Por Laura Furtado

Se você é jovem e está presente nas principais plataformas digitais, como Instagram e Tiktok, provavelmente já viu vídeos de pessoas correndo pelas ruas, na esteira e em competições, compartilhando treinos, conquistas e rotinas de autocuidado. De 2020 para cá, especialmente no cenário pós-pandêmico, um movimento crescente tomou as ruas, parques e redes sociais: cada vez mais jovens estão calçando tênis e aderindo à corrida como esporte, estilo de vida e forma de expressão.

A chamada running era (ou era da corrida) chegou com fôlego de maratonista. De acordo com dados da Associação Brasileira de Corridas de Rua (ABCR), o Brasil já ultrapassa a marca de 13 milhões de praticantes da modalidade, número que vem sendo impulsionado especialmente pela geração mais jovem, conectada e em busca de saúde, propósito e pertencimento. 

Por trás desse movimento que se transformou em um verdadeiro fenômeno social e cultural, há muito mais do que suor e quilômetros percorridos: a corrida virou símbolo de superação pessoal, uma válvula de escape para a saúde mental e um elo entre pessoas, reais ou virtuais.

Por que os jovens estão aderindo a corrida como esporte? 

Maratona da cidade do Rio de Janeiro 2015
Reprodução / Pixabay

 A running era: entenda o termo e quando a corrida virou símbolo de liberdade

O termo running era, cada vez mais popular nas redes, começou a circular logo após o auge da pandemia da Covid-19. Com academias fechadas, esportes coletivos suspensos e a busca por saúde mental em alta, correr ao ar livre tornou-se uma das poucas alternativas seguras e acessíveis para se manter ativo durante o isolamento. A corrida passou a simbolizar não só um cuidado com o corpo, mas também uma forma de reencontro consigo mesmo.

Foi nesse contexto que o publicitário Gabriel Matias, de 27 anos, deu seus primeiros passos como corredor. “Comecei a correr em meados de 2021. Era uma das poucas atividades que dava pra fazer na pandemia, ao ar livre, então foi uma forma de cuidar da saúde e se distrair naquele momento”, relembra. O mesmo sentimento é compartilhado pela estudante de nutrição Cecília Braconi, de 24 anos, que hoje compartilha sua rotina de treinos nas redes sociais. Ela começou a correr sozinha, de manhã cedo, quando as ruas ainda estavam vazias, e acabou se apaixonando pelo esporte. O que começou como uma alternativa durante o isolamento acabou virando uma tendência que, mais do que modismo, parece ter vindo para ficar.

Simples, democrática e viciante?  

Um dos fatores que explicam o grande sucesso da corrida entre os jovens é a praticidade. Ao contrário de esportes que exigem equipamentos de treino, espaços específicos ou equipes, correr pode ser feito em praticamente qualquer lugar: na rua, no parque, na esteira, sozinho ou em grupo. Basta um par de tênis, e, claro, muita disposição. 

Segundo o preparador físico especializado em corrida, Sandro Migueres, o perfil dos novos corredores que chegam para acompanhamento é majoritariamente formado por adultos entre 21 e 40 anos, com destaque para as mulheres, que representam cerca de 80% dos seus alunos. “Eles procuram na corrida uma forma de melhorar o condicionamento, aliviar o estresse do dia a dia e encontrar uma atividade que se encaixe na rotina corrida que muitos levam”, explica.

A corrida tem atraído especialmente quem busca autonomia para treinar quando e onde quiser, sem depender de horários fixos ou academias. Além disso, oferece resultados visíveis não apenas no corpo, mas também na mente: uma combinação cada vez mais valorizada por essa nova geração de praticantes. 

Gabriel Matias participando da Maratona do Rio Oficial
Reprodução / @ga_matias

Mas essa busca por liberdade física e emocional não surgiu agora e do nada: ela tem raízes profundas na experiência pandêmica. Para o psiquiatra Almir Marcelo Santos, a corrida virou um reflexo do desejo de respirar, no sentido mais literal e simbólico possível. “Durante a pandemia houve forte restrição ao deslocamento e isso incluiu as atividades esportivas. O tempo de tela e o sedentarismo aumentaram. Aumentaram também as queixas emocionais e o sentimento de frustração existencial. Foi um tempo de grande dificuldade para respirar — e aqui falo em todos os sentidos. O sintoma principal da Covid-19 foi a falta de ar, mas ficar confinado também gera uma sensação de sufocamento, de uma vida restrita em meio a relações sufocadas”, explica.

É nesse contexto que histórias como a de Gabriel Matias e Cecília Braconi ganham força. Ele começou a correr em 2021, buscando justamente um alívio ao confinamento, enquanto a estudante Cecília Braconi encontrou na corrida uma forma de continuar se exercitando, mas sem se colocar em risco diante do vírus da Covid-19.

Para Almir, essa retomada do corpo em movimento simboliza mais do que um retorno à rotina: é uma reconexão com a própria vida. “Percebemos que o nosso autocuidado inclui cuidar desse corpo que respira, que se inspira em ideais, que expira desejos de se sentir valioso. Um dos maiores ganhos pós-pandemia foi essa percepção de que a atividade física não é apenas um exercício, mas uma forma de se relacionar com a vida de modo integral”.

Corrida, conexão e pertencimento

Se antes correr era uma atividade solitária, hoje ela se transformou também em um elo social. O crescimento das comunidades digitais — como grupos de corrida e perfis no Instagram — fez do esporte um espaço de troca, pertencimento e motivação coletiva. Compartilhar tempos, trajetos, playlists e até a dificuldade em sair da cama virou parte da experiência.

A estudante Cecília Braconi é um exemplo claro de como a corrida e as redes sociais caminham juntas. Ela começou a compartilhar seus treinos no Instagram de forma despretensiosa, mas logo percebeu o impacto disso. “Essa modinha da corrida no Instagram acabou me motivando ainda mais. Eu já corria com frequência, mas ver tanta gente postando, querendo fazer parte do hype, me incentivou a continuar. Como também compartilho conteúdo por lá, a corrida passou a fazer parte da minha rotina online. E essa interação com outras pessoas me motiva muito. As redes sociais têm um papel forte na criação de comunidades entre corredores. Vejo muita gente criando perfis de grupos de corrida, e isso ajuda a fortalecer as conexões e motiva ainda mais quem está começando”, explica.

Cecilia Braconi treinando na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro
Reprodução / @cecilia_braconi

Gabriel Matias também destaca o papel das redes sociais na construção dessa nova comunidade de corredores. “No começo, me ajudou bastante pra ter referência do que comprar, qual marca era boa, que produto tinha um melhor custo-benefício. Principalmente porque eu tinha poucos familiares ou amigos que já corriam”, conta. Com o tempo, ele percebeu que o fenômeno ganhou força. “Acho que a comunidade sempre existiu, mas é notável o quanto ela cresceu nos últimos três ou quatro anos. As redes conectaram pessoas que não se conheciam, principalmente rompendo barreiras geográficas e geracionais”.

Para o psiquiatra Almir Marcelo Santos, esse senso de pertencimento tem uma explicação mais profunda. Ele afirma que a necessidade de apego é algo inato ao ser humano e todos anseiam por pertencer a algo ou alguém. “A minha percepção de pessoa só se constrói positivamente na relação com o outro. Mas não podemos esquecer que não basta estar conectado à internet para que haja uma relação solidária.”

Almir comenta sobre um ensaio do historiador Georges Minois, “A história da solidão e dos solitários”, que reflete sobre o paradoxo das relações contemporâneas: “Hoje somos um bilhão de pessoas conectadas, mas solitárias.” De acordo com Almir Marcelo, ele resume em poucas palavras o sentimento de isolamento na era digital: “Precisamos de amizades verdadeiras, e os amigos verdadeiros se acolhem, se compreendem, não se julgam e não se comparam.”

Essa nova cultura de corrida reflete também o espírito do mundo pós-pandêmico: uma resposta ao confinamento, um escape para o estresse, uma forma de autocuidado que une performance, saúde mental e conexão com o outro. 

Entenda quais são os impactos físicos e mentais da corrida na rotina

Mais do que uma atividade física, a corrida tornou-se um verdadeiro pilar de autocuidado na vida de muitos jovens. Os benefícios vão muito além da melhora no condicionamento físico: ela também influencia diretamente a saúde mental e emocional de quem a pratica.

Segundo o preparador físico Sandro Migueres, os efeitos positivos da corrida se manifestam de diversas formas. “Existem vários benefícios associados. É sabido que a corrida melhora a cognição, estimula a memória e a concentração. Além disso, o ambiente onde geralmente se corre, como parques, ruas, espaços abertos, é muito favorável para quem está enfrentando quadros de depressão. Sem falar que a corrida, especialmente quando feita em grupo, também contribui para criar laços sociais e amizades”, destaca.

Do ponto de vista da saúde mental, o impacto é igualmente expressivo. O psiquiatra Almir Marcelo Santos explica que a prática regular da corrida estimula a liberação de neurotransmissores como serotonina, dopamina e endorfina, substâncias responsáveis por promover sensações de prazer, relaxamento e felicidade. “Isso ajuda a diminuir o estresse, a ansiedade e a depressão. Melhora o humor, fortalece a autoestima e dá uma sensação de conquista, porque permite ao jovem alcançar um propósito. Afinal, toda linha de chegada é uma meta bem-sucedida, não importa a sua colocação ou mesmo se você corre sem competir”, afirma.

A estudante Cecília Braconi se beneficia desses impactos. Para ela, correr tem um papel fundamental na forma como lida com suas emoções e com a própria imagem. “Correr tem muito impacto na minha saúde mental e na forma como eu me enxergo. Me ajuda muito com autoestima, segurança e autoconfiança. Eu me sinto forte, sabe? Além dos benefícios físicos, tipo o cardio e a saúde do coração, tem esse efeito emocional que é muito importante. Me ajuda a ver que sou capaz de superar limites, do corpo e da mente. Me sinto muito forte e capaz quando termino um treino. Estou sempre superando minhas expectativas e isso me faz muito bem”, conta.

Cecilia Braconi e Gabriel Matias treinando

Ao unir corpo, mente e propósito, a corrida vem se consolidando como uma escolha de autocuidado, uma ferramenta acessível que transforma não apenas o físico, mas também a forma como cada um se relaciona consigo e com o mundo ao redor.

Confira quais são os principais cuidados para uma prática segura e saudável

Começar a correr pode parecer algo simples, mas praticar a atividade de forma segura exige atenção, paciência e respeito ao corpo. Segundo o preparador físico e treinador de corrida Sandro Guimarães, um dos erros mais comuns de quem começa por conta própria é a afobação. “Muita gente quer correr distâncias cada vez maiores sem ter o condicionamento necessário. Isso aumenta o risco de lesões. Outro erro é não respeitar os intervalos de descanso entre os treinos, o que compromete a recuperação e o rendimento”, alerta.

Sandro também chama atenção para cuidados essenciais: “É importante se hidratar bem, se alimentar corretamente, tanto no dia anterior quanto no dia da corrida, e buscar um tênis que seja confortável para o seu jeito de correr. Não precisa se apegar a essa ideia de ‘tipo de pisada’. Além disso, alongamentos e exercícios de fortalecimento ajudam a prevenir lesões e melhorar o desempenho.”

É importante tomar alguns cuidados básicos na prática da corrida
Reprodução / Pixabay

Além do preparo físico, correr também exige maturidade emocional, especialmente em tempos de redes sociais, onde há uma constante comparação com os outros. Para o psiquiatra Almir Marcelo Santos, é preciso filtrar o que se consome online. “As redes sociais são vitrines existenciais que mostram apenas o que se quer mostrar. “

Quem vive a corrida no dia a dia também tem conselhos importantes para quem está começando. Gabriel, por exemplo, destaca a importância da persistência: “O começo é difícil, mas a corrida é mais sobre paciência do que talento. Celebre cada conquista, mesmo as pequenas. E procure orientação profissional. Não precisa gastar muito, as informações estão aí, é só saber buscar com calma”. Ele também faz questão de promover uma mensagem mais inclusiva sobre o esporte. “Na corrida, existem muitos objetivos diferentes. Ninguém é mais corredor do que ninguém. A evolução é um processo individual. Tento mostrar isso sempre nas redes sociais”.

A estudante Cecília Braconi reforça a ideia de começar aos poucos, sem metas grandiosas. “Vai um pouquinho por dia, sem pressão. No início precisa insistir um pouco, como tudo na vida. Depois, os benefícios aparecem e você acaba se apaixonando. E pelo amor de Deus, não se compare com ninguém. Cada um tem seu ritmo, sua rotina, suas prioridades. Respeite seu corpo”.

Cecília também usa suas redes para mostrar que o importante é viver o processo. “O que funciona pra um, não funciona pra outro. Sempre tento passar a mensagem de não comparação, de aproveitar o caminho. Parece um esporte solitário, mas não é. Ela me mostra o tempo todo que sou mais forte do que imaginava”.

Respeitar os limites do corpo, evitar comparações e focar na consistência são os pilares para tornar a corrida não apenas um exercício físico, mas um caminho de transformação interna e externa.

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