“Por que o céu é azul?”, perguntam inevitavelmente todas as crianças; “por que o IACS é rosa?”, questionam-se os estudantes de Artes e Comunicação Social da UFF

Por Yuri Neri

Durante a pandemia de Covid-19 e do distanciamento social que separou o Instituto de Artes e Comunicação (IACS) de seus mais de 3,5 mil estudantes, uma desinformação assombrou a comunidade uffiana: o Casarão — o histórico prédio do instituto — deixara de ser rosa. “Estava circulando um boato de que o Casarão iria ficar branco. Tive que desmentir várias vezes dizendo que era apenas uma base para uma nova pintura”, explicou a diretora do IACS, Flávia Clemente, assim como revelou virtualmente para outros inúmeros alunos e professores que a indagaram indignados na época.

De fato, quem passava pela rua Lara Vilela, 126 ratificava que a pigmentação da construção estava branca, mas não era tinta propriamente dita, e sim um reboco para corrigir falhas na estrutura do prédio. “A parede estava muito desgastada, então tivemos que refazer o emboço para que a tinta permanecesse lisa e durasse”, comentou a diretora. Embora tenham ficado brancos de susto, os ânimos dos alunos foram acalmados logo depois que, por cima da base, uma camada ainda mais forte de rosa coloriu novamente o campus.

Com a resolução da fake news — o que é cômico, já que jornalismo é um dos nove cursos de graduação sediados no instituto —, os graduandos puderam retornar aos estudos com mais calma em frente às telas dos computadores de suas casas. A indignação pelo sumiço do rosa aconteceu no início de 2021, quando ainda faltava um ano para o retorno das atividades presenciais na UFF — o que abriu brechas para imaginar o que os alunos do IACS fariam se sua pigmentação fosse alterada fora do período remoto.

Tanta imaginação, na verdade, não foi tão necessária. Em 2023, o novo prédio do IACS, localizado no campus do Gragoatá, passou a ser oficialmente utilizado pelos estudantes: e ele não é estritamente rosa. Segundo o site Wibushi, um identificador de cores online, a coloração do novo prédio é aproximadamente #c16569, o que, para olhos leigos, pode-se chamar de “salmão” — mas, para olhos mais leigos ainda, como os de quem escreve, também pode ser considerado rosa. 

Flávia Clemente afirma que, mesmo com a chegada no novo campus, o agora “antigo IACS” continuará sob posse do Instituto de Artes e Comunicação da UFF. “A gente vai manter os estúdios do Casarão equipados — que são importantes especialmente para os alunos de cinema —, os projetos de extensão continuarão lá, a midiateca e os arquivos também. Ainda há uma sala separada para a Atlética de Artes e Comunicação. Ou seja, a minha expectativa é manter o Casarão vivo”, comenta a diretora.

Por isso não provoque: é cor-de-rosa choque!

A cor rosa nasce do encontro entre o vermelho e o branco. A primeira tonalidade, visceral e furiosa, contrasta-se com a paz e a pureza da segunda, que também é a junção das sete unidades do arco-íris. Quem brincou com lápis de cor na infância sabe que, dependendo de sua intensidade, o rosa pode ter diferentes significados — provavelmente oriundos de suas cores de origem. Rita Lee entendeu perfeitamente essa relação tonal quando compôs “Cor-de rosa-choque”, lançada em 1982. A música inicia-se com os versos “Nas duas faces de Eva/ a bela e a fera”, que explicitam a dicotomia do pigmento com a didática que apenas a Rainha do Rock poderia ter.

Apesar da multiplicidade conotativa, o rosa é comumente associado à natureza feminina e à comunidade LGBTQIA +. Em um país em que discursos como “Menino veste azul, menina veste rosa” circulam livremente e mascaram a homofobia e misoginia, não é difícil afirmar que um campus rosa de uma universidade federal é algo, no mínimo, afrontoso.

“Para uma sociedade machista, racista e homofóbica, a cor gera um estranhamento. Mas, quando cheguei à faculdade, entendi por que o prédio era rosa. O IACS tem suas particularidades e autenticidades, assim como os seus estudantes. Então, a cor do Casarão é nada mais do que uma representação dos seus alunos: um corpo discente ativo, de luta e fora da linha”, conta o ex-estudante de jornalismo e atual mestrando de mídia pela UFF, Alex Oliveira.

Não coincidentemente, a primeira memória marcante que Oliveira tem com o Casarão foi a ocupação estudantil contra a PEC-55, de 2016, que congelaria os gastos com educação por 20 anos. Na época, o então calouro de jornalismo morou no prédio, onde foram desenvolvidas atividades educacionais e culturais durante um mês. “Foi um período muito importante para o meu crescimento político e estudantil”, relembra o mestrando.

A luta política acompanha o Instituto de Artes e Comunicação desde o seu nascimento. Em 1968, a UFF recebeu um grupo de diretores, autores e roteiristas que fugiam das pressões da ditadura militar. Eles eram oriundos do primeiro curso de cinema do Brasil, inaugurado em 1962 na Universidade Nacional de Brasília (UNB). Nesse grupo, estava aquele que é, para muitos, o maior cineasta basileiro até hoje: Nelson Pereira dos Santos. Recém-chegado em Niterói, ele decidiu utilizar suas três capacitações (Cinema, Jornalismo e Marketing & Publicidade) para criar o curso de Comunicação Social da UFF — que, unindo-se à Biblioteconomia, formaria o instituto em 1968. 

O Casarão, contudo, só se tornou sinônimo do IACS anos mais tarde. Antes, ele era o Colégio Bittencourt Silva, inaugurado em 1926. A instituição funcionou por algumas décadas até o prédio ser vendido para a União em 1969. Somente cerca de dez anos depois, no final dos anos 1970, o Casarão Rosa — que não era rosa ainda — passou a abrigar o Instituto de Artes e Comunicação. 

IACS antigamente

“Ele era branco com arcos e janelas azuis e, à frente, a estrutura era escondida por uma quadra. Ou seja, era uma coisa totalmente diferente do que ele é hoje”, Flávia relembra o Casarão quando ela ingressou na faculdade de jornalismo, nos anos 1990. Durante a sua graduação, os cursos de Artes e Comunicação receberam uma verba significativa e puderam decidir se terminariam as obras do novo IACS ou se restaurariam o Casarão. Um plebiscito foi feito para resolver esse dilema e a comunidade optou pela restauração do prédio antigo.

“Derrubaram o Casarão inteiro e só deixaram a fachada. Também tiraram a quadra, que foi substituída pelo anfiteatro — a famosa “Praia do IACS”. Anos depois, o prédio foi reinaugurado com ‘cor de telha’. Era quase marrom, muito diferente do rosa de hoje”, comenta a diretora.

Às quintas usamos rosa

Em 2007, a Brahma desenvolveu uma estratégia curiosa para incentivar o consumo de cerveja durante a semana. Estrelado por Zeca Pagodinho, o comercial com a frase “Quarta-feira agora é Zeca-feira” passava diariamente na televisão e influenciava o consumidor a “adiantar a sexta-feira” e tomar uma gelada com os amigos no meio da semana. A Zeca-feira dos uffianos não é na quarta, mas sim na quinta. No dia, os jovens reúnem-se na Cantareira — a praça em frente ao campus do Gragoatá — para beber e se divertir e deixam a sexta-feira livre para que aqueles que moram longe da universidade possam se deslocar para suas casas.

Não é raro observar, nas “quintareiras”, pessoas com chapéus e corta-ventos rosa. Elas provavelmente estão vestidas com peças da Atlética de Artes e Comunicação (AACS), que adotou as cores do Casarão e exibe o pigmento como parte de sua identidade. “Quando a gente vai em algum jogo, se eu vejo alguém vestindo rosa, eu automaticamente já enxergo aquela pessoa como amiga — mesmo que eu não a conheça muito ou tenha algum laço”, diz a jogadora de Handebol pela AACS, Fernanda Vicente. Ela ainda explica que não gostava muito da cor, mas, depois que passou a estudar na UFF, isso mudou. “O rosa me remete a muitas coisas boas. Além de ser a cor do Casarão, também é a cor da atlética, do uniforme com o qual eu entro em quadra. Nos jogos universitários, somos os únicos de rosa, a cor mais diferente e vibrante — e isso é muito emocionante”, complementa. 

Jogadoras de Handebol da AACS. Reprodução/Instagram/AACS

Além de fazer com que os alunos de Artes e Comunicação Social se destaquem visualmente em meio à multidão, o rosa também é instrumento de luta. O pigmento ajuda a desconstruir o ambiente dos jogos universitários, que é historicamente masculino e heterossexual. “O rosa é muito mais convidativo para os alunos LGBTs que querem se juntar à atlética. Ele destrói esse ideal do que é masculino ou feminino”, diz Luís Fernando Motta, ex-membro da torcida UFFantástica, ligada à AACS. “Já tivemos muito anos de predominância hétero, branca e masculina nos ambientes universitários — e nós queríamos derrubar essa narrativa”, acrescenta o estudante.

Novo x velho IACS: o embate

Quando, nos anos 1990, houve um plebiscito para decidir se a verba recém-adquirida iria para a reforma do Casarão ou para o novo IACS, o Instituto de Artes e Comunicação Social não tinha tantos alunos quanto tem hoje. A partir dos anos 2000, contudo, o velho Casarão já não comportava todos os estudantes — e se tornou comum haver aulas no Bloco A do Gragoatá ou no IACS II.

Foi uma questão, sobretudo, espacial. Flávia Clemente explica que, nos últimos 20 anos, o IACS cresceu em número de estudantes e de cursos, tanto de graduação quanto de pós-graduação. Hoje, o instituto é a segunda maior unidade em número de alunos presenciais da UFF e, por isso, agora precisa funcionar em dois endereços. No entanto, a possibilidade de migrar de campus não agradou a todos.

“Eu tenho uma relação muito emocional com o Casarão e, por isso, a transição pro Novo IACS está sendo difícil. A estrutura nova é muito boa, assim como a localização, mas não há aquele sentimento de pertencimento. Só o Casarão rosa parece um lar de verdade”, comenta Fernanda Vicente. 

A estudante tem tido aula tanto no IACS velho quanto no novo durante o primeiro semestre de 2023 — e, segundo ela, são experiências completamente diferentes. Embora o novo prédio seja em frente à orla da Baía de Guanabara, Fernanda sente falta de conversar com os amigos na Prainha do campus antigo. “O novo IACS tem a vista mais bonita, mas só: o Casarão tem mais história. Além disso, sinto muita falta da cor rosa e acho que, sem ela, perdemos uma parte de nossa identidade”, completa.

“Praia” do IACS em 2008. Reprodução:

A estudante de cinema Lyssandra Carvalho também guarda muitas memórias afetivas do Casarão, mas lembra que os tempos de pandemia foram difíceis para a estrutura do prédio. “A Sala de Projeção estava com um cheiro muito forte, por estar fechada há muito tempo. Há também outras questões estruturais e, nesse sentido, a mudança está sendo muito boa”. 

Por que o IACS é rosa? Por que não seria? 

Quem leu esta matéria até aqui espera encontrar uma resposta definitiva sobre por que o Casarão é rosa. É como uma criança que, ao perguntar para os pais “por que o céu azul?”, pretende conhecer a verdade sobre o universo e ouve, para o seu desespero, “Porque Deus quis”. A verdade, entretanto, é que algumas perguntas não precisam de respostas: elas estão protegidas pela imaginação. O Casarão é rosa porque a cor agrada a todos os estudantes e, por outro lado, o pigmento agrada a todos os alunos justamente porque é a cor do Casarão.

 “O rosa pra mim é a cor da felicidade”, diz a diretora Flávia Clemente que, assim como todos os uffianos, também não faz ideia sobre o porquê do IACS ser rosa. Embora não se tenha certeza do motivo da tonalidade, sabe-se que ela ficará para sempre. Em meados dos anos 1990, o prédio foi tombado pela Prefeitura de Niterói e, consequentemente, sua pigmentação não poderá ser alterada tão facilmente.

Embora o rosa do novo IACS não seja tão rosa, a cor do Casarão não desbotará e ele ainda continuará sendo utilizado por muito tempo. Assim, novas gerações de uffianos poderão repetidamente se questionar “Por que o IACS é rosa?”.

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