O rap e seu impacto na juventude do Rio de Janeiro

Por: Dayanne Soares

As batalhas de rima tomam conta do Rio de janeiro, sendo protagonizadas na maioria das vezes por jovens negros e periféricos. E não são apenas competições: são espaços de valorização das vozes marginalizadas, com rimas que abordam uma realidade cotidiana muitas vezes marcada por estigmas e violências. 

A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou em segunda discussão um projeto que institui o “Programa Estadual de Batalhas de Rima Educacionais”. Este programa inclui batalhas de rimas nas escolas públicas, promovendo a cultura hip hop e o rap. O governo estadual poderá incentivar a formação e capacitação nessas áreas, com o objetivo de despertar o interesse dos jovens pela cultura e pelo estudo da língua portuguesa. 

“Para mim, hip hop não é só um movimento; é paixão, sonho e futuro. Acredito que ele pode salvar muitas pessoas, assim como me salvou”, afirma a MC Clara Caldeira. 

Clara Caldeira na 2ª Edição da Feira Expositiva do projeto Sobradinho Artístico | Foto: PrimoProds

Clara se envolveu com o hip hop durante a pandemia em Brasília, onde, com amigas grafiteiras, fundou o projeto Sobradinho Artístico. De volta ao Rio de Janeiro, encontrou nas batalhas de hip hop um refúgio e agora é uma das organizadoras da Batalha da Lona no Jardim Catarina, em São Gonçalo, atuando como MC, grafiteira e slammer.

A estrutura das batalhas

O hip hop é um movimento cultural que nasceu no subúrbio de Nova York, entre as comunidades afro-americanas da década de 1970. E ele surge como uma manifestação, perpetuando a cultura urbana e discutindo a realidade social dos jovens. No Brasil, esse movimento tem se espalhado e tomado cidades, ruas e praças. 

A Liga das Rodas Culturais do Rio de Janeiro é uma plataforma que promove diálogo e ação entre as Rodas Culturais do estado. Desde 2017, o número de rodas cadastradas aumentou de 64 para 98, todas compartilhando a identidade hip hop, gestão colaborativa e compromisso comunitário, ocorrendo regularmente em locais públicos específicos.

Essas batalhas continuam inspirando e mobilizando pessoas, demonstrando o potencial da música como ferramenta de mudança e conscientização. Dentro das rodas, encontramos DJs, mestres de cerimônia (MCs), beatmakers, produtores e artistas, construindo um espaço de resistência, da arte e da cultura. 

Existem diferentes formatos, como a batalha tradicional e a batalha bate volta. De forma geral, os MCs podem ser selecionados ou participar por meio de sorteio. A avaliação pode ser feita por jurados ou, como é comum, pela própria plateia, tornando o ambiente democrático. O público decide o vencedor, e o sorteio determina quais novos talentos terão a oportunidade de participar.  

Fundada no bairro Patronato, em São Gonçalo, a Batalha do Tanque foi criada por Luã Gordo, MC, produtor audiovisual, empresário e presidente do selo Caverna do Dragão, junto com Romário Régis, vereador de São Gonçalo. Luã, que desenvolveu e viveu a ideia, deixou a organização em 2015.

O sucesso desses eventos estabeleceu um modelo para batalhas de MC’s no Brasil, incluindo gravação, condução e o uso de espaços públicos para expressão da arte urbana e periférica. “A juventude de São Gonçalo entrou, se desenvolveu, saiu e continuou se alimentando de diversas maneiras ao longo dos últimos dez anos”, segundo Luã.

A Batalha do Tanque acontece todas às quartas-feiras | Foto: Hitalo Chaves

As rodas de rima estão presentes em quase todas as escolas municipais da região hoje em dia. O vereador Romário Régis destaca a contribuição da Batalha do Tanque para a cultura do hip hop: 

“Essa batalha projeta os jovens, meninos que estavam ali e hoje representam São Gonçalo em diversas dimensões”.

Voz das ruas

O rap não apenas aborda temas importantes para a juventude, mas também representa um movimento artístico e cultural vital no Rio de Janeiro. Vai além da música, incorporando grafite, dança de rua e uma variedade de formas de expressão artística.

De acordo com os dados mais recentes, o interesse pelo rap tem crescido significativamente no Brasil nos últimos anos. Entre outubro de 2021 e janeiro de 2022, segundo dados da ONErpm, plataforma de distribuição digital de música e engajamento, o rap e o funk se destacaram como os gêneros dominantes na distribuidora, representando em conjunto 55% do seu Top 100. 

Reconhecendo essa importância, foi aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo, a Lei 498/2021, que reconhece o Hip Hop como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado. Essa decisão destaca a influência do movimento urbano surgido no Bronx, Nova York, nos anos 1970, e sua capacidade de transformar realidades sociais através da arte. 

Fernando Augusto Lopes, de 33 anos, pai de dois filhos, é conhecido nas ruas da Cidade de Deus como DaVasco, em homenagem ao seu time do coração. No palco das batalhas, ele é Daira. Além de ser MC, Daira trabalha como camelô.

MC Daira no aniversário de 5 anos da Batalha da Aldeia | Foto: Pedro Fatore

“Aqui não é só sobre curtir o rap, é sobre entender o poder que temos. Se com recursos limitados já fazemos tanto, imagina com mais apoio? A gente consegue expandir ainda mais, reunir mais pessoas e fazer um trabalho ainda mais impactante. É isso, mano, é amplificar e unir mais”, afirma Daíra.

No cenário carioca, várias batalhas de rima se destacam. A Roda da Canta, em Niterói, reúne batalhas de rimas, sarau e apresentações artísticas na praça da Cantareira, quinzenalmente. Na zona norte do Rio, a Batalha Marginow ocorre semanalmente na biblioteca Marginow, em Madureira. A cidade também é marcada pela Batalha do Coliseu, na Praça da Bandeira, e pela Batalha do Real, com 20 anos de história na Lapa, ambos marcos do movimento, deixando um impacto social e cultural na cidade.

Skip to content