Entenda a influência das redes nos hábitos de leitura dos jovens e no fechamento de livrarias físicas

Por Júlia Martins

“Sai desse celular”, “Você fica o dia inteiro nesse computador”, ou “Só quer saber de internet”, são frases frequentemente ouvidas pela geração Z, e parte dos millennials, durante sua juventude. A internet continua sendo vista por muitos como um mecanismo de alienação e de futilidade. Entretanto, principalmente durante a pandemia da covid 19, ela serviu como uma grande ferramenta de incentivo à leitura através das redes sociais. Essa nova onda de leitores agitou e transformou o mercado literário, porém, o movimento não foi forte o suficiente para cessar a crise do fechamento das livrarias físicas.

Durante o período de distanciamento social, sem poder sair de casa, os jovens encontraram nas redes sociais um meio de distração. O Youtube, o Instagram e, principalmente, o TikTok, bombaram com diversos tipos de conteúdo, criados tanto por influencers como por novos usuários. O algoritmo do TikTok, por exemplo, permite a rápida viralização de conteúdos, fazendo com que qualquer um possa produzir e fazer sucesso na rede. Isso impulsionou a criação de várias comunidades no aplicativo, sendo o nicho de leitores, chamado por eles de “BookTok”, bem presente. 

A estudante de psicologia Ana Carolina, de 22 anos, conta que desde adolescente teve o hábito de ler, porém, foi durante a pandemia que o seu ritmo de leitura aumentou, chegando a ler cerca de 80 livros em um ano. “Durante a pandemia eu li muito mais do que lia antes, principalmente em 2020 e 2021, quando eu realmente só queria ficar lendo o dia todo e conversando sobre livros”, diz Ana. A estudante ainda conta que era influenciada totalmente pelas “trends” nas redes sociais, isto é, livros que estavam em alta e sendo muito comentados dentre os perfis seguidos por ela.

Já a produtora de conteúdo Lizandra, de 22 anos, afirma que tinha o hábito de leitura desde criança e que, durante a pandemia, os livros lhe faziam companhia e  eram uma válvula de escape de tudo que estava acontecendo no mundo. “O livro se tornou uma forma de acolhimento também, poder viver novas experiências, conhecer novas coisas e novas culturas, saber sobre países… se tornou uma forma de poder sair de casa, né? Viajar sem sair de fato de casa”. Assim surgiu a ideia de transformar seu blog de resenhas em um canal no Youtube, o “Viagens da Likka”. 

Com o bombardeamento de conteúdos literários nas redes, os jovens têm influência e incentivo para leituras de todos os tipos. O crescimento do gosto por livros ficou nítido nos corredores lotados da Bienal de 2022, por exemplo.. De acordo com a organização, os números de visitantes da primeira edição presencial após a pandemia superaram os de 2018, contabilizando um total de 660 mil pessoas, 10% a mais do que na última edição. No panorama nacional, o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e a Nielsen Book revelaram, em pesquisa, um aumento de quase 3% na venda de livros no Brasil em 2022 em relação ao ano anterior, totalizando 58,61 milhões de livros vendidos.

Mas onde esses livros estão sendo comercializados?

Junto do restante do comércio, as livrarias físicas sofreram uma grande crise durante a pandemia, sem a visita dos clientes. A livraria Blooks, desde 2016 no Reserva Cultural de Niterói, não conseguiu se recuperar do estrago provocado pelo isolamento social e está se despedindo do lugar. “Basicamente, a nossa saída daqui está relacionada ao nosso faturamento, que caiu 70%. Vendemos 30% do que a gente vendia antes da pandemia”, afirma o livreiro Marcos Phelipe, funcionário da Blooks. O espaço não conseguiu uma negociação durante o período de restrição do comércio, acumulando, assim, uma dívida difícil de superar. A loja se mudou para outro local, o Centro de Artes da UFF, num espaço bem mais reduzido.

Livraria Blooks no antigo endereço no Reserva Cultural. 
Foto: reprodução/ O Globo

A livraria Blooks não é a única com problemas financeiros. A crise das livrarias assombra esse polo cultural há um tempo. Em 2018, Cultura e Saraiva, dois grandes nomes do mercado literário, pediram recuperação judicial. Nesse processo, as empresas em crise tentam um acordo com os credores (empresas ou organizações que têm dinheiro a receber) para negociar a dívida, suspender temporariamente as cobranças e apresentar uma estratégia de recuperação, tudo supervisionado pela justiça. Em 2023 a justiça decretou falência da Cultura, e a Saraiva ainda luta contra essa possibilidade.

Entretanto, diferentemente da Blooks, a Cultura e a Saraiva se tornaram mega lojas, vendendo também brinquedos, aparelhos tecnológicos, artigos de papelaria e presentes em geral. As formas de comércio mudaram, o que influenciou diretamente nos custos, na perspectiva de lucrar e na organização da loja. As dívidas envolviam outros setores agora, além das editoras. Nessa nova logística, os livreiros não são mais uma prioridade, contratando-se, assim, funcionários sem experiência com livros para trabalhar em livrarias. O importante passou a ser bater a meta de lucro no final do mês, seja vendendo livros, presentes ou eletrônicos.

O novo formato dessas antigas e renomadas livrarias tirou o foco do que o público quer: livros. Dessa maneira, livrarias autênticas, segmentadas ou sebos têm a preferência dos clientes, diz a leitora Ana Carolina. São espaços menores, com acervo mais apurado e um público alvo específico que fazem mais sucesso. Isso quando eles não estão enfrentando um outro grande desafio: o aumento das compras pela internet.

De acordo com o livreiro da Blooks, outro grande problema para a permanência da loja no antigo endereço é o favoritismo dos leitores pela compra na Amazon. Depois da pandemia, o hábito das compras online aumentou, inclusive na classe média, o público alvo da livraria. Marcos relata um padrão entre os clientes: eles procuram pelo livro, consultam o preço, se espantam com o valor e dizem que “na internet tá mais barato”. Segundo o funcionário, isso é muito cansativo, pois por trás do valor do livro existe todo um trabalho e um custo que não tem na internet, como o aluguel do espaço, o serviço do livreiro, um ambiente com ar condicionado e curadoria de livros localizado num polo cultural. “A livraria física, hoje, virou um showroom da Amazon, a verdade é essa”, acrescenta Marcos.

Foto: Pexels

Por ser uma mega empresa internacional  cujo dono, Jeff Bezos, reúne uma fortuna de mais de 100 bilhões de dólares, a Amazon pode vender livros com preços muito mais baixos. Essa prática chamada dumping consiste na venda de produtos abaixo do preço de produção para acabar com a concorrência e conquistar o maior pedaço do mercado. Ou seja, os livros podem ser vendidos mais baratos do que a própria editora vende.

Somado ao menor preço dos livros, a internet também trouxe outro diferencial para o mercado literário: os livros digitais. As leitoras Ana Carolina e Lizandra, apesar de amarem livrarias, costumam comprar exemplares físicos pela internet, porém, leem muito mais e-books. “O meu momento de leitura favorito é antes de dormir e eu gosto de ler confortável, então com o meu Kindle eu consigo ler no escuro deitadinha na minha cama e não tenho problema de ficar com livro físico, de ter que passar a página, de ter que estar com a luz acesa”, afirma Ana. 

O dispositivo Kindle é um leitor digital exclusivo da Amazon, cujos livros comprados pela plataforma vão direto para o aparelho. As edições mais recentes do leitor possuem luz interna própria para a leitura no escuro, proteção à prova d’água e uma tela confortável à vista. A empresa possui um pacote similar a uma biblioteca virtual, o Kindle Unlimited, no qual o leitor paga um valor mensal e tem acesso a milhares de exemplares virtuais. Todos os livros digitais obtidos pela Amazon podem ser lidos tanto no aparelho Kindle quanto no aplicativo para celular “Meu Kindle”, ampliando ainda mais as possibilidades de clientes. 

A leitora Lizandra tem dado preferência à leitura de livros digitais tanto por serem mais econômicos quanto práticos. Além disso, ela acrescenta que existem muitos livros de novos escritores publicados apenas em e-book. “Muitos autores independentes publicam dessa maneira porque não tem como publicar a versão física. Então quando você lê e-book, você tem  oportunidade de conhecer livros que não são tão divulgados e dá oportunidade para esses autores também”.

Outro fato curioso que favorece a compra dos livros digitais é a economia de espaço. Com o ritmo constante de leitura, as estantes começam a ficar abarrotadas e Lizandra conta ficar sem espaço. Todavia, ela não é a única que pensa dessa forma. Em outubro de 2022, a influenciadora digital Pam Gonçalves publicou um vídeo em seu canal no youtube dizendo doar todos os seus livros físicos, incluindo os mais especiais. Pam, que tem 347 mil inscritos no seu canal de leitura, diz estar cansada de acumular livros. 

Foto: Captura de tela do Youtube

No vídeo com mais de 55 mil visualizações, a produtora de conteúdo conta que teve uma infância pobre e sempre sonhou com uma estante abarrotada de livros como a do filme ‘A Bela e a Fera’, da Disney. Aos poucos, Pam foi aumentando sua renda e comprando seus amados livros que, na época do vídeo, não cabiam na sua própria casa e ficavam, em parte, na casa dos pais. Isso começou a incomodar a leitora, ao perceber o acúmulo de coisas que ia contra sua filosofia de vida.

Pensando nisso, Pam decidiu doar todos os livros físicos e ficar apenas com os digitais, que não ocupam espaço. Quando perguntada sobre o consumo de livros físicos, a influenciadora disse que não pretende parar de comprar, mas que irá doar assim que terminar de ler. Outra mudança em sua vida foi parar de esperar por grandes liquidações da Amazon. Ela diz que isso só a fazia acumular livros, já que comprava em grande quantidade e alguns exemplares eram esquecidos na estante.

O novo estilo de vida mais minimalista de Pam chegou a milhares de internautas. Se eles vão ser adeptos a esse comportamento ou não, fica a critério particular, mas se o conteúdo chegou até  eles é porque o algoritmo encontrou alguma afinidade. Esse sistema de comandos direciona os perfis para consumirem sempre materiais do seu próprio gosto na internet. Uma desvantagem é a criação das chamadas bolhas sociais, nas quais o indivíduo fica rodeado apenas de conteúdos do seu gosto e não tem contato com o diferente.

 Para o livreiro Marcos, as bolhas são uma grande desvantagem de consumir livros apenas pela internet. “[Os algoritmos ]  não vão fazer você expandir ou ter contato com outras coisas. Não tem dicas, a não ser do TikTok, que também é por algoritmo.” A influência do Tiktok no consumo literário já chegou nas livrarias que providenciam os livros famosos na plataforma e até reservam uma sessão só pra eles.

Sessão de livros do TikTok na livraria. Reprodução: Twitter/@desastredastar

Essa não foi a primeira e nem será a última adaptação das livrarias ao mercado literário. A manutenção dessas lojas físicas vai além da preferência do consumidor, também precisa de investimentos.Ainda assim, esse polo cultural têm um espaço muito importante na vida de algumas pessoas. “Estar na livraria rodeada de livros, de pessoas que amam ler, conseguir tocar no livro…é uma experiência muito boa”, completa Ana Carolina. 

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