiro de Observação de Aves, a atividade pode ser pensada a partir de quatro eixos: saúde, ciência, conservação e turismo. A perspectiva é, primeiramente, explicada pelos benefícios do Birdwatching à saúde física e mental, de forma a incentivar a prática de exercícios físicos e trilhas pelo contato com a natureza, fator indicador de melhor qualidade de vida. Em seguida, há a ciência, que é resultado de contribuições de observadores de aves por meio da Ciência Cidadã, que pode se dar a partir de fotos, listas de espécies ou qualquer dado que auxilie em um melhor entendimento ambiental.

Iago Nazato aponta para seu próprio nome em placa no Centro Ecocultural Sueli Pontes, que expõe fotografias de aves tiradas por praticantes de Birdwatching, uma forma de Ciência Cidadã. Foto: Isabella Nogueira

Com relação à conservação, o Censo Brasileiro de Observação de Aves de 2023 apontou que 87% das pessoas envolvidas com a atividade esperam contribuir ativamente com a conservação das espécies por meio do Birdwatching. Já o último eixo apresentado faz relação com o aviturismo. Segundo o mesmo Censo, mais da metade dos praticantes de Birdwatching viaja para observar aves.

Passarinhar é uma atividade que conecta as pessoas à natureza e incentiva que elas saiam de casa. Muito além de levar alguém a acordar cedo e realizar atividade física, a prática promove um senso de propósito e pode auxiliar crianças a idosos em questões como ansiedade e depressão. Outra contribuição em que o Birdwatching mostrou ser efetivo é o afastamento de crianças e adolescentes da exposição exacerbada aos jogos e à internet.

Matheus Nolte, praticante de Birdwatching de 14 anos, relata: “Observo aves desde dezembro de 2020. […] nessa época de confinamento fiquei em uma casa em São Francisco-Niterói e foi lá que, diariamente, pude me conectar mais com esse mundo das aves, já que todos os dias enquanto estava rolando a aula on-line eu as observava de minha janela. Quase 4 anos depois isso virou não só um hobby, mas algo necessário para mim e acredito que hoje isso possa ser considerado até uma terapia, aliviando stress e ansiedades. Seja qual for a ocasião, eu estou sempre atento às aves e não consigo imaginar minha vida sem as observar”.

Além de todos os benefícios individuais, Matheus acredita que observar aves proporciona uma conscientização ambiental: “aos poucos você percebe como as aves sofrem com mudanças climáticas e com a poluição causada pelo ser humano. Eu já participei de mutirões de plantio e limpeza em áreas desmatadas ou poluídas e, você não só se sente melhor consigo mesmo, como também ajuda o meio ambiente e, de pouco a pouco, pode ajudar a tornar o mundo um lugar melhor.”

Valor educativo da observação de pássaros

Ao possibilitar um alcance que vai desde o trabalho introdutório com crianças ao respeito à natureza e até a transformação de civis em colaboradores com a ciência, a observação de aves faz parte de um grande projeto de conscientização sobre a preservação do meio ambiente. Isso porque, se incentivado na juventude, o cuidado com os espaços de fauna e flora amadurece com o desenvolvimento da faixa etária a curto prazo, questionando a realidade próxima de si, e a longo prazo.

O NASCE (Núcleo Avançado de Sustentabilidade, Cultura e Esporte), sediado em Niterói na Ilha do Tibau, oferece oficinas gratuitas de sustentabilidade e meio ambiente às terças e quintas para estimular a relação do público com a natureza. Dessa forma, são pensadas atividades de Birdwatching, horta comunitária e plantio de mudas, que podem interessar desde escolas a praticantes da observação de aves pela rica diversidade de espécies que o local conta.

 Aves como Garças, Pernilongos, Maçaricos e Marrecas podem ser observadas em passarinhadas na Ilha do Tibau. Foto: Isabella Nogueira.

Marcella Azal, pedagoga e representante da parte ambiental do NASCE, reconhece o importante papel de retirar os alunos das quatro paredes da sala de aula para que haja impacto no aprendizado: 

“O pertencimento da ave ao mesmo ambiente que ela [a criança] modifica tudo e contribui em uma questão de respeito e de saber o seu limite em ver a natureza e não ser invasivo. Quando a criança não tem um contato mínimo com a natureza é um pouco mais desafiador fazê-la entender que não pode arrancar um ninho, por exemplo”.

As aves podem servir também de conexão com outros temas relacionados à natureza que podem ser ensinados, como a importância das florestas, da diversidade de espécies e de reconhecer as árvores como elementos a serem preservados. Nesse contexto, é viável explicar mais facilmente a um aluno a escolha das mudas a serem plantadas no local, em que é região de mata atlântica,

e discutir sobre plantas invasoras ao permitir que hajam perguntas simples como “Por que não vamos plantar um pé de jaca?”

Crianças de escolas públicas e privadas podem ouvir contações de histórias sobre a natureza no NASCE. Foto: Isabella Nogueira.

E as pessoas mais velhas? Marcella acredita que elas podem ser cativadas com uma aplicação eficiente do trabalho oferecido pelos núcleos ambientais, ressaltando a importância de levar o pensamento em áreas com grande presença de compra de pássaros ilegais como forma de minimizar o poder do tráfico de aves.

“Geralmente abordamos de uma forma que a educação vem dos menores. Às vezes recebemos crianças com pais gaioleiros e, se ela se apaixona pelas aves, normalmente ela questiona o pai do porquê aquele animal estar preso.”

Desencorajamento do tráfico de animais

Quando a observação de aves é cultivada por meio de uma educação ambiental, a prática não só desencoraja o tráfico de animais, mas também ajuda a combater essa mazela. Hoje, o tráfico ilegal da biodiversidade está entre as atividades ilícitas mais lucrativas do planeta, chegando a movimentar até 23 bilhões de dólares por ano e só o Brasil participa com 5% a 15% do valor. Nessa triste realidade, as aves fazem parte da maior parcela de animais traficados, variando entre 80% a 90% das apreensões

Quando o Birdwatching, mesmo que como atividade de lazer, constrói uma conexão entre o observador e a natureza, provoca um incômodo com relação às práticas ilegais de compra e venda de aves. “Consequentemente, o praticante de observação de pássaros naturalmente começa a tomar iniciativas contra o tráfico de animais em uma pequena escala que muda aos poucos a sociedade”, diz Felipe Queiroz, diretor da ONG Instituto Floresta Darcy Ribeiro.

As aves que representam os principais alvos do tráfico de animais são as Araras, os Papagaios e os Pássaros canoros. Nas imagens, uma apreensão feita pelo INEA em conjunto com a Polícia Militar em Niterói. Fotos: Felipe Queiroz.

O tráfico de aves, no entanto, é uma questão complexa por ser muitas vezes vista como uma questão cultural. Pássaros exóticos, raros e até ameaçados de extinção são exibidos como troféus por pessoas de maior poder aquisitivo, enquanto aves conhecidas por seus cantos são compradas ilegalmente como um hobby por indivíduos com pouco acesso à informação ecológica, em que se disputa qual passarinho canta mais e melhor. Há também casos de desinformação em que pessoas que gostam de pássaros e desejam ficar próximas da natureza acreditam estar protegendo uma ave a comprando ilegalmente e a colocando em uma gaiola. Avalia-se então, erroneamente, que a ave presa está sendo conservada e protegida de uma vida selvagem em que teria menor expectativa de vida.

Felipe relata casos de caçadores que começaram a ser treinados para serem guias de observação de aves e, assim, deixaram de prover aves ao tráfico pelo conforto de receber um salário certo que não é fruto ilegalidade. “Quando começamos a dar a possibilidade dessas pessoas usarem seus próprios conhecimentos prévios para a observação de aves como fonte de renda, você muda a dinâmica das atividades ilegais”.

Atualmente, o combate ao tráfico de aves ainda é muito necessário.Os praticantes de Birdwatching contribuem ativamente nessa luta por meio da vigília. Como o tráfico começa na captura do animal, o observador em campo acaba espantando os caçadores, que não querem correr o risco de cometer um crime na frente de outras pessoas com instrumentos fotográficos em mãos. Em outro cenário, por mais que um observador de aves não intervenha no momento da captura por receio, ele é alguém que rapidamente alerta autoridades e entes fiscalizadores, como forma de impedir que aquele animal alcance o comércio ilegal.

Para Felipe, as ações não param por aí. Além de denúncias, é importante que haja incentivos governamentais a projetos que difundem educação eco sustentável, como o NASCE, e a proposição de leis mais severas contra este tipo de crime. “Já houve casos em que eu fiz a denúncia e a pessoa detida por tráfico de animais saiu da delegacia antes que eu”, lembra.

Explorar para conhecer

A observação de aves é uma atividade que pode ser iniciada no espaço de casa, um jardim ou em alguma praça perto de onde o praticante more. Para 83,6% das respostas do Terceiro Censo Brasileiro de Observação de Aves, o quintal ou a janela de casa ainda é o principal local para se realizar o Birdwatching. A pesquisa revela, ainda, que o espaço externo mais procurado são parques, o que destaca a importância de unidades de conservação para a presença de animais a serem contemplados.

A história de como a visitação humana foi permitida nas áreas de conservação, porém, não foi unânime. Ricardo Voivodic, atual diretor do Parque Estadual da Serra da Tiririca, conta que os parques começaram a ser protegidos por um grupo chamado de preservacionista, que considerava o ser humano inimigo da preservação ambiental e, para que a natureza fosse preservada, ela teria que ser isolada da ação humana. Depois, a visão de um grupo conservacionista, que vinha de populações tradicionais que já viviam em locais a serem protegidos e conservavam essas localidades durante séculos. Até então, nenhuma dessas correntes pensava o uso das unidades de conservação por pessoas de fora para o proveito do público por meio de trilhas e visitações, de forma que essa ideia ganha destaque no estado do Rio de Janeiro pela grande procura do Parque da Tijuca para visitação, sendo seguido também com o interesse de realização de trilhas no Parque Natural da Serra dos Órgãos e no Parque dos Três Picos, ambos na região serrana do estado.

O Birdwatching, então, passa a ser, no Brasil, uma estratégia de aproximação das pessoas com as unidades de conservação, porque a observação de animais é uma das atividades que mais cresce e gera renda por meio do ecoturismo, estando presente, por exemplo, em Fernando de Noronha, nos passeios de observação da vida marinha. Assim, as visões conservacionista e preservacionista encontraram um terreno em comum ao notar que a visitação traz aspectos muito positivos para a proteção da fauna e flora. Estima-se que quase metade dos observadores de aves realizam viagens para fazer a observação..

A estratégia de observação de aves como colecionar figurinhas, tentando sempre buscar aves diferentes para o repertório fotográfico, traz os holofotes para os parques nacionais. Nesse contexto, o avistamento de novas aves atrai os olhares de visitantes interessados em Birdwatching e promove o turismo pelo estímulo de encontrar espécies que ainda não tenham sido observadas pelo indivíduo. A prática influencia a criação de grupos para o melhor aproveitamento das passarinhadas, levando também informações de novos avistamentos para fóruns e redes sociais. “De 2015 para cá houve o aumento de mais de 60 aves na lista oficial de aves do parque baseado nos registros feitos pelos grupos de observação de aves”, diz Ricardo.

diz Ricardo.

Atualmente, os parques possuem placas indicadoras em suas trilhas para localizar e informar o grande número de visitantes que recebem. Com a popularização da observação de aves, foram colocadas sinalizações sobre as espécies que podem ser encontradas ao longo da caminhada. Foto: Isabella Nogueira.

Birdwatching em Niterói

Niterói é uma cidade positivamente considerada para a realização da observação de aves pela variedade de espécies e um bom potencial de avistamento, sendo relativamente um bom lugar tanto na alta quanto na baixa temporada. Há também uma boa estrutura para observação, com placas referentes às espécies que podem ser encontradas nos parques. Relacionado à localização dos parques, pode-se considerar a segurança de poder se locomover na cidade.

Entre as trilhas mais indicadas para a realização de Birdwatching, destaca-se a Trilha do Rio João Mendes, no Parque Estadual da Serra da Tiririca, um lugar internacionalmente conhecido pelo seu potencial de avistamentos, de maneira a atrair turistas do mundo inteiro para visitar. Outra localização importante é o Parque da Cidade, muito frequentado por sua vista privilegiada da Baía de Guanabara.

Para observadores iniciantes e antigos, o programa “Vem Passarinhar” do INEA (Instituto Estadual do Ambiente) estimula o contato com a natureza e com as unidades de conservação, disponibilizando um guia que leva um grupo de pessoas para aprender as técnicas de Birdwatching e vivenciar a atividade. Inicialmente criado com o propósito de atender praticantes iniciantes, o programa atraiu pessoas já familiarizadas com a atividade pela atratividade de ser guiado por profissionais bons e especializados gratuitamente em busca de pássaros exclusivos da região. A partir daí, grupos começaram a se organizar para realizar a atividade coletivamente.

Entre os grupos de observação de aves em Niterói, destaca-se o Xtreme Birding, que está frequentemente presente em eventos de estímulo a passarinhadas, principalmente na cidade.
Iago Nazato expressa como a atividade poderia crescer mais em Niterói: “Poderia haver maior incentivo dos eventos de passarinhada. Outras organizações poderiam ser envolvidas na divulgação para alcançar um público maior que, muitas vezes, nem sabe que o Birdwatching existe”.

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