Por Anna Victoria Castro
O ano de 2024 foi marcado por um conjunto de desafios e transformações significativas na economia brasileira. Em um cenário de volatilidade política e global, o Brasil procurou implementar reformas estruturais fundamentais, como a reforma tributária – que foi sancionada no dia 16 de janeiro de 2025 pelo presidente Lula – e o novo arcabouço fiscal, que substituiu o antigo Teto de Gastos do governo Temer e entrou em vigor neste ano de 2024. Com as mudanças, espera-se que os novos governos possam estabelecer metas e parâmetros para seus quatro anos, enquanto buscam maior crescimento e flexibilidade na economia. Ao mesmo tempo, o governo lidava com questões econômicas que se arrastam desde anos anteriores, como o crescimento da inflação, que fechou o ano oficialmente com 4,83%, ficando 0,33 pontos percentuais acima da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, impactando diretamente a vida de diversas famílias de classe média e baixa. Além disso, os efeitos devastadores das enchentes do Rio Grande do Sul afetaram muito o setor da agropecuária e da agricultura com perdas na safra de arroz que, mesmo antes das enchentes, vinha sofrendo problemas devido às cheias de 2023. Um acontecimento relevante foi o índice de desemprego que caiu para 6,4% no terceiro trimestre do ano, registrando uma queda histórica, sendo a menor registrada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). Esses eventos, que impactaram diretamente a economia nacional, criaram uma situação complexa e imprevisível, exigindo uma análise detalhada dos principais acontecimentos e seus efeitos sobre a sociedade.
Na esfera política, esse ano foi marcado por uma série de eventos relevantes para o país, começando pelas eleições municipais. O pleito evidenciou tendências importantes para as eleições presidenciais que irão ocorrer em 2026, com o centrão saindo vitorioso e elegendo prefeitos do PSD, MDB e PP. Sem contar o surgimento de figuras como Pablo Marçal e Datena, que geraram polêmicas em debates, e a derrocada dos tucanos do PSDB que não conseguiram eleger nenhum prefeito nas capitais. Além disso, em 2024, o Brasil sediou a cúpula do G20, palco de importantes decisões ambientais, políticas e econômicas tanto no cenário mundial quanto no nacional, como a redistribuição de recursos para o combate à pobreza e à desigualdade, e o fortalecimento de acordos internacionais sobre a proteção da Amazônia. Outro ponto a se destacar foi a suspensão do antigo twitter, atual X, rede que foi comprada pelo empresário norte americano Elon Musk. Essa suspensão se deu a partir de uma decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, em decorrência do descumprimento da ordem de nomear um representante legal da rede no Brasil e do não pagamento de multas aplicadas ao aplicativo pelo Supremo.
Esse ano as tensões políticas se intensificaram quando vieram a público informações ligando membros da cúpula militar à tentativa arquitetada por figuras próximas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, culminando com a prisão do ex-ministro da defesa de Bolsonaro, o general Braga Netto, que ainda permanece preso na Primeira Divisão de Exército, no Rio de Janeiro. O documento intitulado “Planejamento- Punhal Verde Amarelo” foi apontado pela PF como um planejamento de sequestro e homicídio de Alexandre de Moraes, Lula e Geraldo Alckmin. Outro episódio que simbolizou uma ameaça à ordem democrática foi o atentado à Estátua da Justiça, na Praça dos Três Poderes. Um homem-bomba tentou queimar a obra em um ato simbólico de descontentamento com o governo e com as ordens do Supremo.
Os altos e baixos da economia brasileira

As Reformas Estruturais de Lula
Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse em 2023, uma de suas principais promessas era continuar com a implementação de uma Reforma Tributária no país, tendo em vista que durante o governo Bolsonaro essa discussão não foi para frente. No dia 17 de dezembro de 2024, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei complementar que regula a Reforma Tributária e encaminhou para sanção presidencial. Até então, segundo uma pesquisa do Doing Business, o sistema tributário brasileiro era considerado um dos piores do mundo. Com a alta quantidade de impostos a pagar – três federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS) – e a lógica da cumulatividade, o sistema contribuia para impedir o desenvolvimento econômico do país. Com a reforma foram criados três novos impostos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), que serão testados em 2026, e o Imposto Seletivo (IS) que entrará em vigor em 2027 – uma forma de simplificar o sistema tributário.
Essa nova organização se baseia em um modelo adotado em diversos países com a adoção de um IVA, ou seja, um Imposto sobre Valor Agregado, em que diversos impostos são unificados. O Brasil pretende adotar esse modelo de forma dual substituindo o PIS, Cofins e IPI pela CBS, e o IBS, cobrado no lugar do ICMS e ISS. Além disso, o IS, conhecido como Imposto do Pecado, é um novo tributo criado para taxar produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, objetivando desestimular o consumo. Esse imposto irá substituir parte da arrecadação do IPI.
Outra importante mudança foi a implementação do novo arcabouço fiscal, aprovado em 2023, que entrou para substituir o Teto de Gastos criado no governo Temer. Dessa forma, o governo visa implementar um regime fiscal sustentável concentrado no equilíbrio das despesas e arrecadações e garantir o financiamento de serviços públicos. Na prática, as despesas no novo arcabouço só podem crescer 70% da variação real das receitas, com limites de 0,6% a 2,5% ao ano.
Os impactos econômicos de uma tragédia climática
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é um indicador que estipula as metas de inflação. No ano de 2024, esse medidor apontou que a inflação ultrapassou a meta estabelecida em 3% e chegou a 4,83%. Um comunicado oficial divulgado pelo Banco Central, no dia 10 de janeiro de 2025, afirma que a alta do dólar e das commodities e o aquecimento da economia explicam a maior parte desse aumento. Segundo o IBGE, a maior alta no ramo alimentício foi das carnes, com os cortes ficando 20,84% mais caros, o que representa peso de 0,52 pontos percentuais. Isso pode ser explicado pelas alterações climáticas, como as enchentes do Rio Grande do Sul e os incêndios no Sudeste.
Os desastres climáticos no estado geraram impactos diretos na economia, principalmente no setor da agropecuária. Segundo a Confederação Nacional de Municípios, os danos já chegaram a 61 milhões. Além disso, as enchentes começaram no mês da colheita da safra de arroz. A estimativa é de que cerca de 114 mil toneladas tenham sido perdidas. Fora as perdas na economia, essa tragédia resultou em inúmeras mortes. No dia 9 de agosto de 2024, a Defesa Civil do Rio Grande do Sul confirmou 183 mortos e 27 desaparecidos. Maria Alice Becker, estudante gaúcha de 17 anos, antiga residente do município de Canoas, foi mais uma das vítimas desse desastre. Ela e sua família foram obrigados a deixar a casa para viver temporariamente em um abrigo, uma mudança imensa em sua vida “ Tivemos que sair correndo de casa, com poucas roupas em uma mochila. A água não parava de subir, foi desesperador”. Hoje, ela e a família se mudaram para o Paraná.
Desemprego em queda
De acordo com a Pnad contínua, no terceiro trimestre de 2024 a taxa de desemprego caiu para 6,4%. Muito disso pode ser explicado pelo aumento do número de trabalhadores, que cresceu 1,2% em relação aos outros trimestres. Segundo o IBGE, a indústria e o comércio foram as atividades que mais puxaram o aumento da ocupação no trimestre, atraindo 709 mil trabalhadores em comparação ao trimestre anterior . Além disso, a quantidade de pessoas no comércio foi recorde, chegando a 19,6 milhões de trabalhadores. Toacles Santos Júnior, é um dos brasileiros que conseguiram emprego no ano de 2024. Depois de 10 anos sem ter a carteira de trabalho assinada, Júnior conseguiu uma vaga de atendente na Casa e Vídeo. Ele conta que a oportunidade foi muito oportuna e, graças a ela, ele está conseguindo acertar as contas e dívidas que fez ao longo desses anos.
A política brasileira em xeque
As eleições
As eleições municipais de 2024 foram essenciais para entender a atual situação da política brasileira. Com o PSD elegendo 885 prefeitos, o MDB com 853 e o PP com 746 prefeitos eleitos, o centrão se mostrou o grande vitorioso dessas eleições. O Partido Social Democrático, de Gilberto Kassab, irá gerir o maior número de capitais, cinco ao todo: Florianópolis, com Topázio Neto; Rio de Janeiro, com Eduardo Paes; São Luís, com Eduardo Braide; Curitiba, com Eduardo Pimentel e Belo Horizonte, com Fuad Noman. O Partido Liberal (PL) de Bolsonaro, elegeu quatro prefeitos em capitais: Aracaju, com Emília Corrêa; Cuiabá, com Abilio Brunini; Maceió, com JHC, e Rio Branco, com Tião Bocalom. Já o Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula só saiu vitorioso em uma capital: Fortaleza, com Evandro Leitão. Enquanto o PL aumentou em 50% o número de prefeituras conquistadas, o PT conseguiu melhorar apenas 38% em comparação com 2020, evidenciando o declínio que o partido sofre desde os desdobramentos do impeachment de Dilma em 2016.
O Estado de São Paulo deu muito o que falar nessas eleições com a disputa entre Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB), com Nunes ganhando com 60% dos votos contra Boulos. E com o surgimento do ex-coach Pablo Marçal (PRTB) que causou polêmicas com suas declarações e teve sua conta no Instagram suspensa, no dia 04 de outubro, após publicar um suposto laudo que dizia que Boulos tinha procurado ajuda médica após consumir cocaína. Ele protagonizou também o debate da TV Cultura quando recebeu uma “cadeirada” do candidato do PSDB José Luiz Datena.
Outro ponto relevante foi a derrocada do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Os tucanos, que mantiveram por muitos anos a hegemonia do governo de São Paulo, com José Serra, João Doria e Bruno Covas, não conseguiram eleger nenhum prefeito de capitais.
Os desdobramentos do G20
O Brasil assumiu, pela primeira vez, a presidência da cúpula do G20, que ocorreu nos dias 18 e 19 de novembro de 2024. O Rio de Janeiro foi palco de grandes discussões entre as mais de 80 nações presentes acerca de economia, paz mundial, preservação do meio ambiente e taxação de grandes fortunas. A declaração final publicada no dia 18 de novembro, traz 85 pontos acerca das prioridades da presidência do Brasil à frente do grupo e reconhece a desigualdade entre os países. O documento condena ataques contra civis e enfatiza a necessidade de promover a paz entre Rússia e Ucrânia, sublinhando a necessidade de diálogo para solucionar o conflito. Aponta também a necessidade de implementação dos resultados da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas em Dubai e a urgência de diminuir as emissões dos gases de efeito estufa. Além disso, o documento também reforça o lançamento da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, proposta pelo Brasil, a promoção da igualdade racial, o acesso à água potável e saneamento básico.
Suspensão do Twitter e a democracia em risco
No dia 30 de setembro, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a suspensão do aplicativo X após a rede fechar sua sede no Brasil e se recusar a cumprir a determinação de retirar do ar perfis de investigados com mensagens antidemocráticas. Ao todo, a rede ficou suspensa por 40 dias no Brasil, voltando a funcionar somente depois que seu dono, Elon Musk, pagou o valor de 28,6 milhões e, nomeou a advogada Rachel de Oliveira Villa Nova como representante legal da rede e bloqueou os perfis indicados. Das contas suspensas aparecem Allan dos Santos, fundador do portal Terça Livre e alvo de inquéritos no STF sobre milícias digitais e propagação de desinformação, e do podcaster Bruno Aiub, conhecido como Monark, que. mais de uma vez, usou das redes para fazer apologia ao nazismo e defender grupos de extrema direita.
Essa decisão causou reações adversas na população. De um lado, alguns simpatizantes da direita, acreditavam que a decisão de Moraes era uma clara forma de suspensão da liberdade de expressão. Isso é o que pensa Carlos Mário, coronel aposentado de 57 anos, que defende que a decisão foi um equívoco e mais uma tentativa esquerdista de silenciar a direita brasileira. Ao contrário dele, Gabriela Amaral, estudante de produção cultural de 25 anos, defende que a decisão foi correta: “Grandes bilionários como Musk acreditam que podem fazer o que quiserem e desrespeitar os limites impostos pelos países. Por mais que eu, como jovem, faça muito uso da rede, entendo a importância da decisão”.
Além disso, no final de 2024, foi descoberto um plano de um golpe que seria dado pelo general Braga Netto, Bolsonaro, Mauro Cid e outros apoiadores do antigo governo. O plano intitulado Punhal Verde Amarelo, criado pelo General Mário Fernandes, visava matar o presidente Lula, seu vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes. Mesmo sendo descoberto apenas em 2024, o plano teve início há muito mais tempo, no período das eleições de 2022. Após a vitória de Lula no dia 30 de outubro de 2022, manifestantes bolsonaristas começaram a acampar na frente de quartéis do Exército pelo país. Em uma conversa entre o tenente-coronel Rafael Martins e Mauro Cid, no dia 11 de novembro de 2022, Cid pede a Martins que estimasse os custos de levar pessoas para participarem de manifestações em Brasília. Quase um mês depois, no dia 9 de dezembro, Bolsonaro faz a primeira fala a seus apoiadores desde a derrota nas eleições. Nesse mesmo dia, ele recebe do seu então assessor Filipe Martins a minuta do golpe que previa a prisão de Moraes e a realização de novas eleições, já que, para ele, o processo eleitoral agiu em favor de Lula. No dia 15 de dezembro, seis pessoas que planejavam assassinar Alexandre de Moraes se posicionam em diversos pontos de Brasília. A ação foi planejada para ocorrer nesse dia e no dia seguinte seria criado um gabinete de crise comandado pelos generais Augusto Heleno e Braga Netto. Entretanto, a tentativa não deu certo, porque no mesmo dia a sessão de julgamentos do STF acabou mais cedo. Depois da posse de Lula, no dia 1 de janeiro de 2023, golpistas invadiram e destrouíram as sedes dos Três Poderes em Brasília, no dia 8 de janeiro, protagonizando um ataque sem precedentes à democracia do Brasil.
A Praça dos Três Poderes foi símbolo de mais um ataque ao estado democrático de direito, quando Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, detonou explosivos em frente ao Supremo Tribunal Federal, no dia 13 de novembro de 2024. O autor do atentado foi candidato a vereador pelo PL no Rio Grande do Sul, em 2020, e atirou um explosivo em direção à estátua “A Justiça” e mais dois em direção ao STF, e em seguida acionou mais um explosivo e colocou-o atrás da cabeça, ato que causou sua morte.