Dez anos atrás, era engraçado; hoje, é ‘cringe’. Entenda a influência do desenvolvimento tecnológico no ciclo de vida dos memes.

Por Yuri Neri

O ano era 2012. O atual estudante de direito Gabriel Mariano — na época, apenas um aluno do Ensino Fundamental do Colégio Militar de Recife — chegava da escola, almoçava e se sentava em frente ao computador. Com os olhos vidrados na tela, passava horas acessando seus blogs e páginas do Facebook favoritos, rindo de figuras, textos, imagens e vídeos conhecidos como memes. “Eu gostava do Troll Face, do Me Gusta e do meme do Yao Ming. Também usava muito aquele do Freddie Mercury, mas sabia o nome e me divertia com todos”, comenta o estudante.

Hoje, caso Mariano se depare com algum desses personagens, é provável que ele não esboce um mísero sorriso. Os memes de 2012 tornaram-se ultrapassados e podem ser vistos, inclusive, por muitos adolescentes de hoje como “cringes”. “Meu irmão tem 12 anos e não conhece nenhum desses memes. Tenho até vergonha de mostrar pra ele”, complementa.

Engana-se, contudo, quem pensa que Mariano não gasta preciosos minutos de sua vida, atualmente, rindo dos pixels de seu celular. “Hoje, passo muito tempo assistindo àqueles vídeos de Reels no Instagram. Eles aparecem no ‘Explorar’ e são bem variados dependendo do que você consome na rede social. Para mim, surgem shitposts e piadas aleatórias justamente dos assuntos que eu gosto. Os memes mudaram muito: é como se tivesse acontecido um ‘darwinismo memético'”, brinca o estudante.

Nasce, cresce, se reproduz e morre

A primeira aparição da palavra meme está no livro “The Selfish Gene”, do etólogo Richard Dawkins. Nele, o estudioso faz um paralelo com a genética para explicar que os memes são nada mais do que unidades auto-replicantes que transportam informações e funcionam, de certa forma, como uma unidade de transmissão cultural. Não à toa, o nome é inspirado no grego “mimesis”, que significa “imitação”. Para fazer um trocadilho com a palavra “gene”, o etólogo resumiu o termo para “meme”, ou seja, criou um meme para desenvolver o próprio conceito.

O estudo desse fenômeno hoje é coisa séria. Quase 50 anos depois da publicação de Dawkins, não é raro encontrar trabalhos acadêmicos de diversas áreas — como letras, pedagogia ou comunicação social — sobre o assunto. Existe, inclusive, uma ciência que se dedica a estudar os memes, batizada de “memética”. No entanto, alguns estudiosos defendem que se trata de uma pseudociência, embora o termo mais apropriado seja, provavelmente, uma “ciência-meme”. 

Os memes podem ser entendidos, de forma muito simplificada, como informações e conteúdos lúdicos que se espalham entre os internautas dentro ou fora da Internet. Eles podem ser “internos”, quando só fazem sentido dentro de um grupo específico de amigos, ou “gerais”, quando são acessíveis para diferentes tipos de perfis. Sobre esse segundo caso, há uma outra referência à biologia para caracterizar esse comportamento: a viralização. Uma publicação “viraliza” quando recebe muitas curtidas e compartilhamentos, contaminando inúmeros usuários por meio dos pixels na tela — e, para isso, não existe vacina.

Assim como seres vivos que contêm genes ou como os vírus, um meme também nasce, cresce, se reproduz e morre. É o que Maria Clara Aquino Bittencourt e Christian Gonzatt explicam no artigo “O ciclo de vida de um meme: Delineamentos para o espalhamento a partir do ciberacontecimento em torno do caso da capivara-cachorro“. O seu nascimento pode ter inúmeras origens, como fotos, vídeos, músicas, piadas, danças, publicações ou tudo que a criatividade dos internautas permitir imaginar. No artigo, eles analisaram o meme  da “Capivara-cachorro”, que nasceu de uma publicação no Facebook em que um homem resgatou uma capivara da rua ao pensar que se tratava de um canino. 

O meme da capivara-cachorro teve repercussão em sites jornalísticos como o R7

Depois de vir ao mundo, o meme se espalha e transita entre diferentes redes sociais. Em casos específicos, o conteúdo ganha espaço até em grandes veículos de comunicação, tornando-se um “ciberacontecimento”. Nessa fase, o fenômeno já tem diferentes interpretações e variações e já se reproduziu semioticamente no imaginário popular virtual. Depois, com a chegada de novos memes, ele naturalmente perde espaço até “ser esquecido”.

O ciclo de vida de um meme

A complexa biosfera memética fez esse tipo de conteúdo se espalhar por praticamente todos os ambientes virtuais. Nem mesmo a Alexa, a assistente virtual da Amazon, escapa do vírus cultural que são os memes — tanto que um dos possíveis comandos que os usuários podem solicitar ao dispositivo é “Alexa, imite a Aracy da Top Therm”. Além disso, sites jornalísticos, anúncios publicitários, jogos online e muitos outros conteúdos também se aproveitam dos memes que nascem nas redes sociais. 

Apesar de serem encontrados em proporção semelhante em plataformas como Instagram, Twitter e TikTok, os memes de cada um dos apps se diferenciam entre si.  No Instagram, é possível encontrar, por exemplo, um carrossel da Melted Videos (@meltedvideos) com um compilado dos melhores memes da semana, conhecido como “o prensadão da Melted“. No Twitter, por outro lado, o local em que os virais geralmente nascem, os vídeos meméticos costumam ser postados separadamente. No TikTok, também será possível encontrar conteúdos semelhantes, só que cortados para encaixarem no formato vertical. Ou seja, as unidades auto-replicantes já se replicaram por toda a Internet, mas se mutaram para se adaptar a cada ambiente.

O “prensadão” da Melted. Reprodução/Instagram

“É engraçado perceber que um meme tem uma repercussão específica no Twitter e, depois, quando ele chega ao Instagram, as pessoas têm uma interpretação totalmente diferente. E se ele chegar ao WhatsApp então, ele já vai ter variado mais ainda”, reflete Mariano.

Memes são conexão

Na adolescência de Gabriel Mariano, era preciso sair da escola, esperar chegar em casa, ligar o computador e aguardar uma Internet bastante instável carregar as imagens e os vídeos a que ele gostava de assistir. Atualmente, no entanto, é possível consumir memes dentro da sala de aula, no trabalho, durante o transporte público e em qualquer pausa que se possa imaginar.  

O aumento no uso de redes sociais e a disponibilidade de ferramentas para criar, compartilhar e consumir conteúdo são, segundo a editora de Softwares do TechTudo, Carolina Zanatta, responsáveis pela diferença entre os memes atuais e os antigos. “Antes do surgimento do YouTube, uma entrevista engraçadinha em um veículo regional até poderia virar uma piada entre os habitantes daquela cidade, mas ela dificilmente cairia na web e viralizaria. Atualmente, temos uma maior disponibilidade de ferramentas, que possibilitam um fluxo maior de memes — e, consequentemente, tudo vira meme”, afirma. 

A jornalista ainda cita o acesso à Internet como um fator importante para o debate. No ano 2000, menos de 6% da população brasileira conseguia se conectar; hoje, esse número avançou para 84%. Além disso, atualmente, a maioria dos brasileiros usam a Internet pelo celular, um dispositivo que cabe no bolso e pode ser acessado em qualquer momento do dia — diferente dos computadores, o aparelho mais comum entre os internautas no final do século passado. 

Um dos memes mais famosos da Internet, o do Chico Buarque rindo, nasceu a partir da capa de seu primeiro disco

Para Zanatta, a maior penetração de usuários na Internet alterou o fluxo e o ciclo de vida dos memes. “Hoje em dia, é muito mais fácil ver um meme supersaturado nas redes. Ele pode começar hoje e, no dia seguinte, todo mundo pode já estar compartilhando incansavelmente. Antes, o processo era mais lento e demorava mais tempo para ele percorrer a própria rede em que nascia, porque havia menos gente — então, à medida que ele se popularizava, as pessoas não se cansavam dele”, comenta a jornalista. 

A especialista também diz que o prazo de validade dos memes pode ser antecipado dependendo de quem os utiliza. “Se uma pessoa ‘cancelada’ ou uma empresa abraça um meme, ele vira ‘cringe’, como dizem os jovens. Além disso, também é sempre válido analisar como o conteúdo viralizou, que tipo de usuário o compartilha e as mensagens por trás do meme”, reflete.

Ainda segundo a jornalista, a morte de um meme não é o fim de sua vida. “Para mim, o meme é como a moda. Havia um momento em que as calças de cintura baixa eram bregas, mas, em 2023, todas as meninas famosas do TikTok a utilizam. Então, na minha visão, tudo é passível de ir e voltar, inclusive os memes”, comenta Zanatta. Até porque, assim como uma antiga página de memes do Facebook estampava em seu título, “Os mitos nunca morrem, só descansam para mitarem novamente”.

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