Empresas tentam voltar a investir na adaptação de seus serviços para atender clientes com limitações.

A locomoção é parte essencial do turismo e pessoas que possuem dificuldade de mobilidade vão pensar nessa questão ao querer visitar uma região nova. Se um cadeirante tem o desejo de viajar, ele vai pesquisar por pontos turísticos de fácil acesso, que tenham rampas e trajeto plano, assim como uma pessoa cega vai visitar locais que tenham guias que possam  acompanhá-los ou, pelo menos, locais com  informações em Braille. 

De acordo com a Comissão Europeia e a EuroStat, o número de deficientes na Europa chega a 87 milhões de pessoas e, até 2012, turistas com limitações físicas ou mentais contribuíram com cerca de 400 milhões de euros, promovendo por volta de 9 milhões de postos de trabalho. Para participar deste mercado de modo mais incisivo, Portugal passou  a estimular a adaptação de empresas de turismo para atender o aumento de viajantes com limitações físicas ou mentais, assim se tornando uma referência no atendimento inclusivo.

O mercado do turismo em Portugal

Os primeiros projetos de acessibilidade começaram em 2006. E nos anos seguintes foram criadas várias ações visando adaptar as empresas e os espaços para a recepção desses turistas, como informa o pesquisador Nuno Leal, que faz parte do Departamento de Economia, Gestão, Engenharia Industrial e Turismo da Universidade de Aveiro:

“Nos projetos que implementamos em Portugal, promovidos pela Accessible Portugal, como o Access TUR, Inclusiv TUR ou o Algarve For All, foram consideradas uma série de atividades que incluíam também oficinas de conscientização, trabalhos em rede entre o público-alvo do sistema turístico local, criação de clubes de fornecedores, elaboração de um kit multi formato que inclui uma série de instrumentos de comunicação acerca de uma determinada atração, como audiodescrição, informação em relevo para o braille e escrita simples, pictográfica, formação e treino em atendimento inclusivo (presencial e EaD), kit de educação para as escolas, entre outras”, ressaltou Nuno Leal..

Em 2019, Portugal recebeu da OMT (Organização Mundial do Turismo) o título de melhor destino turístico acessível, como um reconhecimento aos destinos que se adaptaram para todos os tipos de turistas, de acordo com a organização. 

Essa busca pelo avanço para um turismo mais acessível foi influenciada pela importância do setor para a economia portuguesa. Em 2022, o turismo rendeu 37,8 bilhões de euros ou 202,3 bilhões de reais de acordo com a cotação atual. Esse número representa quase 16% da economia do país. E mesmo que ainda não tenha atingido o patamar de 2019, que ficou 5,7% maior do que o atual, a previsão é que ele seja ultrapassado ao final de 2023, de acordo com uma pesquisa de junho do Conselho Mundial de Viagem e Turismo (WTTC). 

ANO% DO TURISMO NO PIB DE PORTUGALARRECADAÇÃO DO SETOR DE TURISMO EM BILHÕES DE REAIS
201917,3%214,7
202215,8%202,3

Novos perfis

Para além das pessoas com deficiência, esse mercado pode suprir a demanda de outros grupos, como as famílias com crianças pequenas, grávidas em estado avançado de gestação, obesos e os idosos.  Nuno Leal ainda ressalta pontos positivos desse público e que impactam nos ganhos das empresas: 

“Uma das principais características é o efeito multiplicador dos acompanhantes, isto é, raramente viajam sozinhos, fazendo-se acompanhar de 1 a 2 pessoas (com impacto positivo nas receitas) e, se tudo correr bem, a taxa de fidelização será superior à média. O grupo de pessoas tendencialmente prefere destinos onde sabem que as suas necessidades especiais de acesso são correspondidas com qualidade”, comentou Nuno. Ainda de acordo com o pesquisador, esse grupo viaja em época de baixa temporada, diminuindo o efeito de sazonalidade e melhorando a previsibilidade de receitas. 

Envelhecimento do público consumidor

Atender a essas demandas pode parecer algo pequeno, mas é importante para o setor, levando em consideração o envelhecimento da população portuguesa. E, em 2022, o país chegou à marca de 23,4% de idosos, de acordo com a organização de estatísticas da Europa, Eurostat.

Assim, a diversidade de turistas se expande e, com ela, a necessidade de atender a esses perfis. Outro exemplo, em decorrência do envelhecimento, demanda um serviço manual – seja em restaurantes, eventos ou outros – que não dependa só do digital, levando em conta que muitos não são adeptos das tecnologias recentes, como o uso de cardápio em QR Code ou serviços que só possam ser pedidos por um telefone. 

No Brasil 

De acordo com o último censo do IBGE, o Brasil tem 17,3 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, um  número maior que o da população de Portugal, que tem 10 milhões de pessoas. Mesmo assim, o país não é uma referência na acessibilidade turística, pelo contrário, muitos locais são de difícil acesso, sem adaptações ou  com profissionais que não foram bem instruídos. Um exemplo disso ocorreu no evento teste do Rock in Rio em 2022, com o Grupo de Pesquisa e Extensão “Turismo, Hospitalidade e Inclusão” da UFF, que tem como objetivo gerar experiências turísticas para pessoas com deficiência intelectual. Ilma (43) é mãe de uma jovem com síndrome de Down, Lara (27), e relatou que, durante o show, nenhuma das pessoas deficientes ou seus acompanhantes puderam ver as performances do local designado para deficientes: 

“Tinha um espaço no RiR para cadeirantes e deficientes. Simplesmente estava a placa sinalizada para os nossos filhos e eles não puderam ficar ali. Falaram que não estava preparado, mas se não estava preparado porque havia uma sinalização na porta?”, criticou, Ilma. ]

 O grupo de pesquisadores fornece atividades turísticas junto do SESC para alunos do Centro de Apoio à Educação Profissional Favo de Mel

O vice-diretor do curso de Turismo e hotelaria da UFF e orientador do grupo de pesquisa, Carlos Lidizia, relatou que muitas das vezes o mercado só enxerga pessoas com deficiência motora como possíveis clientes e não tenta se adaptar para outros tipos de deficiências, como a visual, a auditiva ou as necessidades de pessoas autistas e com síndrome de Down. O professor afirmou que percebeu isso na prática. Durante o projeto, levaram 20 pessoas neurodivergentes (com síndrome de Down ou autistas) para visitar o Cristo Redentor. Como eles estavam cansados, pediu para colocá-los no elevador e o seu pedido foi negado por um funcionário: “Ele disse que só podia liberar para quem usa cadeira de roda, o conceito dessas pessoas que estão neste equipamento também é desatualizado”, relatou  Carlos.

Contudo, o professor mencionou que isso ocorreu no início do projeto e não houve mais casos parecidos. E relatou em tom positivo que sente uma mudança geral na sociedade em relação ao  preconceito a PcDs. Com isso, acredita que o mercado do turismo brasileiro também se adaptará às demandas de um serviço realizado para todos. “Tem muita coisa para fazer, tem muita coisa para ser melhorada, mas o mínimo evoluiu.”. 

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