Por Felipe Teófilo 

O futebol é o esporte mais popular do Brasil e o único país pentacampeão do mundo conta com diversas torcidas apaixonadas em todos os estados, que vivem fervorosamente o dia-a-dia do seu clube de coração. De acordo com a pesquisa denominada “O maior raio-x do torcedor” feita pela CNN/Itatiaia/Quaest, 79% dos brasileiros possuem um time. Mas quando a torcida se torna fanatismo, as frustrações causadas por um resultado negativo do time de coração podem trazer complicações à saúde mental.  

 Para o psiquiatra Almir Marcelo Santos, além de afetar o estado mental dos torcedores, o futebol também mostra o tipo de sociedade que construímos. “O resultado de uma partida revela muito quem eu sou. Se eu não sei lidar com o sentimento de frustração, eu vou expressar esse sentimento através de uma emoção chamada raiva e essa emoção de raiva, por sua vez, vai se manifestar no comportamento de agressividade, voltada para mim mesmo ou para os outros”. 

O especialista conta que, a Psicologia Social já estuda o fanatismo das massas há cerca de um século. “Quando você está em uma grande aglomeração de pessoas com um objetivo em comum, como é o caso das torcidas de futebol, você tende a sofrer aquilo que se chama de “perda da autoconsciência em grupo”. Isto é, você sofre um processo de “desindividualização”. Você perde a sua autonomia mental e emocional e passa a pensar como em bando. Você passa a ter uma “mentalidade de multidão” e na “mentalidade de multidão” o emocional fala muito alto e o racional fala muito baixo”, explica Almir. 

O exemplo mais recente de como o futebol afeta a saúde mental das pessoas é o caso do Botafogo. Após o time ser o principal candidato para o título do Brasileirão de 2023, uma queda de rendimento histórica praticamente tirou o clube da disputa, deixando os torcedores decepcionados. No dia 12 de agosto, o Botafogo vencia o Internacional de virada por 3×1 e se consagrava detentor do melhor primeiro turno da história do Campeonato Brasileiro. Em 19 jogos, o Glorioso somou 47 pontos de 57 possíveis, um marco de 82% de aproveitamento. 

Muito se comentava na época que só uma campanha catastrófica no segundo turno seria capaz de deixar escapar o título que marcaria o tricampeonato do clube carioca, 28 anos depois da última conquista da competição. Hoje, na trigésima sexta rodada, o Botafogo somou apenas 16 pontos de 51 possíveis. Porém, o que se tem visto não é apenas uma queda de rendimento, ela veio acompanhada de uma sequência de 9 jogos sem vencer, com viradas inesperadas e gols sofridos nos últimos minutos. 

A importância desse título era imensurável para a maioria dos botafoguenses, principalmente os mais jovens, nascidos após 1995, que veriam o seu clube do coração ser campeão pela primeira vez de um título nacional de primeira prateleira.

 A pesquisa “O maior raio-x do torcedor”, mostra que entre os jovens o apego aos clubes de futebol é ainda maior, já que 85% das pessoas entre 16 e 30 anos torcem para um time. Paula Medeiros, de 23 anos, torcedora do Botafogo desde os seus 6 anos, quando foi ao estádio pela primeira vez, viveu intensamente o Brasileirão desse ano. “No início do campeonato eu me recusava a acreditar na possibilidade de ser campeão, apesar de estarmos na liderança desde a terceira rodada. Eu achava que seria algo momentâneo, porém, quando engatamos uma sequência invicta, foi impossível não se envolver com o momento. Foi, certamente, o período mais feliz da minha vida”, afirmou a jovem torcedora. 

Porém, com a virada de chave negativa, o impacto na vida dos torcedores foi devastador. Apesar de já estar vindo de uma sequência de oscilação nos resultados, o jogo mais marcante dessa derrocada foi a virada sofrida contra o Palmeiras. Na partida em questão, o Botafogo foi para o intervalo vencendo por 3×0, após uma atuação marcante. O clima era de euforia causado pelo amplo domínio do clube alvinegro na partida. A expulsão do zagueiro Adryelson aos 31 minutos da segunda etapa gerou a reação histórica do Palmeiras, que virou o jogo com um gol marcado aos 54 minutos pelo atacante argentino Flaco Lopez. “Quando o Botafogo levou o segundo gol do Palmeiras, eu não queria olhar para o campo, já sabia o que viria. No momento da virada, a sensação no peito era de um vazio que eu nunca senti na vida, uma tristeza inconsolável. Fazer as tarefas do dia-a-dia após o jogo tornou-se algo impossível”, afirmou Paula.

Após sair machucado emocionalmente do Nilton Santos com a virada sofrida para o Palmeiras, o torcedor do Botafogo passou por uma sequência de resultados negativos que foi responsável por feri-lo ainda mais. Uma derrota em um clássico contra o Vasco, outra virada sofrida contra o Grêmio após estar vencendo por 3×1 no início do segundo tempo e quatro empates consecutivos, sendo três com gol sofrido nos acréscimos. No último, contra o Coritiba, o Botafogo abriu o placar aos 52 minutos e sofreu o empate aos 54. Para Bernardo Pinho, torcedor fanático do clube, a sensação após o gol marcado pelo Coritiba foi devastadora. “Eu não senti vontade de fazer absolutamente nada, não queria levantar, ir dormir, acordar pra trabalhar no dia seguinte. A dor era um aperto no peito que não foi sentida nem com morte de parentes” comparou. 

No momento que o esporte deixa de ser um simples entretenimento e vira algo que afeta diretamente o dia-a-dia das pessoas, a situação se torna preocupante. Para o psiquiatra Almir Marcelo Santos, saber lidar com a derrota é fundamental para praticar uma torcida saudável. “Se eu preciso a todo custo que o meu time vença e não sei lidar com a derrota, pode ser porque a minha autoestima não esteja boa e eu preciso que o time vença para validar a minha própria autoestima. Lógico que ganhar é bom e perder é ruim. Mas isso não pode se identificar com a minha própria existência. E se estou a perder o controle emocional quando isso acontece, é chegado o momento de rever o que o futebol representa para mim: entretenimento ou questão de vida?”

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