Como a religião oriental se estabelece no território brasileiro e o conflito com o imaginário ocidental
Por Luana Rafael
De acordo com a pesquisa Global Religion 2023, do instituto Ipsos, 76% dos brasileiros entrevistados afirmaram praticar uma religião, desses, 70% declararam ser cristãos. Entretanto, muitas outras crenças estão presentes no Brasil, como o Budismo Nitiren, que com sua filosofia de paz e transformação pessoal, tem encontrado espaço em meio à diversidade religiosa brasileira.
O Budismo Nitiren é uma vertente do Budismo que tem raízes no século XIII, no Japão, e segue os ensinamentos do seu fundador, Nitiren Daishonin, um sacerdote budista. Nitiren se empenhou em compreender a realidade da vida e em seus estudos estabeleceu o Sutra do Lótus, um dos principais sutras budistas, como o verdadeiro significado da doutrina. Segundo ele, a recitação do mantra Nam-myoho-rengue-kyo – a lei que rege todo o universo – é o caminho para alcançar a verdadeira felicidade, amenizar o carma e atingir a iluminação – estado de Buda.
“Sendo o ser humano um ser filosófico, o Budismo tem como ideologia servir às pessoas e não o contrário. Embora muitos achem que seja uma filosofia de vida, na verdade é uma religião, onde o ser humano é o ponto central”, afirma o vice-responsável de subcoordenadoria, Hugo Alonso. Dessa forma, é possível entender que Buda não corresponde ao conceito ocidental de “Deus”, como um único ser supremo, e sim ao estado de vida mais elevado, que é despertado através da prática da religião. “Nossa fé é na humanidade”, comentou Hugo.
A organização
A Soka Gakkai – Sociedade para a Criação de Valores – é uma organização do Budismo Nitiren, fundada em 1930 pelo educador e primeiro presidente, Tsunesaburo Makiguchi. O objetivo inicial foi o de transformar o sistema educacional japonês e a sociedade da época. Mas com a expansão em nível local e internacional, a associação passou a se dedicar à construção de uma cultura de paz em todo o mundo, transcendendo os objetivos puramente educacionais. No Brasil, a organização é representada pela Associação Brasil Soka Gakkai Internacional (BSGI), que foi fundada em 1960 e hoje conta com mais de 200 mil membros.
A SGI estrutura-se com base na localidade: os núcleos de bairro, onde acontecem as reuniões para o estudo da religião, são chamados de blocos. Um conjunto de blocos, denomina-se uma comunidade e um conjunto de comunidades, um distrito. Os distritos somados geram uma regional, cujo agrupamento pode ser uma região metropolitana (RM) ou região estadual (RE). Um composto dessas regiões vira uma subcoordenadoria, que, em número, formam uma coordenadoria e posteriormente, uma coordenadoria-geral.
Ao contrário de algumas religiões, o Budismo não tem um local fixo, como uma igreja por exemplo, as reuniões são realizadas, em sua maioria, nas casas dos próprios membros e a periodicidade é semanal ou mensal, a depender do tipo. O principal encontro, a reunião de palestra, pode ser realizada de bloco a subcoordenadoria e acontece mensalmente para discutir a aplicação da prática budista na vida diária, por meio de diálogos e trocas de experiências, pautados nos escritos deixados pelo Buda.
O desconhecimento
Apesar de presente no Brasil há mais de seis décadas, o Budismo ainda é uma religião pouco conhecida pelos brasileiros. Há quem nunca tenha ouvido falar e os que desconhecem as características da doutrina. Membro do Budismo desde 2007, Sandra Suely revelou um dos “achismos” que carregava consigo antes de entrar para a religião: “Eu achava que a relação com o Budismo dava-se através da imagem do Buda, mas só com a prática eu descobri que Buda é um estado de vida”, afirmou Sandra.
Para a Consultora de Subcoordenadoria, Sônia Maria de Oliveira, isso acontece devido aos próprios princípios da religião: “O grande motivo de algumas pessoas não saberem da existência do Budismo no Brasil e das suas características é por ser uma religião que não usa a mídia como principal veículo de propagação, mas sim, a relação de pessoa para pessoa”, declarou Sônia.
As raízes orientais também contribuem para esse desconhecimento, como acrescenta Hugo Alonso: “Nas escolas, pela relação histórica com Portugal e países da Europa, não aprofundamos uma visão da parte oriental do mundo”, disse o líder. O budista ainda acredita que o fato da religião ter surgido na Índia, mas as vertentes chinesas e japonesas serem tidas como referências turva ainda mais a visão histórica da doutrina.
“Nas escolas, pela relação histórica com Portugal e países da Europa, não aprofundamos uma visão da parte oriental do mundo”
Hugo Alonso
As ramificações do Budismo são um dos principais pontos de dúvida para quem não conhece a religião. Muitas pessoas têm no imaginário a concepção dos budistas como “pessoas carecas que usam vestimentas laranjas”, mas existem inúmeras linhas de Budismo na história da filosofia pelo mundo.
Por ser uma das religiões mais antigas do planeta, muitos ensinamentos se desdobraram ao longo da história, sendo difícil compreender todos eles. Num momemto marcado pela desinformação, a falta de conhecimento é um campo fértil para o preconceito e a ignorância.
Em abril deste ano, uma polêmica envolveu o líder da linhagem Guelupa, Dalai Lama, ao viralizar um vídeo do religioso beijando uma criança na boca. Com esse episódio surgiram muitos comentários na internet de pessoas cobrando posicionamentos da “comunidade budista” e tratando o Budismo como uma única religião. Esses tipos de falas demonstram a desinformação existente no país e podem reforçar preconceitos.
“Em sua maioria, as religiões têm suas vertentes criadas a partir de sua origem, do fundador, por reformas, surgindo com o passar da história humana. Não foi diferente com o Budismo”, explica Hugo. Na doutrina budista, boa parte das ramificações se dá por qual ensino deve ser levado em conta em cada período. “Junta-se a isso, como em toda história da humanidade, poder, vaidades e interesses diversos, então temos as mais variadas vertentes”, complementa o praticante.