Por Livia Sant’Anna
Rotina de trabalho, estudos, vida social e pessoal: como equilibrar? Esse é o desafio de milhões de jovens universitários de todo o Brasil. Em uma sociedade cada vez mais permeada pelas redes sociais, onde a comparação constante pode gerar ansiedade e a pressão por produtividade parece não dar trégua, manter o equilíbrio se tornou um verdadeiro desafio.
O psiquiatra e coordenador-geral do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) da Região Metropolitana II, Rogério Paraíso, afirma que, desde o ano de 2019, o burnout é reconhecido como uma doença ocupacional, ou seja, uma condição atrelada diretamente ao trabalho do indivíduo. “Burnout significa ‘queimar até acabar.’ Por exemplo, uma vela queima até não existir mais. Para a psiquiatria, o burnout é o total esgotamento físico e mental de uma pessoa.” Muitas vezes, a síndrome de burnout acontece pela valorização excessiva da produtividade.
Os sintomas do esgotamento costumam aparecer gradualmente, e muitas vezes são confundidos com um simples cansaço. Entre os mais comuns estão a exaustão física e mental mesmo após o descanso, dificuldade de concentração, lapsos de memória, alterações no sono, irritabilidade e uma sensação constante de desânimo. Também são frequentes dores de cabeça e musculares, crises de ansiedade, isolamento e a perda de interesse por atividades que antes eram prazerosas. Esses sinais, quando ignorados, tendem a se agravar e impactar diretamente a saúde mental e a vida cotidiana.
A cultura do burnout, antes associada a executivos de grandes empresas, agora atinge jovens universitários, estagiários, freelancers e trabalhadores informais. De acordo com o Psicólogo e Perito Judicial em Saúde Mental e Trabalho Bruno Chapadeiro, o aumento de empregos temporários, informais e com pouca segurança, a pressão por alta performance, expectativas irreais de sucesso rápido e constante, a dificuldade para desconectar do trabalho devido à tecnologia e a ausência de políticas eficazes de saúde mental e bem-estar no ambiente de trabalho são alguns dos fatores agravantes para o quadro de burnout nas gerações mais jovens.
A precarização do trabalho e o discurso da “produtividade a todo custo” também influenciam diretamente nesse cenário. O aumento da carga horária influi diretamente nos níveis de estresse, como afirma o psicólogo “O discurso da produtividade a todo custo reforça a ideia de que o valor do indivíduo está diretamente ligado à sua capacidade de produzir, desconsiderando limites subjetivos e necessidades de descanso, o que contribui significativamente para o desenvolvimento do burnout”, acrescenta o especialista.
Para o estudante universitário e dono de portal de notícias Danilo Azevedo, o maior desafio de conciliar estudo, estágio e trabalho é manter a saúde mental e física em dia. “Já acordo olhando as demandas do dia de trabalho no celular, vou para o estágio, retorno, vou para a faculdade e de lá ainda tenho que ficar recebendo demandas durante a aula e trabalhando”.
A geração que está cansada de estar cansada

Lucas Borges tem 21 anos e é morador da Baixada Fluminense. Sua rotina começa antes das cinco e vinte da manhã, horário em que pega o seu primeiro ônibus em direção ao seu trabalho na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Na parte da tarde e da noite, estuda em Niterói. E no dia seguinte, o ciclo se repete. “Eu sempre dizia que estava no meu limite mental para minha mãe, que estava me sentindo cansado, e um belo dia, acordei com todos os meus vizinhos e o SAMU ao lado da minha cama, onde tive uma convulsão forte. Esse tipo de crise, no meu caso, passou a acontecer quando estou cansado da rotina, e se repetiu outras duas vezes desde então”.
O aluno se vê, muitas vezes, obrigado a escolher entre a sua vida profissional e a sua formação acadêmica. “Escolho o trabalho, e negligencio demais a faculdade, o que me atrasa constantemente em matérias e vai empurrando minha formação para mais longe. Eu recebo pouco apoio de professores, porque eles dificilmente entendem minha situação”.
Assim como Lucas, Sofia Miranda (22), está na fase final da faculdade de Jornalismo e viu a necessidade de desacelerar a rotina por conta da exaustão. “Comecei a ter muitas crises de ansiedade, eu estava sofrendo de exaustão. Eu não conseguia dormir por estar com a minha cabeça constantemente sobrecarregada. Às vezes eu simplesmente dormia quando eu tinha outras coisas para fazer, eu estava apagando de cansaço mesmo, físico”.
A aluna preferiu trocar de emprego e diminuir a frequência de plantões pela sua saúde mental e para focar com mais calma e cuidado no seu trabalho de conclusão de curso (TCC).
Pressão constante e descanso culpado
Além da exigência acadêmica e profissional, há ainda a comparação contínua nas redes sociais e a pressão familiar por resultados. “Há uma pressão pela formação também dos meus pais, porque é difícil compreender que eu não me adapto a essa rotina exaustiva, e a gente sempre escuta o discurso de que ‘na minha época, eu fazia mil coisas em uma hora’. Tudo isso afeta bastante, e você se sente desamparado’’, desabafa Lucas.
A exposição prolongada ao burnout pode desencadear problemas sérios de saúde mental a médio e longo prazo, como ansiedade e depressão. Além disso, há um aumento do risco de hipertensão, doenças cardíacas e um comprometimento do sistema imunológico, tornando o organismo mais vulnerável a infecções. O esgotamento também afeta as funções cognitivas, podendo causar lapsos de memória, dificuldade de concentração e problemas na tomada de decisões.
Caminhos para o enfrentamento
O médico afirma que sim, é possível ter uma cura eficaz da síndrome de burnout com acompanhamento psiquiátrico e psicológico adequado, além da mudança de hábitos de vida. Inserir atividades físicas na rotina diária também é importante. “É possível se recuperar completamente se a pessoa fizer um tratamento psiquiátrico e psicológico adequado e mudar alguns hábitos de vida. Começar a se cobrar menos, ter horário para praticar exercício físico, ter horário de lazer, atenção maior às coisas que dão prazer.”
Uma alternativa é a redução da carga horária nas empresas, que vem sendo discutida nos últimos anos. A lógica da escala 6×1 prevê seis dias de trabalho para um de descanso na Consolidação das Leis de Trabalho brasileira, o que contribui para o cenário de adoecimento dos trabalhadores. Embora legal, este tipo de regime desconsidera a realidade de quem acumula funções. Para quem também estuda, o único dia de folga raramente é, de fato, um dia de descanso.
Rogério argumenta que a produtividade não está associada à carga horária e defende a jornada 4×3 (quatro dias de trabalho e três folgas semanais), adotada em países como Bélgica, Irlanda e Escócia. “Já foi provado mundialmente, onde ela foi aplicada, diminuíram muito os casos de síndrome de burnout. O desempenho não está relacionado com carga horária. Você pode ter um excelente desempenho trabalhando pouco e pode ter um péssimo desempenho ficando muito tempo no trabalho. Então, se você criar metas, o desempenho fica mais fácil”.
Bruno concorda: de acordo com o psicólogo, o combate ao burnout não se dá apenas na ordem do autocuidado e do indivíduo, mas sim com transformações na organização do trabalho. Por isso, é necessário que as organizações revisem cargas de trabalho e garantam que as demandas sejam realistas e sustentáveis para o funcionário. Ofertar espaços de escuta também é uma alternativa viável.
Mas, de acordo com os especialistas, há luz no fim do túnel para a geração mais jovem. A sociedade frequentemente associa longas horas de trabalho à dedicação e sucesso. Essa romantização já foi compreendida pelos jovens como uma falácia e, por isso, criam estratégias de resistência. Seja denunciando com a própria saúde que nossas formas de trabalhar, adoecidas e precárias, não têm dado certo, seja reivindicando seus direitos em movimentos livres, espontâneos e também associados.