Como os problemas ambientais se manifestam na região, suas consequências desproporcionais para populações vulneráveis durante eventos climáticos extremos e as soluções encontradas
Por Lucas Adriano
Em 2024, duas tragédias marcaram a vida dos moradores de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Nos dias 13 de janeiro e 21 de fevereiro, o Rio Botas que nasce na Serra de Madureira, e deságua em Belford Roxo, também na Baixada, inundou ruas, arrastou veículos e invadiu diversas casas, causando prejuízos econômicos e emocionais para a população. Pelo menos três pessoas morreram em decorrência das inundações em janeiro: Vanderlei Rodrigues Alves, de 53 anos, Elaine Cristina Souza Gomes, de 46 anos e Anderson Genovez de 43 anos.
Dados da Casa Fluminense indicam que 6% da população de Nova Iguaçu reside em áreas de alto risco de inundação, contrastando com os 20% da região metropolitana do Rio. Apesar desse percentual ser inferior ao da metrópole, as chuvas intensas de 2024 resultaram nas três mortes no município mencionadas. Durante o primeiro evento de chuvas em janeiro, a Defesa Civil registrou 173 ocorrências relacionadas a alagamentos e deslizamentos. As chuvas atingiram um volume recorde de 235 mm em um período de 14 horas, o maior desde o início das medições em 2008. O bairro Moquetá foi um dos mais afetados. Além das perdas humanas, as enchentes deixaram centenas de famílias desalojadas. No total, cerca de 115 famílias, aproximadamente 460 pessoas, ficaram sem abrigo em Nova Iguaçu após os desastres.
A cidade está implementando um Plano de Contingência para enfrentar emergências relacionadas a fenômenos hidrológicos. Este plano visa integrar esforços entre diferentes órgãos públicos para mitigar os impactos das chuvas e proteger a população. A Casa Civil do governo estadual chegou a apresentar à União, durante o ano, um projeto para recuperar a Bacia do Rio Botas e Sarapuí, no valor de R$ 733 milhões. Mas até hoje, nada foi feito para evitar que o problema se repita e a chegada do verão acende o alerta para novos riscos, com a possibilidade de temporais.


Localizado na Baixada Fluminense, Nova Iguaçu conta com uma área equivalente a 524 KM² e possui uma população de aproximadamente 819.134 habitantes, de acordo com o Censo do IBGE de 2022, e é o 4° município mais populoso do estado do Rio de Janeiro. Com um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 17.4 bilhões de reais, e um PIB per capita de aproximadamente R$ 20.895,00 o município é considerado um importante centro comercial e financeiro para muitas pessoas.
Apesar do destaque financeiro, Nova Iguaçu é um local que sofre com os efeitos das mudanças climáticas e o racismo ambiental. O termo foi criado em 1980, pelo Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr., na região de Warren, no estado da Carolina do Norte (EUA), em meio a protestos contra o depósito de resíduos tóxicos na região onde a maior parte da população era negra. Esse conceito se refere à desigualdade no acesso de recursos naturais e uma maior exposição aos riscos ambientais, o que impacta as populações marginalizadas, especialmente as comunidades negras e de baixa renda.
Trazendo essa visão para o município, o Secretário de Meio Ambiente, Edgar Martins, faz uma comparação para explicar como o racismo ambiental está ligado a questão de interesse político: “É interessante falar sobre racismo ambiental aqui em Nova Iguaçu, porque por exemplo, nós temos a APA (Área de Proteção Ambiental) do Gericinó Mendanha, criada em 1988, e o Parque Estadual do Gericinó Mendanha, criado em 2013. Em 2008 foi criado o Parque Estadual do Cunhambebe, na Costa Verde, que já teve investimento de mais de R$ 10 milhões de reais, contando com Plano de Manejo, e uma sede administrativa, enquanto no Parque Estadual do Mendanha não recebemos nada. E eu te pergunto, por que será?”.
Edgar também acrescenta o fator dos incêndios ambientais impactar a vida da população em locais de vulnerabilidade: “Os incêndios que acontecem na Serra do Vulcão, por exemplo, em período de seca pioram ainda mais, e com eles vêm as doenças respiratórias em crianças e idosos, fazendo com que eles precisem ir aos hospitais para serem medicados, por causa da má qualidade do ar, que muitas pessoas acham que é só pelo excesso de veículo. Além disso, esse ano batemos recorde em outubro, porque tivemos sete incêndios simultâneos, cada um deles acontecendo em uma Unidade de Conservação diferente. E então eu te pergunto, foi coincidência? Claro que não, foram orquestrados. Todos os incêndios são criminosos, podem acontecer pela especulação imobiliária, renovação de pasto, ou para caça, mas todos os incêndios são criminosos.”
Além de atuar como Secretário de Meio Ambiente no município, ele também é responsável por projetos de fiscalização na região, ajuda a combater os crimes ambientais, possui experiência em recuperação de áreas degradadas, reflorestamento e educação ambiental.
Quais são os problemas ambientais encontrados?
O Estado do Rio de Janeiro conta com oito pontos de monitoramento da qualidade do ar: Bangu, Campo Grande, Centro, Copacabana, Irajá, Pedra de Guaratiba, São Cristóvão e Tijuca. Nenhum deles é na Baixada Fluminense. Essa situação é agravada pelo evento de queimadas que acontecem na região, como relatou Edgar Martins.
Além disso, a densidade demográfica de Nova Iguaçu é de 1.509,60 habitantes por KM². O crescimento populacional junto de uma urbanização desordenada em determinadas regiões pode ter como consequência o assoreamento de corpos hídricos, enchentes recorrentes e o empobrecimento do solo. É o caso do que aconteceu nas margens do Rio Botas. Então para resolver parte desse problema, em 2019 a prefeitura fez um projeto social para realocar cerca de 560 famílias por causa das enchentes que prejudicaram a casa de diversos moradores daquela região. Elas foram direcionadas para os condomínios José Maria Pitella e Santo Antônio, no bairro Cerâmica.
As inundações também são um problema severo que assola a região. Especialista em recursos hídricos, o professor José Paulo Azevedo, do programa de Engenharia da Coppe/UFRJ, alega que as mudanças climáticas têm influência direta nas inundações na Baixada Fluminense. Além disso, ele complementa informando que existe uma combinação de chuvas mais intensas junto da elevação do mar.
Além de todo o problema trazido pelas inundações, o desmatamento contribui para a intensificação dessa problemática. Isso porque a vegetação faz com que o solo consiga reter a água da chuva por mais tempo e diminua a quantidade de sedimentos que são despejados nos rios, e em um lugar com uma grande quantidade de pessoas ocupando espaços de forma descontrolada, pode intensificar ainda mais a diminuição dessa vegetação por causa da construção de propriedades.
A organização Casa Fluminense é responsável por construir de forma coletiva, políticas e ações públicas para diminuir as desigualdades presentes na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e debater sobre a democracia e o desenvolvimento sustentável. Ela também promove um levantamento de dados para um diagnóstico personalizado sobre os cenários das desigualdades presentes nos 22 municípios da metrópole fluminense. Para isso, a Casa Fluminense disponibiliza de forma online e gratuita dados do Mapa da Desigualdade, Painel Climático e o Censo de 2022.
Dados da Casa Fluminense
(clique aqui para ver a planilha elaborada e com metodologia)
Nova Iguaçu | RMRJ | Estado do Rio | |
---|---|---|---|
População Total (Censo IBGE 2022) | 819.134 | 12.022.110 | 16.054.524 |
Pessoas afetadas pelas chuvas (Somatório dos anos de 2021 e 2022, de acordo com a Defesa Civil) | 964.896 | 1.803.994 | 2.228.554 |
Qualidade de rios, baías e lagoas | 64% | 69% | 49% |
Crimes ambientais | 78 | 1.591 | 2.257 |
Unidades de conservação | 15 | 171 | 363 |
Domicílios em áreas de risco alto de inundação | 6% | 20% | – |
Domicílios em áreas de risco alto a deslizamentos | 0,50% | 1,1% | – |
Através dos dados da Casa Fluminense é possível afirmar os desafios que Nova Iguaçu enfrenta em questão da vulnerabilidade ambiental e também social. A quantidade de moradores afetados pelas chuvas nos anos de 2021 e 2022, que somam quase um milhão de pessoas, indica a precariedade das condições dos habitantes e a infraestrutura urbana no município. O que é intensificado considerando que a cidade possui uma alta quantidade de população, ampliando os efeitos relacionados com a crise climática.
O combate ao racismo ambiental
Formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e no curso de Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Lennon Medeiros é Co-fundador e Diretor Executivo da Visão Coop, uma iniciativa que visa conectar comunidades e cientistas com tecnologias para a construção de inteligência coletiva. A organização desenvolveu uma Inteligência Artificial em parceria com a Open AI para monitorar territórios em tempo real, capaz de mapear o local e promover soluções para regeneração de biomas e adaptação climática em periferias.
A Visão Coop também tem o compromisso de criar e compartilhar indicadores de adaptação e protocolos de emergências, em casos de chuvas intensas e queimadas. Exemplo disso foi o mais recente Plano de Adaptação Climática em áreas periféricas, desenvolvido pela organização, em parceria com a organização Coalizão O Clima é de Mudança e outros participantes dessa iniciativa.
Lennon explica sobre a criação do projeto “Território”, ferramenta de Inteligência Artificial à base de georreferenciamento: “O território é uma ferramenta modular para encontrar a necessidade particular de cada região. Ela é uma espécie de planejamento de ação climática como um todo, feita para pensar na questão antes da emergência surgir. Ela nasce de uma tentativa de organizar os trabalhos das brigadas de combate às mudanças climáticas, seja de enchentes ou incêndios. Conforme íamos nos unindo, fomos percebendo que existia um conjunto de saberes, formas que a população tem de reagir a um certo diagnóstico de injustiça climática. Resumindo, quando a gente percebe que temos alguma necessidade relacionada à enchente, a gente começa a inventar ferramentas práticas, táticas e estratégicas para lidar com as crises climáticas nesse território em si.”
Esse projeto foi apresentado em setembro na Serra do Vulcão, em um evento que reuniu diversos profissionais interessados no tema de mudanças climáticas e seus efeitos em populações vulneráveis. Através do conhecimento coletivo das pessoas, essa ferramenta coleta informações sobre o local para produzir uma análise da área e promover soluções para aquele território, Lennon acrescenta: “As queimadas na Serra do Vulcão têm um efeito de empobrecimento intenso para esse solo, além de uma série de deslizamentos por falta de cobertura vegetal. Por isso estamos produzindo um modelo climático para entender qual é a distribuição possível de mudas nesse território com a finalidade de realizar um projeto de aceleração para viveiros e projetos agroecológicos. Então trazemos a inteligência artificial como uma forma de transformar os relatos em fotos e vídeos dos moradores num mapa de vulnerabilidade. Com isso, a galera do EAE e os voluntários, vão conseguir ver o melhor espaço para colocar as bombas de irrigação de mudas, águas de reuso, viveiros agroecológicos e o plantio de novas espécies nativas.”

O Instituto EAE, comentado por Lennon, tem esse nome porque é “Instituto de Educação Ambiental e Ecoturismo”, que nasceu em 2018 através do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), de um dos alunos do Colégio Estadual Presidente Kennedy, em Belford Roxo, e oferece curso técnico de Meio Ambiente.
Rodrigo de Souza foi o responsável por promover a ideia desse projeto, e junto do professor do curso técnico, Alexandre da Costa, conseguiram fazer um teste de aplicabilidade com alguns alunos do ensino médio do colégio. Para a realização, levaram alguns alunos para o Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu, e fizeram dois tipos de abordagens, uma delas era com o intuito de realizar um passeio pela Serra do Vulcão, para mostrar o impacto negativo que o homem causou naquele território, e em outro momento, juntaram cerca de vinte alunos para uma visita ecológica no mesmo local, com objetivo de fazer um plantio com os alunos.
O objetivo desse projeto era fazer um trabalho que tivesse relação com a natureza e impacto social, dessa forma, esses passeios com os alunos eram um “piloto” para o TCC. Com esse piloto foi visto que seria possível tornar o projeto uma realidade. O trabalho foi aprovado pela banca no curso técnico, e como eles já tinham o processo de aplicabilidade junto ao Alex, que era professor do curso, no mesmo ano resolveram fundar o Instituto EAE, e o Rodrigo passou de aluno para integrante da organização, junto com seu professor.
Alexandre da Costa explica que as pessoas antes achavam que o fogo na região era natural, mas após interagir com o local, o pensamento mudou: “Quando as pessoas começaram a interagir, subir a Serra, passaram a entender que o fogo não é natural, mas sim culpa do ser humano, e a partir de então elas têm pensado no que podem fazer para que possa parar o fogo. Hoje o Instituto EAE tem mais de 400 voluntários, contando com dois grupos de WhatsApp, para comunicação e também avisar o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil. Hoje eu costumo dizer que o Instituto é uma tecnologia social.”
Só na região da Serra do Vulcão, os integrantes do Instituto relatam que anualmente existem aproximadamente 25 pontos de queimada. Dados do sistema do 4º Grupamento de Bombeiros Militar (GBM) de Nova Iguaçu revelam que do dia 1 de janeiro até 30 de novembro de 2024, o 4° GBM foi para 567 ocorrências de fogo em vegetação no município de Nova Iguaçu, o que pode ser traduzido em uma média de aproximadamente 52 ocorrências por mês. A maioria desses incêndios, não são naturais, mas sim criminosos, causados pelo ser humano, como revelam as falas de Edgar Martins e Alexandre da Costa.
Outro episódio contado por Rodrigo de Souza e que foi marcante para o Instituto, aconteceu em 2022, quando fizeram o plantio de algumas mudas e houve um incêndio no local: “Fizemos o plantio de mil mudas em comemoração ao Dia da Mata Atlântica no dia 27 de maio de 2022, e quatro dias depois tacaram fogo no local que queimou boa parte dessas mudas. Em resposta, fizemos um novo plantio de 500 mudas na área que foi queimada. E elas seguem fazendo seu papel ecossistêmico, colaborando com a natureza e a sociedade, gerando flor, fruto, purificação do ar e a dispersão de sementes.”
Rodrigo também relata como as pessoas perderam a percepção do que é qualidade de vida: “A gente perdeu a percepção do que é a qualidade de vida. As pessoas acham que é morar perto dos shoppings, estar próximo ao centro, dos comércios, e sabemos que estar perto desses locais significa que a poluição é maior, e prejudica a saúde. Mas o que é mostrado na mídia é que a qualidade de vida está nos centros. Só que as pesquisas mostram que para ter saúde mental e física, é bom estar nos locais mais afastados do centro, com menos população.”
Por fim, Alexandre falou sobre como a ajuda das pessoas tornou possível aumentar o turismo na região, o que favoreceu a economia circular do local: “A Serra era marginal, as pessoas não olhavam pra ela. Hoje tem um monte de pessoas querendo plantar lá, participar da mudança, e com orientação nossa, perguntando o que podem plantar e em qual região. Além disso, ajudou muito a economia circular, antigamente você subia ali e não via uma pessoa vendendo uma bala, hoje você consegue almoço, bebida, lugar para pernoitar, um camping. Então isso tudo veio a partir desse trabalho, pararam de ver a Serra como um lugar marginal e passaram a ver a Serra como ponto turístico.”
