No Brasil, o número de estudantes/mães matriculadas em cursos de graduação tem crescido cada vez mais, no entanto, o ambiente acadêmico não apresenta amparo apropriado para que essas mulheres permaneçam frequentando as aulas

Por Jenyffer Vidal

“Na primeira aula eu perguntei ao professor se eu podia levar meu filho para a universidade, ele me respondeu que dependia. Ele me falou que preferia que eu levasse minha avó do que uma criança. Disse, ainda, que não gostava de criança, por isso não tinha filhos e que preferia animal”.. 

O relato da estudante de administração Paola Roberta, de Macaé, retrata a experiência de muitas mães que tentam retornar à universidade após a maternidade e têm seus planos frustrados. A criação de filhos, especialmente durante os anos iniciais de vida, é um percurso trabalhoso que exige uma dedicação constante. No Brasil, por uma construção cultural, a responsabilidade dos cuidados recai, majoritariamente, sobre as mulheres. Esse contrapeso acarreta enormes consequências para a vida profissional e acadêmica das mães.

Filho da aluna Paola na sala de aula na universidade. / Foto: Paola Roberta

De acordo com o  último Censo da Educação Superior, levantamento realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o número de mulheres matriculadas em cursos de graduação no Brasil em 2022 era aproximadamente 3 milhões, enquanto o quantitativo de homens era de aproximadamente 2,2 milhões.  Esses dados mostram o quanto as mulheres estão em busca de um crescimento intelectual e econômico.

Além de maioria nas universidades, cresce, também, o número de mulheres que cuidam sozinhas de seus filhos. De acordo com o  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),  entre os anos de 2012 e 2022, o Brasil passou a ter 11 milhões de mães solo, destas, 12% são universitárias. Entre as mães solo, 72,4% vivem em domicílios monoparentais, ou seja, onde existe apenas a figura materna, sem auxílio ou uma rede de apoio para ajuda com os filhos. Além da maternidade solo,há, ainda,outros fatores que interagem na vida acadêmica feminina, como raça/cor da pele, deficiência e  sexualidade. Mulheres negras, por exemplo, representam apenas 3% das orientadoras de doutorado nas universidades brasileiras.

Historicamente, a mulher só teve o direito de fazer o ensino superior no final do século XIX. Rita Lobato Velho Lopes (1866- 1954) se tornou, em 1887, a primeira mulher a se graduar no país pela Faculdade de Medicina da Bahia. Esse fato só foi possível após o Decreto Imperial nº 7247 de 19 de abril de 1879, em   vigência a partir de 1881, no qual as estudantes do sexo feminino poderiam adquirir títulos acadêmicos. 

 Rita Lobato Velho Lopes, a primeira mulher a se graduar no Brasil em 1887. Fonte: reprodução

De fato, houve uma evolução no tocante à inserção da mulher no ensino superior, no entanto, os desafios ainda são vultuosos. Camila Cidade que foi estudante do Instituto de Arte e Comunicação Social da UFF (IACS), mas prefere não identificar seu curso, fala de sua experiência como mãe/estudante, “Um professor foi um grande problema na minha vida, não queria crianças nas aulas. Sou mãe solo de gêmeos, e a única coisa que me diferenciava de outras mães menos favorecidas era que sou branca e usamos meu privilégio em nosso favor”. 

Com as experiências difíceis como mãe e aluna, Camila se juntou com as mulheres e começou sua atuação dentro do Coletivo Mães da Universidade Federal Fluminense (UFF) e idealizadora do Núcleo Interseccional em Estudos da Maternidade (NIEM). As organizações vêm organizando lutas que contribuíram para avanços e direitos para as mães no ambiente universitário.. Camila cita algumas conquistas obtidas nos últimos anos:  a revogação da proibição da entrada de mães com crianças no bandejão; o apoio para realização do primeiro seminário nacional sobre maternidade e universidade (realizado por 5 anos consecutivos) e  para os colóquios maternidade e universidade abertura da primeira sala de apoio a mães e a de algumas brinquedotecas e salas de amamentação;  a criação de uma ouvidoria especial para mulheres, através da Comissão Permanente de Equidade de Gênero (Cepeg)  e  mudanças no trâmite do regime excepcional de aprendizagem.

O regime excepcional de aprendizagem é um procedimento previsto no regulamento dos cursos de graduação que tem o objetivo de atender às discentes que se encontram impossibilitadas de comparecer às aulas. É iniciado por meio de solicitação da aluna no prazo de até 7 (sete) dias úteis contados a partir da data em que se configurou a situação de impossibilidade de frequência. 

No entanto, este regime excepcional pode ser negado, como relatou a Lourraine Picinata do curso de nutrição da UFF. “Eu tive dificuldade de conseguir o período de regime excepcional porque eu precisei dele bem antes do final da gestação, a minha bolsa estourou com 26 semanas e eu tiver que ficar internada dois meses antes dele nascer, então, eu não tinha muito documento. Fiquei no Hospital Público do SUS, e pedi para uma assistente social me fornecer um documento informando que eu estava lá internada sem previsão de alta. Eu mandei esse documento, mandei também o da cerclagem que eu precisei fazer.  Depois mandei outro dizendo que eu estava internada, e a UFF não aceitou, dizendo que o  documento não era suficiente para comprovar aquela situação que eu estava passando”, afirmou Lourraine. 

Além de uma possível negativa, algumas alunas que conseguem o regime revelam que determinados professores não dão a devida assistência, como o caso da Ana Carolina Barroso, estudante de publicidade e propaganda da UFF. “Já tinha exposto ali a minha situação com os professores, só que, como você não está na sala de aula, a maioria dos professores te esquecem e não mandam nenhuma atividade, não fazem nenhuma proposta de trabalho e quando chega no final do semestre, basicamente, dá um trabalho grande e você não participou, você só recebeu material no Classroom, mas não teve nenhum contato”, disse a aluna. 

Existem demandas maternas que são urgentes para serem deliberadas nas universidades. O movimento Parent in Science nasceu em 2016 com o objetivo de discutir a parentalidade dentro do universo da ciência no Brasil, apoiando mães e pais, propondo políticas de apoio, ações e programas a partir de estudos e realizando manuais para informar e lutar sobre os direitos das estudantes. Um estudo feito pelo movimento, entre os anos de 2017 e 2018, revelou o impacto da maternidade na vida acadêmica. Um dos resultados mostra que depois do nascimento dos/das filhos/filhas há uma diminuição imediata no número de publicações de cientistas.

Se a maternidade impacta a carreira e estudos das cientistas mães, é necessário que existam políticas públicas e que as universidades criem resoluções para que os impactos sejam diminuídos. Por mais que não pareça ou que muitas mulheres não saibam, existem algumas ações e projetos nesse sentido.  Desde 1975, a Lei 6.202 atribui à estudante em estado de gestação o regime de exercícios domiciliares. A portaria nº 89/2017 do MEC institui que a faculdade e a escola deve acolher aluna/ mãe, ou seja, o direito à amamentação deve ser assegurado independentemente da existência de locais, equipamentos ou instalações reservados para esse fim, cabendo unicamente à lactante a decisão de utilizá-los. Em 2022, o Projeto de Lei 1741 dispõe sobre a prorrogação dos prazos para defesa de dissertação de mestrado e tese de doutorado em virtude de parto, ou nascimento de filiação, ou obtenção de guarda judicial para fins de adoção, ou licença de adoção.

Sala de amamentação do projeto de extensão ANIMA. / Foto: arquivo pessoal

No Brasil existem algumas outras legislações que contemplam essas mães ou gestantes, no entanto, há muito a se avançar. Neste sentido, para a professora e coordenadora do projeto Apoio Nutricional e Integrativo à Maternidade (ANIMA), Daniele Mendonça Ferreira, existe a necessidade de mulheres chegarem a posições de poder. “Eu acho que são muitos homens no poder da instituição. A gente teve a professora Alexandra como pró-reitora de graduação da UFF, ela era professora daqui, foi diretora, então era uma mulher negra lá no poder. E uma mulher negra no poder faz muita coisa. Então ela fez uma revolução, muitos avanços aconteceram por causa dela, mas ela faleceu. Não tem uma política institucional na UFF para isso. A UFF ainda é vanguarda em muitas coisas, sala de amamentação tem muitas na UFF, inclusive por iniciativa das alunas, mas política institucional com direitos nós não temos, e é isso que precisamos”, assegurou a professora.

O ANIMA é um projeto de extensão, certificado pelo Ministério da Saúde, que faz um atendimento integrativo e gratuito para gestação, lactação, introdução alimentar e amamentação de alunas da UFF e para a comunidade. A coordenadora do projeto afirmou que foi difícil abrir a sala de amamentação para as alunas. “Eu abri a sala de amamentação porque tinham alunas amamentando e não existia um lugar apropriado para extrair leite, elas iam ao banheiro e desperdiçavam o leite materno na pia. Então, as alunas que sabiam que eu era sensível ao tema me falaram. Mas foi difícil conseguir um espaço, não tinha verba, várias coisas que temos aqui eu comprei ou recebemos de doação”. 

Emblema da sala de amamentação do projeto Anima / Foto: Arquivo pessoal

As políticas de apoio à maternidade na ciência devem considerar que estão tratando de vidas, e mais do que mães e filhos. Mas que fazer, deve haver a execução dessas leis pelas universidades, professores, alunos e governantes.

“Não é fácil a mulher voltar para o mercado de trabalho e para a universidade. Existe muita gente com preconceito, muita gente que não gosta de criança, que não respeita. Mas quem quer muito estudar, entre na faculdade e encare esse preconceito, essa desigualdade de gênero. Nós não podemos deixar que eles vençam”, finalizou Paola Roberta. 

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