Por Isabella Cirne Soares Bernardo de Carvalho

Em um solo árido pela falta e pela invisibilidade brotou Carolina Maria de Jesus, a escritora que catava papel para sobreviver – e não o contrário. Carolina era escritora. Negra, da favela, mãe solo, nascida no início do século passado, quando ser escritora não se apresentava como opção para mulheres como ela. Mas Carolina era.

Como a vida em sua pele era injusta, catava papel em busca de seu sustento e de seus filhos. Mas, a despeito da pesarosa realidade, encontrou mais. Não nos papéis exatamente, mas dentro de si. Encarregou-se de descarregar, nas folhas de cadernos descartados pelas ruas, o mundo que via, como via. Fez daquilo um diário e encontrou ali o espaço que precisava para desaguar. Transformou aquele material descartado em joia preciosa. Do lixo ao livro. Desenhava através das palavras o que seu olhar sensível e perspicaz capturava das nuances do cotidiano que a cercava. Tornou possível um passeio por aquele lugar, na carona de seus olhos e ouvidos atentos às injustiças e hipocrisias – das quais ela tratava a caneta e papel.

Ali Carolina tinha voz. Seu desabafo era percebido integralmente pelas folhas daqueles cadernos. Ali ninguém a interrompia. Penso que tenha sido essa a força condutora do que escorria de seus dedos em forma de palavras. Carolina precisava dizer e só no papel conseguia espaço. Ainda assim, refém da injustiça até o fim, brilhou menos do que merecia. Carolina, de Maria e Jesus, no mínimo merece que preguemos sua palavra.

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