Por Yasmin Ramalho

Se há algumas décadas o processo de lançamento de um artista dependia de uma boa qualidade do material gravado e investimento em divulgação para alcançar produtores musicais, rádios e outros veículos, hoje esta dinâmica se transformou com o acesso às ferramentas digitais, sobretudo os streamings e as redes sociais. 

O Spotify, por exemplo, líder mundial das plataformas de áudio, conta com uma enorme variedade de gêneros musicais e uma infinidade de artistas em seu catálogo. O aplicativo registrou 515 milhões de usuários no primeiro trimestre de 2023, entre eles, 210 milhões de assinantes. Este resultado é considerado o momento mais relevante desde que a marca se tornou pública em 2018, ano em que contabilizava 180 milhões de usuários.

No mesmo ano, uma matéria da Agência EFE, veiculada ao G1, chegou a abordar como o Spotify ‘salvou’ a indústria fonográfica da pirataria online do início dos anos 2010. O feito, no entanto, implicou em uma reorganização da indústria, na qual as principais gravadoras e suas editoras passaram a fazer acordos com as plataformas de streaming para que pudessem contar com seus artistas nos catálogos musicais.

Para o produtor musical Wallace Ramalho, também conhecido como DJ MP4, a força de streamings e das redes sociais, como ferramentas de divulgação de artistas, promove uma democratização da música e uma transformação na ideia de sucesso.

“A cultura, baseada nos meios digitais, proporcionou muitas mudanças para o significado de sucesso. O primeiro ponto é que ela permite uma verdadeira troca de informações e vivências. Em uma rede social, por exemplo, os artistas não só transmitem conteúdos, como também recebem comentários de seus ouvintes. Com isso, é possível saber se uma música pode ir bem ou não”, diz ele, que foi o autor do hit ‘The Book Is On the Table’, música lançada em 2000 que foi um grande sucesso no Brasil.

Dossan é um dos novos artistas da cena musical, e vem investindo em criar um produto original, com raízes na Bossa Nova, passando pelos beats do Rap brasileiro, e tendo o bairro em que cresceu, Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, como um importante pano de fundo de suas composições, que compartilha em suas redes sociais.

Ligado à música desde criança, o compositor de 29 anos decidiu montar o projeto durante a pandemia de Covid-19, período em que pediu demissão de seu emprego como roteirista de vídeos para um canal do YouTube e passou a criar uma rotina de compor e pesquisar diariamente sobre o meio musical.

Publicitário de formação, o fundador da banda Cândido chegou a ter mais de 100 letras, o que levou à ideia de lançar seu primeiro álbum intitulado “Bate Forte no Peito”, que planeja lançar em setembro.

“A música é celebração, mexe com a energia e isso me dá vontade de escrever um trabalho. A partir da música e dos artistas que saíram daqui [de Jacarepaguá], eu também comecei a ter uma outra relação com as ruas do meu bairro, como ele sempre me influenciou em muitas coisas na minha vida”, contou.

Juntos, Wallace e Dossan, produziram uma releitura em Música Eletrônica de ‘Totalmente Demais’, originalmente da banda brasileira Hanói-Hanói, em junho de 2022, na qual o artista comandou os vocais. A versão já soma mais de 140 mil reproduções, sendo 103 mil só no Spotify e mais de 40 mil no clipe oficial no YouTube.

“Foi um trabalho muito interessante porque eu venho do Rock e eu cantei uma música de Rock em uma outra versão. Sem contar que eu considero o MP4 um produtor muito clássico, quando se fala de produção musical, que sabe o que vai ou não funcionar e consegue mesclar o novo e o antigo. Foi muito gratificante poder ver esse processo criativo, que é diferente do de um compositor”, analisou Dossan.

Os bastidores do sucesso das plataformas

Ainda que as principais plataformas de streamings e gravadoras de relevância mundial sejam beneficiadas com acordos e ganhos cada vez mais lucrativos, não se isentaram da onda de demissões liderada pelas big techs no final de 2022. 

Em janeiro de 2023, o Spotify anunciou o corte de 6% em seu quadro de funcionários, cerca de 600 pessoas. Na mesma onda, a Warner Music Group também contabilizou demissões que chegaram a 4% de seus colaboradores em todo o mundo, em torno de 270 empregados.

Em abril, a plataforma de streaming divulgou que teve um rendimento total de 14% em comparação ao mesmo período no ano passado, um crescimento de 3 bilhões de euros (aproximadamente 16,1 bilhões de reais).

Já a gravadora, uma das principais na indústria musical, foi vendida por 3,3 bilhões de dólares em 2011 e entrou na bolsa de valores dos Estados Unidos em 2020. Atualmente, possui o valor de mercado de mais de 13 bilhões de dólares.

De acordo com o site Music Business Worldwide, as três maiores gravadoras do mundo (Universal Music, Sony Music e Warner Music) faturaram 69 milhões de dólares por dia ou 2,9 milhões de dólares por hora no primeiro trimestre de 2023.

Esses três meses iniciais do ano geraram uma receita conjunta de 6,21 bilhões de dólares, entre eles, 3,32 bilhões de dólares em ganhos com streamings, um número considerado positivo, mas que não inspira crescimentos substanciais de dois dígitos que já haviam sido observados no passado. A projeção estimada das três gravadoras para o ano de 2023, pelo Music Business Worldwide, é de 25 bilhões de dólares.

Pensando no dia a dia destas grandes empresas, Wallace, que já foi divulgador das gravadoras Polygram, Universal Music e diretor internacional da Spotlight, afirma que o maior número de artistas sendo lançados de forma autônoma ou mesmo através de selos independentes está constantemente no radar destas companhias.

“Eles ficam de olho não só nos artistas independentes, mas também nos selos. Caso vejam potencial de crescimento, a gravadora compra estes selos independentes para ter maior controle e alcance”, diz ele, citando que atualmente as gravadoras independentes já ocupam 30% do mercado.

DJ MP4 no Capital do Samba, evento de Samba e Pagode, na Marina da Glória, em 27 de maio de 2023

A música como entretenimento

Outro fator importante neste universo é a projeção gerada pelas redes sociais, como Instagram, Facebook, Twitter, e, indiscutivelmente, o TikTok.

A plataforma de vídeos criada na China em 2016 sob o nome de Douyin foi oficialmente lançada no mercado internacional no ano seguinte pela ByteDance e chegou a registrar mais de um bilhão de contas ativas em 2022.

Segundo o DataReport, o Brasil foi o terceiro país com mais usuários no aplicativo em 2023. Jjá são 82,2 milhões de pessoas com 18 anos ou mais movimentando o ‘app’. O TikTok também lidera no quesito retenção, incentivando um crescente tempo de tela através dos vídeos curtos e descontraídos que são adicionados diariamente.

Este formato mais rápido e objetivo traz novas práticas, criando um cenário perfeito para as famosas ‘trends’ (ou tendências), que são pensadas para um compartilhamento em massa. Para isso, é necessário uma boa trilha sonora e é justamente neste espaço que entram os artistas consagrados e os novos, que estão buscando maior visibilidade.

Wallace comenta que o aplicativo se tornou uma grande e importante ferramenta atualmente, mas alerta para a durabilidade limitada destes produtos musicais.

“Muitos artistas pensam em lançamentos já no formato pronto para o TikTok, mas isso sempre vai existir, faz parte do mercado. No entanto, acredito que esta seja só uma parte da indústria. Dificilmente este produto vai ter uma longevidade. Mas como entretenimento, não conseguimos julgar se isso é bom ou ruim, porque tudo depende do gosto das pessoas”, analisa o produtor musical que já passou pelas rádios Transamérica, Jovem Pan e FM O DIA.

Novos artistas e o cenário atual

Gravação do primeiro álbum de Dossan no estúdio KoraLab, 
na Zona Norte do Rio de Janeiro

Diante das oportunidades vislumbradas no ambiente das plataformas digitais, Dossan reflete que esse movimento facilita encontrar o seu nicho e alcançar o público, independente de qual seja.

“Estas ferramentas facilitaram a independência do artista por conta do nicho que ele está se inserindo. A internet democratizou a música e isso é importante, independente de ser entretenimento ou cultura. Hoje tem oportunidade para todos”, afirmou.

O compositor gravou o seu álbum de estreia com 10 faixas no estúdio KoraLab, na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro, com a produção de Rodrigo Solidade, guitarrista da banda Canto Cego, e apoio de Juliana Sanchez, advogada e gestora do estúdio, e da artista visual Beatrice, responsável pela direção criativa do projeto.

Embora a internet possibilite um maior contato com públicos diversos, a ideia de sucesso estaria atrelada aos números obtidos por um artista em seus perfis nas redes sociais e aplicativos de áudio? Para Wallace, os números importam, mas não são determinantes.

“Quando um produtor musical vai analisar o mercado, ele considera os números e o alcance dos artistas, mas isso não é determinante para a contratação por uma gravadora, por exemplo. É necessário identificar talento e o potencial que pode ser trabalhado no(a) artista”, afirma.

Dossan tampouco visa aos números. O compositor acredita que criar músicas capazes de gerar identificação com as pessoas está ligado à verdadeira ideia de sucesso.

“Não estou preocupado com as reproduções dos streamings, quero que as pessoas ouçam, se identifiquem, se divirtam, bebam, conversem e compartilhem. A música está ali pra ser um momento nosso, de celebração”, diz ele, que comumente chama suas apresentações de “Baile do Dossan”, justamente pela troca que tem com o público.

Em fevereiro de 2023, o artista performou o seu primeiro show no renomado estúdio Audio Rebel, em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro. “Para mim, ter um público que goste da minha música é mais importante do que gostar do Dossan”, afirmou ele.

Com músicas como ‘Artilheiro’, ‘Bossa Nada Nova’ e ‘Toda Beleza do Rio’, single previsto para lançamento em julho, o álbum ‘Bate Forte no Peito’ estará disponível em todas as plataformas digitais a partir de setembro.

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