Slam Poetry é ferramenta de expressão política, social e artística entre jovens da região metropolitana do Rio de Janeiro

Por: Ana Carolina Ferreira

Foi no Colégio Estadual Doutor Adino Xavier, em São Gonçalo (RJ), que Matheus Cotta conheceu o slam — movimento cultural, social e artístico que consiste numa competição de poesia declamada em público, também conhecida como “batalha das letras”. Há oito anos, teve o primeiro contato com o movimento através de um projeto interescolar de poesia falada, mas já tinha certa proximidade com a modalidade: tinha o costume de recitar poesias, criar raps e participar de batalhas de rima. 

“O slam para mim é o jogo da palavra. Mas esse jogo nos permite ressignificar muitas coisas e pensar além, até porque no slam você está recitando e escutando outros poetas. Através dessa troca, a gente pode repensar a nossa própria realidade”, conta o jovem gonçalense de 25 anos, popularmente conhecido como OCotta, que trabalha com arte desde 2017. 

Nesse jogo, normalmente os competidores devem apresentar poesias autorais. O tempo para a apresentação é de cerca de três minutos, e o participante deve usar apenas a voz e o corpo na performance — diferentemente das batalhas de rap, onde há presença de batidas musicais. Geralmente cinco pessoas compõem o júri, escolhido na hora, que avalia o conteúdo, a originalidade e a recepção da plateia.

OCotta explica que conhecer a modalidade o ajudou a enxergar uma possibilidade de futuro profissional: “pude expandir a minha mente, porque pessoas como eu (homens cis-hétero, criados em locais periféricos) foram criadas para serem máquinas, ensinadas a trabalhar com força física, não com escrita. Nunca consegui me entender enquanto artista quando era mais novo. Através do slam, vi que era possível pensar fora da caixa, e que não era errado pensar diferente”.

Slammaster OCotta em edição do Slam da Ponte Pra Cá. Fotos: Thiago Alexandre.

Hoje, OCotta é um artista independente que trabalha em diversas frentes: como poeta, produtor cultural e slammaster (como são chamadas as pessoas que organizam os eventos de slam). Foi o primeiro a criar um slam por lives durante a pandemia, o “Slam Quarentena”, e em competições acumula os títulos de Campeão Nacional no Slam BR (Campeonato Brasileiro de Poesia Falada) em 2022, além de vice continental de Poesia Falada e finalista do Mundial de Poesia Falada. 

“Não adianta querer, tem que ser, tem que pá

O mundo é diferente da ponte pra cá

Não adianta querer ser, tem que ter pra trocar

O mundo é diferente da ponte pra cá”

– Da ponte pra cá de Racionais MC’s

Circulando por esse meio artístico, ele e as slammasters Suellen Caldas, Nega Jay e Kássia Rapella perceberam que faltavam slams na região metropolitana do Rio de Janeiro após o período da pandemia da Covid-19. Então, se uniram para criar o “Slam Da Ponte pra Cá”, para expandir a cena de poesia falada em cidades como Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá. “É importante termos a oportunidade de narrar por nós mesmos. A gente fala muito de um Rio com as perspectivas da capital. Os problemas das favelas da capital, apesar de conversarem muito, não são os mesmos das favelas da região metropolitana, que são mais esquecidas”, conta OCotta.

Além disso, é preciso também pensar na acessibilidade desses espaços, que pode ser complicada pela precarização do transporte público e dificuldades com o trânsito. Slams que acontecem principalmente nas cidades de Niterói e São Gonçalo descentralizam um circuito que se dá, em destaque, no Rio. É o que conta Laís Costa, de 20 anos e moradora de São Gonçalo, mais conhecida como Nega Jay: “o poeta da nossa área fica sem ter onde recitar. É muito caro e longe para acessar esses lugares. Já passamos muitos perrengues como ter que esperar uma van de madrugada, ou pagar caro para chegar ao menos em Niterói. A gente precisa fazer com que tanto os poetas quanto o público tenham acesso a esses espaços. Mas também para mostrarmos como as coisas são por aqui, e como é difícil para a gente ocupar esses lugares”.

Nega Jay, assim como OCotta, é slammaster do Slam da Ponte pra Cá. Conheceu o movimento quando morava em Petrópolis, onde nasceu, e desde então tem vivido da poesia. “A poesia falada significa meu corpo, minha tradição e o meu território. É o que me movimenta, me mantém de pé e mata minha fome em todos os sentidos — tanto mental quanto espiritual e física. Minhas poesias trazem a minha percepção sobre o mundo e ferramentas que uso para me manter e sobreviver nesse mundo”. Nega Jay também leva suas vivências e visões de mundo para além do estado: representa o Rio de Janeiro no Campeonato Brasileiro de Poesia Falada, o Slam BR, que ocorre na Bahia, no primeiro trimestre deste ano.

Quais são os slams da ponte para cá?

Assim como explicado por OCotta, antes da pandemia havia mais slams em cidades como Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, como Slam Paz em Guerra, Slam Trindade e Slam Praça Preta. Com o retorno às atividades presenciais após a pandemia, essas batalhas se concentraram no Rio de Janeiro, que reúne os principais eventos do estado: Slam da Lapa, Slam Poesia que Renova, Slam das Minas RJ e Slam Afro Afeto. Atualmente, apenas Niterói possui batalhas de poesia, o Slam da Ponte para Cá e o Slam da Orla, que acontece no Campus Gragoatá da Universidade Federal Fluminense. As informações atuais são de mapeamento realizado pela Rede de Slams RJ.

Mapa criado pela Rede de Slams do Rio de Janeiro localiza rodas de slams espalhados pelo Estado. (Créditos: arquivo pessoal)

Para além de Rio-Niterói: a história do slam no mundo e no Brasil

O slam  tem raízes em Chicago, nos Estados Unidos, na década de 1980. Marc Kelly Smith, um poeta e trabalhador da construção civil, é creditado como o criador do “Uptown Poetry Slam”. A ideia era realizar campeonatos de performances poéticas, onde os chamados “slammers” eram avaliados com notas pelo público presente. O slam rapidamente se popularizou, expandindo-se para outras cidades dos EUA e, posteriormente, conquistando o mundo. A palavra “slam” em si é uma onomatopeia em inglês que evoca o som de uma batida forte, representando a intensidade e o ritmo característicos das performances poéticas nesse estilo.

No Brasil, o slam aportou em 2008, trazido pela atriz, poeta e slammer Roberta Estrela D’Alva, que fundou o “ZAP! Slam” em São Paulo. Emerson Alcalde, outro nome importante no movimento, fundou em 2012 o “Slam da Guilhermina”, também em São Paulo, expandindo o slam para as praças públicas e consolidando sua conexão com as periferias. A partir daí, a competição rapidamente se enraizou, incorporando elementos da cultura local, como os saraus, as batalhas de MCs e o rap.

“No Brasil, o slam ganhou as ruas e praças, tornou-se um movimento de periferia, que acolhe pessoas pretas e pobres, pessoas LGBTQIAPN+, pessoas gordas, pessoas com deficiência. Pessoas socialmente marginalizadas, sujeitos subalternizados que sempre foram excluídos do cânone literário ocidental (majoritariamente branco, masculino e hétero). São esses poetas que frequentam os eventos de slam e cujas poesias tematizam questões de gênero e raça. Esse traço é muito nosso”, conta Cynthia Agra de Brito Neves, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisadora do slam no Brasil e no mundo. 

Ela reforça que, como o movimento se difundiu no Brasil como popular e repleto de poesias marcadamente políticas, o slam em solo brasileiro pode ser lido como literatura de “combarte” ou “artivismo”. Mas, apesar das distinções da manifestação artística em diferentes países, avalia positivamente o papel do slam na democratização do acesso à poesia e na criação de espaços de expressão para a diversidade cultural. “Na esteira de Bell Hooks, em seu livro Ensinando a Transgredir, ouso dizer que o slam é um lugar em que o multiculturalismo é, de fato, abraçado. A arena poética é de “todes”, aqui e na Europa. Tanto cá quanto lá, a democratização da poesia se faz evidente. Fico feliz em saber que a poesia do slam é pura expressão popular e que os eventos poéticos de slam valorizam exatamente isso”, finaliza.

Nega Jay em apresentação na edição de 2023 da Festa Literária das Periferias (FLUP). Reprodução: @negajay via instagram.

Glossário de termos do slam

Slam: O poetry slam, ou simplesmente slam, é um evento que reúne poetas para batalhas de poesia falada, avaliadas por jurados escolhidos aleatoriamente na plateia. O termo slam, onomatopeia que imita o som de uma batida forte, foi adotado por Marc Kelly Smith para nomear o evento que criou em Chicago em 1984.

Poesia Falada (Spoken Word): É a forma de poesia apresentada oralmente, com ênfase na performance e na interação com o público. Diferencia-se da poesia escrita por sua natureza efêmera e pela importância da voz, ritmo e presença do poeta.

Slammaster: É o mestre de cerimônias do slam, responsável por apresentar os poetas, conduzir e organizar o evento, animar a plateia e garantir o cumprimento das regras.

Slammer: É o poeta que participa do slam. Ele deve apresentar poesias autorais, com duração máxima de três minutos, sem o uso de figurinos, adereços ou acompanhamento musical.

Batalha de Poesia: É a competição entre os slammers, na qual cada poeta apresenta sua poesia e recebe notas dos jurados. Vence quem obtiver a maior pontuação.

Slam BR: É o Campeonato Nacional de slams do Brasil, que reúne os vencedores dos slams estaduais para definir quem representará o país na Copa do Mundo de Slam, em Paris.

Artivismo: É a arte engajada em causas sociais e políticas, utilizando a expressão artística como forma de ativismo e protesto.

Combarte: É a luta por meio da arte, utilizando a poesia e a performance como armas de combate contra a opressão e a injustiça.

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