Por Yasmin Ramalho

Um disco que gira em um prato e é lido através da agulha de uma vitrola, uma tecnologia mecânica incompreensível para muitos, mas que guarda um mundo de encantos e uma cultura plural. Os discos de vinil surgiram em 1948, mas continuam proporcionando experiências e sonoridades únicas para os amantes da música.

Inventado pelo engenheiro Peter Carl Goldmark, então funcionário da Columbia Records, buscava implementar um armazenamento de mídia que garantisse uma melhor qualidade do som em comparação aos antigos discos de 78 rpm (rotações por minuto).

Reduzindo a velocidade para 33 1/3 rpm, a nova mídia possibilitou uma maior capacidade de gravação, até 30 minutos por cada lado do disco, o que permitiu que artistas gravassem trabalhos inteiros nesta nova formatação de longa duração (LP ou Long Playing, na sigla em Inglês).

Desde então, o vinil se tornou uma das principais mídias físicas, junto com as fitas cassete (sobretudo nas décadas de 1970 e 1980). Mas este formato não é apenas o preferido dos amantes da música do século passado, é também um dos queridinhos de artistas contemporâneos como Taylor Swift, Duda Beat, Arctic Monkeys e outros nomes que lançam seus novos trabalhos já pensando em edições especiais em LP.

No ano passado, a edição em vinil do álbum Midnight, da cantora Taylor Swift, quebrou recordes de vendas. Foram cerca de 800 mil LPs comercializados até o final de 2022, de acordo com a revista britânica NME, sendo também o vinil mais vendido no século XXI.

Géllo, dono da Only Music, loja especializada em discos de vinil localizada no centro do Rio de Janeiro, conta que diariamente recebe muitos turistas, estudantes e jovens que procuram por música brasileira e clássicos internacionais.

“Hoje em dia entram famílias aqui na loja que geralmente estão acompanhando seus filhos e suas filhas mais jovens que vieram procurar discos. Eles têm essa curiosidade e vêm também pela experiência que o vinil proporciona”, afirmou ele.

A loja foi fundada em 1993 por Géllo e seu irmão, Ricardo, que na época já eram DJs e trocavam e vendiam discos. A primeira sede foi no bairro de Madureira, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Desde então, passaram por outros endereços até se fixarem na Rua Sete de Setembro, número 204.

Amantes do vinil garimpam LPs no grande e variado acervo da Only Music, no Rio de Janeiro

Durante o período da alta dos CDs, na década de 1990, os irmãos aproveitaram para reforçar seus estoques, sobretudo com o gênero Disco. Foi nesse momento que eles garantiram uma maior diversidade no acervo.

“Eu e o Ricardo nunca deixamos de acreditar no vinil. Quem gosta do ‘bolachão’ nunca parou de comprar. Temos clientes hoje que já estavam ali com a gente na nossa primeira loja e hoje trazem seus filhos pra essa cultura”, completou Géllo.

Para Jonas, funcionário da Only Music, os LPs se destacam por suas características únicas.

“O vinil é o melhor formato para se ter em questão de durabilidade, em comparação ao CD ou qualquer outro. Sem contar a experiência de abrir, tirar da capa, sentir o cheiro. Eu tenho um disco de 1977 que a minha mãe me deu. Ela faleceu em 1994, mas o disco tá comigo até hoje. É eterno, o vinil fica como uma lembrança, uma história das gerações”, disse.

Jonas mencionou que figuras importantes da música nacional e internacional frequentam a loja, como o DJ Meme, conceituado no Brasil e fora do país.

“Ele conta pra gente que às vezes acha coisas aqui que não consegue encontrar lá fora”, acrescentou, dizendo que muitos DJs de outras nacionalidades procuram discos brasileiros para suas coleções.

Um exemplo dessa busca ocorreu no ano passado, quando o músico e produtor Jack White aproveitou a agenda de shows no Brasil para comprar discos de vinil de um comerciante na Avenida Paulista. O cantor é dono da gravadora Third Man Records, que também possui prensas para a produção de LPs.

“Estamos em uma época muito boa de valorização do vinil, não só no Brasil, mas no mundo. Muita gente de fora nos encontra pela Internet e já vem direto aqui. Mesmo as pessoas que utilizam as plataformas digitais estão comprando vinil, porque estão se interessando por esse formato. Também por isso o vinil nunca deixou de ter o seu valor”, afirmou Alexandre, colecionador de LPs e também funcionário da Only Music.

Seja pela rápida deterioração do CD ou a superficialidade das plataformas digitais, tanto Géllo quanto Jonas e Alexandre concordaram com uma premissa: a de que o vinil já vem com uma história a ser contada.

“Ele traz curiosidade. Por isso eu acho que o vinil ainda vai perdurar por um bom tempo”, completou Jonas.

O ressurgimento dos LPs

Enquanto os discos de vinil nunca pararam de ser fabricados e comercializados fora do país, sobretudo nos Estados Unidos, Japão e na Europa, no Brasil, a realidade foi outra. Em 2007, a única fábrica de LPs da América Latina, a Polysom, faliu, deixando um vazio para os amantes dos “bolachões”.

No entanto, com um expressivo crescimento no número de vendas no exterior, a fábrica foi reativada dois anos mais tarde, após ser comprada pela gravadora DeckDisc. Desde então, é a mais antiga do país ainda em funcionamento.

O ano de 2014 representou um marco importante para esta indústria. Foram vendidos 9,2 milhões de LPs nos Estados Unidos, um aumento de 53% em relação ao ano anterior, de acordo com o Terra, um número bastante expressivo, considerando também a baixa comercialização de CDs em solo estadunidense. Segundo o G1, especialistas analisaram o movimento como uma mudança de comportamento na forma de ouvir música.

Em 2017, a Polysom deixou de ser a única fábrica de discos de vinil em território nacional com a inauguração da Vinil Brasil, em São Paulo, que resgatou prensas antigas e inseriu novos formatos e tecnologias para fomentar a produção dos LPs. Atualmente, o território brasileiro conta ainda com a Rocinante, fábrica e gravadora inaugurada em Petrópolis, no Rio de Janeiro, em 2022.

De acordo com a Agência Brasil, um levantamento da Associação Americana da Indústria de Gravação (RIAA) mostrou que foram vendidos 41 milhões de discos de vinil em 2022 nos Estados Unidos, em comparação aos 33 milhões de CDs comercializados no país. Essa foi a primeira vez que o vinil ultrapassou a venda de CDs desde 1987, cinco anos após o formato de mídia estrear mundialmente nas prateleiras das lojas.

As principais gravadoras também apostaram em iniciativas para surfar nesta onda. No ano passado, a Universal Music lançou o Clube do Vinil, um serviço de assinatura em que os membros recebem mensalmente um LP de clássicos da música nacional e internacional selecionado pelo curador do projeto, Charles Gavin, ex-baterista da banda Titãs e Ira e apresentador do programa O Som do Vinil, disponível no Globoplay.

Além disso, a empresa também possui a Universal Music Store, uma loja online que vende produtos de seus artistas e que conta com uma infinidade de discos de vinil.

Outra prática comum das gigantes da indústria fonográfica para fomentar a grande procura por este tipo de mídia é o lançamento de novos LPs de obras clássicas em edições especiais, com discos coloridos e diferenciados, além de encartes exclusivos, gerando ainda mais valor ao formato.

Por dentro da cultura do vinil

Colecionador de LPs e DJ, Wagner é um dos fundadores do evento Amigos do Vinil | Foto: Acervo Pessoal

Wagner Ramalho é colecionador de discos de vinil e conta com mais de 200 em seu acervo, em que predominam os gêneros Boogie, Disco, Funk e Soul. 

O gosto pelo formato começou quando ainda era criança, ouvindo rádio. Posteriormente, já na fase da adolescência, passou a ir a festas e conhecer pessoas de fora do país que traziam LPs para o Brasil, o que despertou sua curiosidade. Tornou-se então distribuidor de discos entre as décadas de 1980 e 1990. O comerciante criou o ritual de carimbar todos os vinis que vendia, deixando a marca “DJ Wagner” em todas as suas peças.

Coincidentemente, Alexandre, funcionário da Only Music, contou ter vários discos que passaram pelas mãos de Wagner, mesmo não o conhecendo, o que mostra a proximidade e singularidade da cultura do vinil no Rio de Janeiro através dos tempos.

“O que acho mais especial do vinil é a sonoridade do disco em comparação ao CD ou outro tipo de mídia. A experiência de poder apreciar a capa, os encartes, o formato do vinil, tudo isso sempre foi muito marcante para mim”, contou Wagner.

Junto a um grupo de amigos apaixonados pelos “bolachões”, o comerciante fundou o evento Amigos do Vinil, que desde 2011 realiza encontros sempre no segundo domingo de cada mês. Das 12h da tarde às 22h da noite, cerca de 25 DJs apresentam seus repertórios para mais de 150 pessoas que frequentam as reuniões, sempre realizadas em Jacarepaguá.

DJs e frequentadores do evento reunidos em uma das edições na Taquara, Zona Oeste do Rio de Janeiro | Foto: Acervo Pessoal

Outro amante dos LPs é o radialista Diego Franchi, também conhecido como DJ Crazy Knees. Sua trajetória nas pick-ups começou através da dança, por influência do pai, que fazia parte do grupo Funk Brothers a apresentou o mundo da música ao filho.

Nos 14 anos como DJ, Diego já trabalhou em emissoras de rádio e atualmente cria projetos on e offline nas pistas de dança de São Paulo. Um de seus eventos é a festa Boogie Wonderland, criada em parceria com o DJ Marco em 2019, com o objetivo de celebrar os ritmos Boogie, Disco, Funk e Soul. 

Durante o período da pandemia de covid-19, a festa foi lançada virtualmente, através de lives na Twitch e ganhou o coração dos seguidores. No final de 2021, já no modelo presencial, o evento-teste deu tão certo que passaram a realizá-la semanalmente, fazendo um giro por diversos bares e clubes da cidade de São Paulo.

Com um público com a média de idade que varia desde jovens de 16 a 20 anos a adultos entre 20, 30 e 40 anos de idade, os DJs Crazy Knees e Marco convocam o público a exibir seus passinhos na pista, reunindo pessoas apaixonadas pela cultura Boogie e Hip-Hop, assim como pelos estilos de dança Popping, Locking e Waacking.

“A motivação da Boogie surgiu através de um desejo muito pessoal meu, de eternizar essa cultura dos bailes da década de 70 e 80. Eu enxergo essa época como uma época de ouro pra música. Sons totalmente pra cima, animados, que fazem o corpo se mexer sozinho. Por ter crescido com uma referência em casa, pensei em eternizar isso de alguma forma e a Boogie é isso, uma festa para apaixonados por música e dança, mas isso está se expandindo para outras comunidades que conversam diretamente com o estilo musical que trabalhamos e isso é fantástico!”, conta o DJ.

DJ Crazy Knees exibe um de seus vinis durante uma edição da Boogie Wonderland em São Paulo, SP | Foto por: @manosdeldiablo

São Paulo, como uma capital multicultural, parece ter uma cultura mais consolidada em eventos que celebram o vinil. Além da Boogie Wonderland, outro evento já virou queridinho entre o público paulistano, o caso da festa Discopédia, que celebra a “Música Preta de Todas as Formas” desde 2012 e promove um repertório 100% em LP.

As edições acontecem semanalmente, sempre com especiais dedicados a figuras importantes da música. Com toca-discos comandados pelos DJs Nyack, Marco e DanDan, nomes já conceituados no cenário musical brasileiro, o público lota a pista fazendo seus passinhos e coreografias em massa que mais parecem um flash mob, retrato que é transmitido frequentemente através de lives no Instagram e streams na Twitch.

“Discotecar no vinil é um símbolo de resistência. Eu sou totalmente adepto às tecnologias e acho fantástico como os equipamentos se aprimoraram e mudaram com o passar dos anos. Tocar com vinil é respeitar a história e trajetória que o Hip-Hop atravessou todos esses anos, é sentir a música na palma da sua mão e estar no controle da situação. Esse é o meu real sentimento quando estou tocando”, finaliza Diego.

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