Salários milionários, grandes contratações e estrutura de alto nível começam a atrair estrelas do esporte e chamar a atenção dos torcedores. 

Por Felipe Teófilo

A janela de transferências do verão europeu costuma ser a mais agitada e interessante do ano futebolístico. Com o fim da temporada, clubes se movimentam no mercado buscando renovar o seu elenco para conquistar seus objetivos. Gigantes europeus, como Real Madrid, Barcelona, Manchester City e Liverpool, mobilizam centenas de milhões de euros em contratações de jogadores. Porém, na temporada atual, um novo expoente do mercado do futebol mundial tem surgido e parece ter vindo para ficar. Os clubes árabes têm feito movimentações marcantes e chamado a atenção de todo o mundo da bola.

No dia 30 de dezembro de 2022, o Al Nassr, clube da Arábia Saudita, anunciou a contratação do atacante português Cristiano Ronaldo, um dos maiores jogadores da história do futebol mundial. Essa ida do craque para o ‘Sauditão’ significava muito mais do que apenas uma simples transferência. A Liga Profissional Saudita, como é conhecida, estava com os holofotes para si pela primeira vez e quem pensou que iria parar por aí estava bem enganado. Só na janela de transferência atual, jogadores como Benzema, Roberto Firmino, Edouard Mendy, N’Golo Kanté e Brozovic já foram anunciados por clubes sauditas. Além dos treinadores Luis Castro e Jorge Jesus, que chegam para aumentar o nível da ‘beira de campo’ do campeonato. Nomes como Lionel Messi, Modric e Neymar por pouco não estiveram nessa lista de reforços, porque recusaram contratos milionários. Para o jornalista especialista em futebol internacional Victor Canedo, a ida de Cristiano Ronaldo foi fundamental para todo esse processo.

“Quando um cara que definitivamente não precisa de dinheiro toma a decisão de ir pra Arábia Saudita, acho que é um movimento surpreendente. De alguma maneira ele comprou o projeto que lhe ofereceram e, com seu peso, certamente chamou a atenção de outros”, comentou. 

Se tratando de futebol no século XXI, nenhum continente conseguiu competir na captação de grandes jogadores com a Europa. Um exemplo é o próprio Brasil. Até a década de 1990, conseguia manter os seus maiores craques no país, porém, por diversos fatores, perdeu grandes jogadores nas décadas seguintes para clubes da Europa e, hoje, vê seus talentos deixarem os clubes brasileiros cada vez mais cedo. Com a ida de grandes nomes para o futebol árabe, começou o questionamento se ali estava surgindo uma potência do futebol mundial que pudesse bater de frente com as grandes ligas da Europa, visto que, Arábia Saudita, China e Estados Unidos sempre tiveram dinheiro, mas nunca conseguiram atrair jogadores que estivessem em seu auge físico e técnico. O mais comum era que os atletas aceitassem as propostas para deixar a Europa quando estavam com ‘um pé’ na aposentadoria e buscavam aquele dinheiro extra antes de pendurar as chuteiras de forma definitiva. 

A movimentação que foi vista nesta janela de transferências mostra algo totalmente fora do habitual. Karim Benzema, por exemplo, foi o último vencedor da Bola de Ouro, prêmio que coroa o melhor jogador da temporada do futebol mundial. Ele vestirá a camisa do Al-Ittihad com um salário que ultrapassa os 500 milhões de reais por ano. Quando questionado, o presidente da La Liga, Javier Tebas, desdenhou desse movimento no mercado dos clubes sauditas.

“Uma liga não se faz em 48 horas, nem em três ou quatro anos. Também fiz o mesmo e não é assim. Não é apenas uma questão de trazer jogadores. Fico feliz que eles façam coisas assim, mas isso não me deixa nervoso”, afirmou Javier em um pronunciamento. 

Contudo, no futebol está cada vez mais claro que o dinheiro move montanhas e antecipa longos processos. A liga árabe pode não se tornar uma das principais do futebol mundial de uma hora para a outra, porém, o pontapé inicial certamente foi dado.

“Se pararmos para pensar, a Arábia Saudita já está ameaçando a Europa. Ruben Neves poderia tranquilamente mudar de clube dentro da Premier League. O Kanté tem 31 anos. O Koulibaly também. Firmino tinha vaga onde quisesse praticamente. E por aí vai… Essas transferências já são um pouco fora da curva e a tendência é expandirem para jogadores de alto nível de outros continentes”, comentou Victor Canedo.

Esse crescimento da Liga Profissional Saudita não se deu de uma hora para a outra, nem foi um investimento feito ao acaso. Esse ano, o governo da Arábia Saudita anunciou que o Public Investment Fund (PIF) iria assumir o controle dos quatro principais clubes sauditas: Al Ahli, Al Ittihad, Al Hilal e Al Nassr. O PIF vai controlar 75% dos clubes enquanto os 25% restantes ficarão sob responsabilidade de duas organizações sem fins lucrativos. Com esse movimento, o intuito do governo saudita é fazer a liga nacional crescer de forma exponencial, com investimentos gigantescos que seriam o suficiente para atrair os grandes craques do futebol mundial.

Esse plano fazia parte do projeto ‘Vision 2030’, que são movimentos feitos pelo governo saudita com o intuito de ganhar força para sediar a Copa do Mundo de futebol masculino de 2030. Nesse caso, o plano inicialmente deu errado. Visto que, competindo com a Arábia Saudita está a candidatura conjunta de Portugal, Espanha e Marrocos, e tudo indica que é ampla favorita para o mundial. Com isso, a Arabia Saudita se retirou da disputa e prometeu apoiar a candidatura desses três países, visando a Copa do Mundo de 2034, onde teria um apoio maior. 

O PIF, o Vision 2030, a compra de clubes tanto na Arábia Saudita, quanto no resto do mundo fazem parte de uma prática já conhecida no campo político-esportivo, o Sportswashing. Esse termo é utilizado para caracterizar quando, principalmente, o Estado se envolve diretamente com eventos esportivos, seja sediando ou patrocinando, com o intuito de desviar a atenção de problemas graves e melhorar a imagem do país diante da opinião pública. Essa foi a estratégia utilizada pelo Qatar quando sediou a Copa do Mundo de 2022 e está sendo a estratégia da Arabia Saudita, já que o país é mundialmente conhecido pelas suas violações de direitos humanos e pelo comportamento ditatorial do príncipe herdeiro e primeiro-ministro Mohammad bin Salman.

Com a chegada dos jogadores renomados ao futebol árabe, os holofotes estarão voltados para a competição e tudo indica que ela será assistida como nunca, já que até o ano passado nenhum canal de televisão no Brasil possuía os direitos de transmissão. Rodrigo Gomes, flamenguista e fanatico por futebol, disse não ter costume de assistir aos jogos sauditas nas horas vagas, mas a chegada de Karim Benzema o motivou a buscar mais informações sobre o campeonato. 

“Eu sou fã do Benzema desde a época do Lyon. Acompanhei o jogador no Real Madrid e na Arábia Saudita não será diferente. Achei interessante que grandes jogadores estarão indo para lá também, assim poderei continuar assistindo ao futebol de alto nível”.

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