Por Matheus Abreu

Em 2024, o Brasil viveu um ano de perdas e conquistas no cenário cultural. A despedida de nomes icônicos do entretenimento brasileiro, que moldaram gerações e influenciaram a cultura nacional, trouxe uma sensação de vazio e reflexão sobre a importância de preservar e celebrar a memória artística.

Por outro lado, a conquista de um Globo de Ouro por uma produção brasileira reacendeu a esperança e mostrou o poder de nossa arte. Hora de ver onde avançamos e o que construímos nesse baita ano!

2024: um salto na cultura e na arte

O ano começou com o Carnaval, ruas coloridas marcadas por confetes e purpurina. A maior celebração do mundo movimentou R$5 bilhões de reais somente na cidade do Rio de Janeiro. No campeonato das escolas de samba, Mocidade Alegre conquistou o bicampeonato do carnaval de São Paulo com o enredo ‘Brasiléia Desvairada – A busca de Mário de Andrade por um país’ e no carnaval carioca o prêmio ficou com a Unidos do Viradouro, com o enredo ‘Arroboboi, Dangbé’. A escola carioca trouxe para a avenida um desfile sobre Dangbé, uma serpente mística cultuada no Noroeste da África. Arroboboi é uma das formas de saudá-la. A proposta era falar sobre voduns e o candomblé jejê, as guerreiras Minô, e Ludovina Pessoa, que no século XIX fundou terreiros na Bahia, ainda em funcionamento até hoje. O carnaval é uma mega manifestação artística, Thaís Gomes, professora e pesquisadora de escolas de samba, enfatiza a importância cultural e social da festa: “O desfile existe porque as escolas existem e não o contrário, A escola de samba existe porque a sociedade necessitou dela”.

Ainda no começo do ano tivemos a chegada da renomada artista sérvia Marina Abramović no Brasil. Marina é conhecida por performances de tirar o fôlego, que através da linguagem não verbal gera reflexões profundas. A artista teve sua primeira criação inaugurada em solos brasileiros, instalada em espaço ao ar livre e aberto ao público. A obra está exposta na Usina de Arte, em Água Preta, na zona da mata sul de Pernambuco.

Generator, Marina Abramović. – Andréa Rêgo Barros

A obra consiste em um muro de três metros de altura, por dois metros e meio de largura e 25 metros de comprimento e 36 cristais de quartzo rosa. Marina busca através das crenças em pedras energéticas transmitir calma e clareza ao público. Esses conjuntos de pedras foram aplicados na obra em trios de rochas com alturas diferentes, para que o público encoste a cabeça, coração e estômago nas pedras.

Viradouro no Louvre, Widger Frota –  Reprodução/redes sociais

Outro marco significativo para a arte brasileira em 2024 foi a exposição fotográfica do renomado artista Widger Frota, realizada na famosa Divine Academie do Museu do Louvre, em Paris. Frota, conhecido por seu olhar único sobre a cultura brasileira, trouxe para as molduras do Louvre as cores vibrantes da Unidos do Viradouro, escola de samba niteroiense campeã do carnaval carioca. Através de suas lentes, capturou a intensidade, o brilho e a energia do carnaval, levando o público internacional a um mergulho na cultura brasileira.

Ailton Krenak, Indígena, ativista e poeta conquistou em 2024 uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Representando a pluralidade dos povos originários, o autor de títulos memoráveis é o primeiro indígena eleito para ocupar uma cadeira na ABL em mais de 120 anos desde sua fundação. Na cerimônia Krenak recebeu da atriz Fernanda Montenegro o colar de imortal, a espada das mãos do também acadêmico Arnaldo Niskier e o diploma de Antonio Carlos Secchin.

Madonna com a bandeira do Brasil – Reprodução/instagram
Bruno Mars com camisa do Brasil – Reprodução/instagram

Para os amantes da cultura pop, o ano de 2024 foi repleto de atrações. O Brasil foi palco de grandes shows internacionais. Entre eles, estão The Weeknd, em São Paulo e Travis Scott, no Rock in Rio. O festival também foi responsável por trazer outros grandes nomes, como Imagine Dragons, Katy Perry, Mariah Carey, Ne-Yo. Tivemos também uma quase “turnê” do “Brunão do Brasil”, apelido carinhoso atribuído ao cantor norte-americano Bruno Mars, que fez 15 shows espalhados pelo Brasil e divertiu a internet lançando um single – “Bonde do Brunão” – como agradecimento pela estadia no país. Outro show, que fez a praia de Copacabana tremer, foi da diva do pop Madonna. O evento aconteceu no dia 04 de maio e foi gratuito. Nas areias de Copa, Madonna fez a última apresentação da turnê “Celebration”, que comemorou os seus 40 anos de carreira. Ana Beatriz Peixoto, de 21 anos, acompanhou a mãe, Michelle Peixoto, e a avó, Maria Aparecida, ao espetáculo. Juntas, as três gerações celebraram o “amor”, como afirma Ana Beatriz: “Foi mágico! Madonna desperta isso na gente. Essa mulher é de outro mundo, quanto amor nesse momento, estar acompanhada dessas mulheres que me apresentaram à diva do pop e curtir com elas, foi perfeito!” Michelle concorda com a filha: “Fico muito feliz em saber que passei o amor que aprendi com minha mãe para ela, o amor passado em gerações”.

Pabllo Vittar e Madonna no show em Copacabana – Reprodução/Twitter


A artista de 1,61m de altura, mostrou que “tamanho não é documento” e fez uma apresentação que gerou um retorno de R$300 milhões para o Rio de Janeiro, segundo o governo do estado. A artista convidou duas gigantes brasileiras para participar do mega show, Anitta e Pabllo Vittar.

Mas o ano também foi de grandes despedidas. No Brasil demos “adeus” a Silvio Santos, comunicador e fundador do SBT. O apresentador faleceu vítima de broncopneumonia após infecção por influenza A (H1N1). No auge dos seus 93 anos, Silvio marcou a TV brasileira. Outra figura importante que se despediu foi o jornalista Cid Moreira. Aos 97 anos, estava internado no Hospital Santa Teresa, onde vinha tratando uma pneumonia. Cid morreu de falência múltipla de órgãos. Agnaldo Rayol também nos deixou aos 86 anos, em São Paulo. O artista, que marcou décadas com sua voz inconfundível e presença forte, faleceu após uma queda em seu apartamento.

Brasil é cinema

Em 2024, o setor cinematográfico e audiovisual brasileiro deu importantes passos, como a prorrogação até 2029 das ferramentas de incentivo ao setor, atualização do teto da Lei do Audiovisual e continuidade do Regime Especial de Tributação para cinemas. A criação do Plano de Diretrizes e Metas do Audiovisual Brasileiro também foi destaque. Além disso, o fortalecimento das relações internacionais resultou em acordos com a França e coproduções no G20. No campo da preservação, a Cinemateca finalizou o projeto Nitratos e iniciou a recuperação do acervo do Canal 100. A criação da Rede Nacional de Arquivos Audiovisuais e editais para circulação e produção também marcaram o ano. O audiovisual segue como pilar estratégico para o desenvolvimento cultural e econômico do Brasil.

Caju

A cantora brasileira Liniker marcou 2024 com o seu novo álbum, “Caju”. O disco ultrapassou a marca de 200 milhões de plays nas plataformas de áudio e a tornou uma das artistas brasileiras mais premiadas em 2024. Na semana de lançamento, o álbum foi o 6º mais ouvido do Spotify, por exemplo. Por lá, a faixa-título que abre o disco tem mais de 37 milhões de plays. A crítica musical confirma o que os números estrondosos mostram, “Caju” apareceu no topo de listas de melhores discos do ano. A cantora também foi a artista mais premiada da edição de 2024 do Prêmio Multishow, que aconteceu no fim do ano. Na premiação, ela faturou quatro troféus: Álbum do Ano, Capa do Ano, Artista do Ano e MPB do Ano. O talento de Liniker é gigante e representativo para a comunidade LGBTQIAP+.

Capa do álbum “Caju” de Liniker- Reprodução/google

Avançando no legislativo

Entre outubro e novembro, o Ministério da Cultura (MinC) recebeu mais de 8,5 mil propostas de gestores culturais e proponentes por meio da Lei Rouanet – . Com o grande volume de inscrições no último ciclo do programa, encerrado na segunda-feira (12), a Pasta registrou um número recorde de 19.129 propostas culturais em 2024. Esse total representa um aumento de 40,2% em relação ao ano anterior, que havia alcançado a marca histórica de 13.635 submissões. Até o momento, o MinC já aprovou 7.887 propostas no âmbito do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). 

A Lei Rouanet é um mecanismo de incentivo fiscal que permite que produtores culturais, artistas e instituições captem recursos para financiar projetos culturais, como eventos e produções, por meio de patrocínios. Empresas e pessoas físicas que apoiam essas iniciativas podem deduzir parte do valor investido dos impostos que pagariam ao governo. Esse incentivo visa fortalecer a cultura no Brasil e garantir que mais pessoas tenham acesso a atividades culturais.

Totalmente premiado

Capa do filme “Ainda estou aqui” – Reprodução/Google

A adaptação cinematográfica “Ainda estou aqui”, dirigida por Walter Salles e estrelada por Fernanda Torres, Fernanda Montenegro e Selton Mello, foi ovacionada por 10 minutos após a sua exibição no Festival de Veneza 2024. Ainda Estou Aqui se passa  no Brasil de 1971, e mostra um país sob o controle cada vez maior da ditadura militar. Baseado nas memórias de Marcelo Rubens Paiva, o filme vai acompanhar sua mãe, Eunice Paiva, mãe de cinco filhos, que têm seu marido sequestrado pela Polícia Militar e desaparece sob custódia do Estado. O filme vem colecionando um acervo de prêmios, conquistando até hoje: Melhor Roteiro no 81º Festival de Veneza, na Itália; Melhor Atriz em Filme Internacional para Fernanda Torres no Critics Choice Awards, nos Estados Unidos; Melhor Filme na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no Brasil; Melhor Filme no Festival Internacional de Cinema de Vancouver, no Canadá; Melhor Filme no Festival de Cinema de Mill Valley, nos Estados Unidos; Prêmio do Público no Festival De Pessac, na França; Prêmio Danielle Le Roy, eleito pelo Júri Jovem, no Festival De Pessac, na França. No dia 05 de janeiro de 2025 o Brasil vibrou junto a Fernanda Torres na premiação do “Golden Globes”: a atriz levou o grande prêmio da noite “Melhor Atriz de Drama”. Disputando com Nicole Kidman (“Babygirl”), Angelina Jolie (“Maria Callas”), Kate Winslet (“Lee”), Tilda Swinton (“O quarto ao lado”) e Pamela Anderson (“The last showgirl”), a brasileira emocionou a todos ao dedicar o prêmio a sua mãe, Fernanda Montenegro. Montenegro, foi indicada ao mesmo prêmio com o filme “Central do Brasil” , também dirigido por Walter Salles em 1999.

Fernanda Torres no Golden Globes – Robyn Beck / AFP

Nos últimos anos, a cultura brasileira foi marcada por grandes momentos. No final de 2022 e começo de 2023, tivemos a volta pós pandemia, momento em que a cultura esteve “parada”. Os grandes shows foram substituídos por lives assistidas do sofá, o cinema e o teatro ficaram vazios. Os artistas tiveram que fazer uma adequação das performances às infraestruturas remotas e em meio a este caos eles ficaram sem remuneração, diferentes espaços nacionais foram fechados, obrigando os profissionais a se reinventarem diante do esvaziamento de políticas públicas adequadas para o enfrentamento da situação atual. Ainda em 2022, ano eleitoral, tivemos retrocessos quanto à liberdade de expressão, uma decisão do TSE proibiu apoio a candidatos durante shows do festival Lollapalooza, gerando revolta e ação contrária dos artistas. Em 2023 o momento político é outro, tivemos a reestruturação do ministério da cultura – extinto no governo anterior – e a estruturação de leis voltadas para a arte. O Brasil também foi palco de shows internacionais que movimentaram multidões. 

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