Por Sofia Tarré
O ano de 2024 foi marcado por importantes acontecimentos e conquistas, no setor da saúde. Com um aumento de 400% no número de casos de dengue em comparação com o ano de 2023, o Brasil bateu recorde histórico, com 6,6 milhões de casos registrados. Outro recortde, nesse caso positivo foi o maior número de transplantes de órgão em 10 anos. Por outro lado, descobrimos que pacientes transplantados receberam órgãos infectados pelo HIV no Rio de Janeiro. O Brasil ainda saiu da lista dos 20 países com mais crianças não imunizadas e voltou a ser certificado como livre do sarampo e teve o menor registro de mortalidade por AIDS desde 2013, além de ter atingido a menor mortalidade por AIDS nos últimos 10 anos. Mas o ano também exigiu mais investimentos no setor. Para atender as redes de saúde pública no Rio Grande do Sul – estado que foi afetado poralvo de grandes enchentes que afetaram, aproximadamente, 95% das cidades gaúchas – foram destinados R$202,2 milhões em recuperação e manutenção de postos, clínicas e hospitais.

Ajuda ao sistema de saúde público no Rio Grande do Sul
A ministra da saúde, Nísia Trindade, realizou uma declaração no dia 21 de maio anunciando que mais de R$202,2 milhões seriam destinados ao Rio Grande do Sul. Desse valor, R$135,9 milhões serão utilizados para a reconstrução e manutenção do Sistema Único de Saúde (SUS) das cidades gaúchas atingidas. A ministra ainda afirma que outros R$66,3 milhões serão voltados para ações emergenciais e R$56,6 milhões terão como destino o Estado, para o enfrentamento de síndromes respiratórias agudas graves.
As cheias que atingiram o estado, segundo dados da Fiocruz, afetaram mais de 3 mil estabelecimentos de saúde. Entre o número estão considerados hospitais, postos de saúde, farmácias e clínicas particulares. A Secretaria Estadual da Saúde (SES) calcula danos estruturais em 163 unidades básicas de saúde (UBSs), 9 hospitais, 3 pronto-socorros, 5 unidades de pronto atendimento (UPAs) e 14 farmácias.

As enchentes tiveram início por conta de fortes chuvas que começaram a atingir o estado no final do mês de abril, prolongando-se até maio. De acordo com o INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – as chuvas foram causadas por efeito do El Niño, mas segundo especialistas, o evento natural, que deixou milhares de famílias desabrigadas de um dia para o outro, também pode ser consequência dos efeitos das mudanças climáticas que o mundo vem observando nos últimos anos.
De acordo com os últimos dados divulgados pela Defesa Civil gaúcha, o número de feridos ultrapassou 806. Já o número de vítimas fatais, nas 471 cidades gaúchas atingidas pelas tempestades, alcançou 183, com 27 desaparecidos e mais de 600 mil pessoas que tiveram que deixar suas casas.
A calamidade registrada por todo o estado pegou muitos moradores de surpresa, Helena Soares conta que teve que deixar sua casa às pressas após o começo das chuvas e que durante o processo de evacuação contraiu leptospirose. “Eu só fui começar a apresentar os sintomas sete dias depois, quando já estava no Rio sendo abrigada pelos meus familiares. E quando comentei da situação com um vizinho, que ainda estava na cidade, ele disse que tive sorte, porque a maior parte dos hospitais que estavam funcionando não estavam conseguindo suprir as demandas”.
Dengue: o recorde de casos confirmados no ano
Desde o início do ano já era possível notar o aumento no número de casos de dengue se manifestando no país. Com a alta da doença, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, o ano de 2024 se tornou o recordista em toda a série histórica, totalizando 6.649.338 casos e 6.016 mortes, além de 913 óbitos em investigação, segundo dados do Ministério da Saúde até 28 de dezembro.

E após ver o crescimento da dengue em 2024 o governo federal reagiu e antecipou as ações de prevenção à doença para 2025. Segundo dados do Gov.br, em setembro foi lançado um plano de ação com o investimento de R$ 1 bilhão para a redução dos impactos das arboviroses, além de um dia D de mobilização contra a dengue, uma iniciativa nacional que une governo federal, estados, municípios e a população no controle da doença.
A vacina contra a dengue, Qdenga, produzida pelo laboratório japonês Takeda Pharma e aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), começou a ser distribuída no país em fevereiro de 2024.
Por causa da capacidade limitada do fabricante, a quantidade de doses adquiridas pelo governo brasileiro precisou ser restrita ao público-alvo de crianças de 10 a 14 anos, faixa etária que concentra o maior número de hospitalizações por dengue, depois de pessoas idosas, grupo para o qual a vacina não foi liberada pela Anvisa.
A presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, SBIm, Mônica Levi, destaca que o Brasil foi o primeiro país a oferecer a vacina contra a dengue na rede pública. No entanto, lamenta o que classifica como “baixa procura”.
Segundo o médico infectologista do Hospital Azevedo Lima, Alexandre Dias, o aumento das temperaturas de forma precoce, devido às mudanças climáticas, e a alta pluviosidade registrada, principalmente nos primeiros meses do ano, contribui para a reprodução do mosquito. “Locais com água parada, muitas vezes surgidos a partir das chuvas de verão, têm piorado a situação. As temperaturas elevadas e a formação de água parada otimizam a eclosão dos ovos, aumentando a reprodução e acelerando o ciclo de vida do mosquito”.
Apesar da situação ter melhorado no segundo semestre, estados como o Acre entraram em situação de emergência por conta da doença. Já na cidade de Niterói, Rio de Janeiro, a solução encontrada pelo governo foi a criação do método Wolbachia. Nesse projeto, mosquitos Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia foram liberados em diferentes bairros da cidade. O mosquito, que possui rápido processo de desenvolvimento, tem sua capacidade de transmissão de dengue, zika e outras doenças, reduzida por conta da bactéria.
Mesmo com a medida que tem diminuído a quantidade de casos, Alexandre afirma que o número de vacinados na cidade ainda é baixo. E o médico ainda adverte que é importante eliminar água parada armazenada que podem se tornar criadouro.
Transplantes de órgãos
Durante o primeiro semestre de 2024, 14.352 transplantes foram realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), batendo um novo recorde ao comparar o número aos 13,9 mil transplantes realizados no mesmo período no ano de 2023. Os órgãos mais doados foram os rins, fígado, coração, pâncreas e pulmão, além dos tecidos: córnea e medula óssea.

Até julho do ano passado, o Ministério da Saúde tinha investido R$ 718 milhões para custeio do SUS em procedimentos de doação e transplantes financiados pelo Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC), em comparação com o valor de R$1,3 bilhões repassados no ano de 2023.
No Brasil, o número de pessoas que já realizaram um transplante fígado ultrapassa os 20.530, e esse é justamente o caso de Camila Ferreira. Camila que apresentava um quadro de hepatite B ficou quase 10 meses na fila por um novo fígado, até que em agosto de 2024 esse dia chegou. “Me sinto muito feliz e revitalizada. Agora o tratamento continua, mas se não fosse o SUS eu não estaria aqui. É claro que é um processo longo e agoniante, mas as coisas parecem ter melhorado nos últimos anos, e o resultado faz valer a espera”.
Em contrapartida, a área de transplantes foi marcada por um escândalo já no final do ano. No Rio de Janeiro, seis pacientes transplantados testaram positivo para HIV após receberem órgãos infectados. O caso, que continua sendo apurado pelo Ministério da Saúde em conjunto com a polícia civil e outras organizações, é inédito na história do serviço de transplantes da cidade carioca, que há 19 anos já salvou mais de 16 mil pessoas. Segundo o governo do Rio de Janeiro, o erro ocorreu em 2 exames do PCS Lab Saleme, unidade privada contratada pela SES-RJ em dezembro de 2023.
Em investigação, a Anvisa descobriu que a PCS não oferecia kits para a realização dos exames de sangue e nem apresentou documentos comprovando a compra dos itens, o que levou à suspeita de que os resultados tenham sido forjados, devido à impossibilidade de realizar os testes. A Coordenação Estadual de Transplantes e a Vigilância Sanitária Estadual interditaram o laboratório e a 5ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde da Capital abriu, um inquérito para investigar as irregularidades.
Menor mortalidade por AIDS e certificado de país livre do sarampo

O Brasil registrou no último ano a menor mortalidade por Aids nos últimos 10 anos, segundo boletim epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde. Apesar disso, houve um aumento de 4,5% no número de casos positivos para HIV em comparação com 2022.
Nos casos de Aids, a mortalidade teve uma queda de 32,9% em relação a 2013. Em 2013 havia 5,7 mortes por 100 mil habitantes em comparação com os 3,9 registrados no ano retrasado. Já o número de pessoas que testaram positivo para o HIV chegou a 46.495 novos casos, um aumento de 2,5% do valor registrado em 2022.
O Ministério da Saúde mostrou que o perfil das pessoas infectadas: 70,7% são pessoas do sexo masculino, 63,2% são pessoas pretas e pardas, e 53,6% são homens que fazem sexo com homens. Já a faixa etária mais afetada foram pessoas de 20 até 29 anos, que representaram 35,1% dos casos. Dentro dessa faixa etária as pessoas do sexo masculino representam 41% dos diagnósticos.
O Ministério da Saúde atribuiu o aumento de casos registrados à maior capacidade de diagnóstico dos serviços de saúde no Brasil. Também foi atribuída à ampliação do acesso à Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e o fato de ser uma das formas de prevenir o HIV, o aumento da capacidade de diagnóstico.
Em contrapartida, em novembro do ano passado, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) entregou ao Ministério da Saúde a certificação de eliminação do sarampo, rubéola e Síndrome da Rubéola Congênita (SRC).
O país já havia sido classificado como zona livre do sarampo em 2016. No entanto, acabou perdendo o certificado em 2019 após surtos da doença.
Em junho, o Brasil completou dois anos sem casos com transmissão em território nacional de sarampo. O último foi confirmado em 5 de junho de 2022, no Amapá, sendo que todos os registros da doença foram de indivíduos que vieram do exterior. Assim, o país foi oficialmente classificado como zona livre do sarampo.
O sarampo é uma doença extremamente contagiosa e grave, que pode ser evitada por vacina. Estima-se que uma pessoa infectada possa contaminar de 12 a 18 pessoas. A transmissão ocorre por meio das secreções do nariz e da boca expelidas ao tossir, respirar ou falar.