Estudantes que vêm de fora do estado para estudar em Niterói expõem seus sentimentos e vivências em relação à adaptação na nova cidade. Não é só estudar!

Por Pietra Maciel

A escolha de sair da casa dos pais para fazer faculdade vem acompanhada de barreiras e dificuldades, mas também de crescimento pessoal e experiências novas. Essa realidade é maximizada quando a mudança é, também, de cidade ou estado. Longe da família, estudantes da Universidade Federal Fluminense vivem a experiência da graduação juntamente com os desafios de cuidar de si mesmos e de se adaptar a um novo ambiente.   

Segundo o Anuário Estatístico da UFF de 2022, cerca de 3% dos alunos de graduação da universidade eram provenientes de outros estados naquele ano, sendo a maioria deles de São Paulo e Minas Gerais. 

Gráfico com Informações do Anuário Estatístico da UFF 2022/ Por: Pietra Maciel 

Escolhas 

As motivações para a mudança variam muito, alguns vão atrás da aprovação no curso dos sonhos ou na faculdade de maior renome em sua área, outros priorizam sair de sua cidade natal em busca de novos ares e experiências. Esse segundo cenário foi o que impulsionou Yana Flávia, estudante de jornalismo da UFF, a sair de Fortaleza, Ceará, para estudar em Niterói.

“Eu já tinha começado a fazer faculdade em Fortaleza, de Psicologia, mas não quis mais fazer esse curso e saí. Fiz o ENEM, entrei no SISU e coloquei Jornalismo, também na UFC, mas quando olhei para tela e vislumbrei que teria uma rotina muito parecida com a que eu já tinha pelos próximos quatro anos, achei que poderia aliar a vontade de conhecer novos lugares e ter novas vivências com a faculdade. Não era apaixonada pelo Rio, eu só não queria mais ficar onde eu estava”.

A universitária, de 24 anos, é filha única e morou a vida toda no mesmo bairro, o que, segundo ela, causou um grande impacto nos primeiros meses vivendo na nova cidade. 

 “Era muito diferente estar em um lugar que não era o meu lugar, que eu não conhecia as ruas, não tinha uma conexão com aquelas pessoas que passavam na rua. Eu não conhecia ninguém, era tudo muito novo de fato”.

Suporte da UFF

Um dos pontos decisivos na hora de se mudar é a questão financeira. Em 2023, segundo o Censo do Ensino Superior, 25.383 alunos com matrícula ativa na UFF tinham entre 18 e 24 anos, representando 58,7% dos estudantes. Tendo em vista que, de acordo com a Subsecretaria de Estatísticas e Estudos do Trabalho, apenas 13% dos jovens brasileiros nessa faixa etária trabalham e estudam, se sustentar em uma nova cidade se torna um desafio. 

Julia Alcântara está no último período de biblioteconomia e estagia, mas afirma que é difícil manter uma casa, mesmo com a ajuda da mãe. A jovem, de 24 anos, conta que o Programa Auxílio Acolhimento para Estudantes Ingressantes, oferecido pela Universidade Federal Fluminense, foi essencial durante seu primeiro período, em 2019, e ao longo da pandemia de Covid-19. 

A UFF oferece diversos tipos de auxílio a estudantes em vulnerabilidade socioeconômica, sendo alguns deles exclusivos para alunos que moram sem suas famílias. As informações sobre o suporte oferecido pela universidade podem ser encontradas no site https://www.uff.br/proaes/bolsas-e-auxilios/

Sofia Lancelote, graduanda em história, entrou para UFF no segundo semestre de 2023 e se mudou para a moradia estudantil em 2024, já que o edital só abre no final de cada ano. Durante seu primeiro período, a estudante, de Belém do Pará, morou na Ilha do Governador, realizando um trajeto que, segundo ela, era cansativo e, o transporte, caro. Nesse período, Sofia residiu na casa de uma parente, então entrar na moradia estudantil não só a ajudou financeiramente, mas lhe proporcionou mais autonomia. 

Moradia estudantil do campus do Gragoatá/ Foto: Pietra Maciel

Apesar de ser um auxílio importante para estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, a Moradia estudantil possui limitações e problemas. Nas últimas eleições para o Diretório Acadêmico da UFF (DCE), a chapa 4, uma das concorrentes,UFF para o Povo, denunciou em seu Instagram a precariedade dos serviços oferecidos aos alunos, incluindo a falta de produtos de higiene e limpeza, a quantidade de comida e a exclusão de ocupantes. 

O edital para selecionar novos moradores para 2025.1 não foi aberto, mesmo com residentes da moradia alegando a existência de camas vagas nos quartos. Como forma de ajudar aqueles que não conseguiram ter acesso ao suporte da universidade, alguns estudantes levam pessoas para residir na moradia de maneira irregular, os chamados ocupantes.

Sofia, que também participa do movimento estudantil, acredita que algo precisa ser feito por esses alunos e que expulsá-los dos quartos não é a melhor medida. 

“Eu acho que se está tendo ocupante é porque não está tendo política de permanência que alcance a todos. Esse ano não abriu edital, como eles vão querer que essas pessoas estejam lá pelo edital? Isso acaba elitizando a universidade, tem muita gente que precisa ter e não tem.”

Cartaz da Chapa 4 localizado na entrada da do campus Gragoatá/ Foto: Pietra Maciel

A  assessoria de imprensa da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Proaes) afirmou que a chamada para novos moradores está sendo realizada e que outro edital será aberto quando mais vagas surgirem. Em nota, comunicou que “o edital da moradia ainda está vigente e que estamos realizando as chamadas a partir da desocupação. Em 2025 será lançado novo edital, no caso de haver vagas ociosas. Quanto à fiscalização para saber se há camas vagas, é o chefe de divisão da moradia que controla quem está na moradia por meio de planilha, livro de registros, além de confirmação com os próprios residentes. Tais medidas são realizadas rotineiramente”. 

Rede de apoio e o sentimento de pertencimento

Apesar de ser um desejo de muitos jovens, chegar em uma cidade nova, sem conhecer ninguém, enquanto ingressa em um curso de graduação, pode ser desafiador, por isso, a formação de uma rede de apoio se torna um caminho importante para facilitar a adaptação. 

Uma rede de apoio nada mais é do que um conjunto de pessoas que se disponibilizam a dar suporte ao recém-chegado, seja ajudando a conhecer o funcionamento da cidade ou prestando auxílio na integração social, por exemplo. Essa rede pode surgir de diversos espaços: colegas de faculdade, amigos e seus familiares, vizinhos ou colegas de trabalho. 

Alunos no campus do Gragoatá/ Foto: Pietra Maciel

Fernanda Diniz, estudante de engenharia química da UFF, se mudou de Belo Horizonte, Minas Gerais, para Niterói, Rio de Janeiro, com sua irmã gêmea. As duas ingressaram em 2021.1 e priorizaram uma universidade em que as duas fossem aprovadas. A companhia uma da outra facilitou o processo de integração, mas a estudante afirma que a ajuda de membros da Igreja e de seu grupo de amigos foi e ainda é crucial. 

Mas e quando a ajuda não chega? 

Yana, estudante cearense de jornalismo, apresentou dificuldades em criar conexões mais profundas nos primeiros anos de curso. A universitária conta que era comum interagir com seus colegas de graduação em ambientes de estudo ou em festas, mas raramente esse contato se transformava em um laço de confiança e amizade. Por conta disso, Yana passou a se sentir muito sozinha, cogitando até voltar para sua cidade natal.  

“Não ter uma rede de apoio em Niterói me fez pensar em desistir da faculdade, eu considerei isso algumas vezes. É muito difícil aguentar estar em uma cidade em que eu não tenho alguém pra falar sobre meus sentimentos, pra me ajudar quando eu estou doente. Eu sinto que estou em um lugar onde ninguém me ama de verdade e me conhece realmente”.  

Segundo o artigo The Need to Belong: Desire for Interpersonal Attachments as a Fundamental Human Motivation, dos psicólogos Roy F. Baumeister e Mark R. Leary,  a necessidade de pertencimento é uma motivação fundamental da humanidade. Os seres humanos precisam manter relações significativas com grupos de pessoas com as quais se identificam, mas para isso não basta estar rodeado de um número grande de pessoas. Isso porque o sentimento de pertencimento está diretamente ligado ao quão compreendido e acolhido se sente em determinado espaço.

Para Yana, a questão cultural e linguística foi uma barreira na construção do sentimento de pertencimento. Seus colegas não compreendiam  tão facilmente sua maneira de se expressar e não se dedicavam a incluí-la, o que dificultou esse processo. 

Julia, estudante do último período de biblioteconomia, também sentiu desafios por conta de sua origem. A jovem, de Patos de Minas, Minas Gerais, alega ter sofrido bullying, logo que chegou em Niterói, por conta de seu sotaque.

“Como eu sou do interior, eu puxo muito o R e quando eu mudei pra cá, eu puxava muito mais o R. O pessoal foi zombando, zombando e eu fui trabalhando minha forma de falar”.

Apesar disso, a estudante encontrou amizades na faculdade e procurou se dedicar à atividade física e a esportes, com a finalidade de criar mais conexões e se distrair durante o período de integração. 

A nova casa

Sair da casa dos pais é uma mudança drástica na vida de um jovem adulto. É nesse momento que muitas responsabilidades, antes distantes do cotidiano, passam a ser constantes na vida juvenil. Além disso, se adaptar ao novo espaço e ao novo modelo de lar, que muitas vezes é compartilhado com outras pessoas, é uma experiência que desafia a zona de conforto. 

Seja em repúblicas, apartamentos, quartos alugados ou na moradia estudantil, lidar com pessoas diferentes convivendo no mesmo ambiente, com frequência, requer paciência e adaptação por parte dos novos parceiros de casa.    

Julia, estudante de biblioteconomia, quando chegou no Rio, passou a morar com outras nove meninas em uma república perto da faculdade. Ela conta que a casa era pequena e que, além de dividir quartos, as meninas dividiam um único banheiro, o que tornava a experiência mais desafiadora.

“Foram seis meses muito intensos, porque você vive com pessoas que têm criações  completamente diferentes, com rotinas diferentes. Algumas estavam morando ali havia pouco tempo, então era uma adaptação muito difícil”.

Após esse período na república, a universitária passou a alugar um dormitório em uma casa de família, com quarto e banheiro próprio, onde mora até hoje, quatro anos depois. 

A sensação dos primeiros dias na nova moradia é descrita por muitos estudantes como a mesma de estar de férias, até que a realidade vem à tona. Pagar as contas, lavar, passar, varrer, cozinhar, fazer compras, tudo se torna muito pesado somado à responsabilidade de se manter focado na graduação. 

Fernanda e sua irmã, estudantes de engenharia química, já eram responsáveis por algumas tarefas domésticas quando moravam com seus pais, mas, segundo Fernanda, cuidar de toda a casa, sem a presença da família, é bem mais complicado e cansativo. 

Imagens de roupas no varal / Foto: Pietra Maciel

Tanta responsabilidade, muitas vezes, impede os estudantes que moram longe dos pais de usufruir de tudo que a universidade tem a oferecer. Yana conta que é comum a comparação com alunos que não possuem as mesmas preocupações que ela, isso porque o tempo funciona diferente quando administrar uma casa está entre suas obrigações. 

“Me dava uma certa ansiedade, parece que sempre tem alguma coisa pra fazer, é uma carga mental ter que gerenciar uma casa sozinha. Inclusive, muitas vezes, eu via pessoas na faculdade que faziam dois projetos de extensão, iniciação científica, estágio e seis, sete disciplinas, e eu ficava ‘Cara, como essa pessoa consegue fazer tudo e porque eu não consigo fazer nem metade disso?’. Aí eu lembrei que essas pessoas moravam com os pais”.

Tempos de glória 

O ditado popular diz “Nem tudo são flores”, mas é claro que existem muitas delas pelo caminho. A vantagem de estar em um local completamente novo é a abertura que se tem para experimentar uma nova rotina e se conhecer.

Julia está acabando a graduação e pretende continuar morando em Niterói depois de formada. De acordo com ela, apesar dos desafios, mudar de estado trouxe uma evolução muito significativa para sua vida.  

“Eu me sinto uma pessoa muito melhor. Eu cheguei aqui pesando 48kg, super magra, eu estava com medo. Hoje, eu descobri quem eu sou de verdade. Aqui eu posso simplesmente andar com a roupa que eu quero, por exemplo, e ninguém vai dar a mínima. Então, eu acho que me mudar fez eu descobrir quem eu sou de verdade, meus gostos de verdade, acho que por mais problemático que seja se mudar para um lugar novo, saber quem você é no mundo é muito, muito bom”.

A estudante ainda acrescenta, para outros jovens que têm o desejo de fazer faculdade longe de casa, que as pessoas não podem ter medo de desbravar o mundo. 

“Não dá pra viver preso no ‘e se’. O ‘e se’ vai virar uma amargura lá na frente”.

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