Como representações de um padrão de beleza extremo na mídia influenciam no surgimento de transtornos alimentares e como é possível quebrar esse ciclo?

Por Lara Diana

Termos como “thinspiration” (inspiração de magreza), “meanspo” (inspiração maldosa), “body check” (checagem corporal), “gw” (goal weight ou meta de peso), estão espalhados por diversas redes sociais, em conteúdos pro-ana e pro-mia (promovendo anorexia e bulimia). Produzidos por influenciadores “fitness”, estes posts alcançam pessoas buscando algo ligado a dietas ou vida saudável, e promovem um padrão de vida impossível, fabricado nas redes sociais, produzindo diversos tipos de adoecimento e transtornos alimentares, sobretudo entre mulheres jovens.

O relatório da Tech Transparency Project (TTP) mostra a lógica desse processo. A partir de uma conta falsa, que simulava o perfil de uma mulher, o grupo de tecnologia seguiu um influenciador “thinspiration” no Instagram. Imediatamente, recebeu recomendações de conteúdos de outras contas ligadas a transtornos alimentares, além de ser convidada a participar de um grupo pro-ana, onde um coach a manteria “na linha” da sua nova dieta. 

Redes sociais e o algoritmo 

As redes sociais têm se consolidado como um dos fatores que mais contribuem para a insegurança com a autoimagem. Rotinas fabricadas, fotos editadas e vidas aparentemente perfeitas de celebridades e influenciadores digitais se tornaram a nova régua pela qual todos devem se medir, gerando um ciclo interminável de insatisfação com a própria realidade e o próprio corpo. 

Mas o conteúdo postado nas redes sociais não é o único responsável por influenciar a alimentação e a autoimagem das pessoas: o próprio algoritmo tem o seu papel. Ao elaborar essa reportagem, passei alguns dias buscando informações sobre transtornos alimentares já postadas na internet, principalmente buscando dados e pesquisas acadêmicas como referência. Horas depois da primeira busca, ao abrir o X (antigo Twitter), me deparei com os primeiros sinais do meu algoritmo interpretando os meus novos “interesses”: um anúncio de um aplicativo de jejum, com um grande chamativo: “como perder peso rápido”. O aplicativo recomendado, FastEasy, indica planos de jejum que variam desde 14 até 23 horas – dito como um plano de uma refeição por dia para “quem gosta de jejuns mais exigentes”. 

E não ficou por aí: novos posts no X surgiram na categoria “Talvez você curta”: posts feitos por contas com o objetivo de registrar a rotina alimentar de pessoas com transtornos alimentares, muitas vezes mensagens degradantes sobre pessoas que não conseguiam manter aquela alimentação ou padrão corporal. Esse tipo de post, que ficou conhecido como “meanspo” ou inspiração maldosa, é muito comum em contas do X voltadas para transtornos alimentares, a comunidade que ficou conhecida como edtwt (eating disorder twitter). 

Nessa comunidade da internet, dedicada exclusivamente aos transtornos alimentares, as pessoas compartilham seus pesos atuais e suas metas, dicas de alimentação restritiva ou atividades físicas para perda rápida de peso, além de compartilharem inspirações, que muitas vezes são modelos ou celebridades abaixo do peso ideal. Mesmo mudando de plataforma, essa comunidade não é uma novidade na internet: anteriormente, o tumblr era a rede social onde as pessoas compartilhavam quase exatamente o mesmo conteúdo. O problema chegou a um ponto crítico de tal forma que buscas atuais no tumblr ligadas a transtornos alimentares levam o usuário direto para uma tela com links para buscar ajuda e tratamento. Porém, com o impulso do algoritmo e em uma rede com tantos usuários quanto o X, esse conteúdo alcança novas proporções.

Testei algumas hashtags que poderiam me direcionar a contas que promovem transtornos alimentares, para ver quais seriam bloqueadas pelo Instagram. As hashtags thinspo, proana, promia, meanspo, thinstagram foram bloqueadas por uma página oferecendo ajuda e sugerindo uma linha de apoio. Porém, a plataforma te dá a opção de “Continuar para os resultados da pesquisa”: a hashtag #thinstagram conta com mais de 50 mil posts. Os posts variam entre fotos de mulheres extremamente magras, usando roupas íntimas na maior parte do tempo, sugestões de dietas com contagens de calorias e alguns posts motivacionais, inspirando pessoas a buscarem ajuda. A hashtag #meanspo traz conteúdos ainda mais preocupantes: posts em inglês, que poderiam ser traduzidos para “Sem valor, é o que você é. Tudo que você faz é encher a sua cara gorda” ou “Você deve escolher qual desejo é mais importante: o corpo ou a comida”. 

Mesmo com a página de ajuda disponível tanto no Tumblr quanto no Instagram, ambas as plataformas continuam a permitir contas e conteúdos diretamente marcados como promotores de transtornos alimentares, conteúdo que volta como recomendações ainda mais específicas do algoritmo.

O TikTok, surpreendentemente, teve o melhor filtro: mesmo que o algoritmo acabe encontrando aqueles interessados em posts de “vida saudável” e recomende vídeos de incentivo aos transtornos alimentares, a plataforma bloqueia completamente todas as buscas por palavras-chave diretas, sem a possibilidade de continuar com a sua busca mesmo assim. A página que segue a busca leva o usuário a um texto informativo sobre o que são transtornos alimentares, e recomenda: converse com alguém em que você confie, faça uma pausa quando precisar, observe como você conversa consigo mesmo, seja honesto e corajoso, encontre seus pontos fortes e atributos positivos, conheça seus gatilhos e planeje com antecedência, fale com um profissional, além de formas de apoiar um amigo que esteja passando por problemas de imagem corporal ou de alimentação. 

No X a situação se torna mais preocupante: nenhuma das hashtags é bloqueada por qualquer tipo de página ou encaminhamento, e conteúdos compartilhados pelos usuários alcançam diversas pessoas fora dessa bolha através de tweets marcados como “Talvez você curta”. A busca por qualquer uma das palavras-chave do edtwt leva o usuário imediatamente a comparações entre corpos diferentes, posts maldosos sobre outras pessoas ou diretamente direcionados a quem está lendo e mais recomendações de dietas extremas a serem seguidos por “quem tem força de vontade para chegar ao seu corpo desejado”. 

Todos esses posts, que são muitas vezes recomendados pelo algoritmo, podem ser a versão mais clara do problema, mas não a sua única face. Principalmente durante e depois da pandemia, mais e mais influenciadores ganharam destaque por compartilhar suas rotinas buscando uma “vida saudável”. Esses posts também geram um ciclo de comparação, que leva a uma insatisfação corporal e a busca constante por procedimentos estéticos ou exercícios físicos além do necessário. 

O que são transtornos alimentares e quais são as suas causas?

“…Não só imunidade baixa, mas constantemente sentia tontura, dor de cabeça, pressão baixa, não conseguia raciocinar, e também tive um quadro depressivo que precisou de intervenção médica. Me gerou muitos traumas e gatilhos que existem até hoje.”

O relato de Elisa, de 23 anos, representa apenas uma pequena parcela da realidade vivida pelas pessoas que lutam com transtornos alimentares. Esses transtornos são mais comuns que  se imagina, e vêm sendo tratados e retratados de uma forma extremamente negativa pela mídia, ora vistos como fonte de vergonha ou como “apenas uma dieta”, o que contribui para os inúmeros casos que seguem sem o diagnóstico, ora glamourizados por modelos, celebridades e influencers, de modo a se tornarem o estilo de vida e padrão corporal desejado por diversas jovens. “Nada tem um sabor tão bom quanto a magreza”, foi dito pela supermodelo Kate Moss em 2009, e foi popularizado e repetido constantemente ao longo dos anos, como uma romantização de dietas extremas. 

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5, transtornos alimentares “são caracterizados por uma perturbação persistente na alimentação ou no comportamento relacionado à alimentação que resulta no consumo ou na absorção alterada de alimentos e que compromete significativamente a saúde física ou o funcionamento psicossocial”. Eles podem ser de diferentes tipos: transtorno alimentar restritivo/evitativo, anorexia nervosa, bulimia nervosa e transtorno de compulsão alimentar, além da síndrome de pica e transtornos de ruminação, cada um com suas peculiaridades no diagnóstico e tratamento.

“Comecei a perceber somente quando cheguei no ponto de parar de comer porque estava me sentindo gorda. Os principais gatilhos ocorreram com a minha mãe, quando ela começou a fazer comentários ou sugerir dietas, então comecei a me comparar com atrizes e pessoas que via na mídia”, continua Elisa. 

As causas para os transtornos alimentares podem variar. De acordo com a psicóloga Gabriella Pontes, especializada em Psiquiatria e Saúde Mental pela Faculdade de Medicina da USP, a causa desses transtornos é multifatorial: “Esse multifatorial compreende aspectos que são de três esferas: os de ordem genética, como os associados ao desenvolvimento de uma psicopatologia, fatores do indivíduo e do ambiente em que ele vive. Por exemplo, se ele tiver individualmente fatores de personalidade associados a esses transtornos ou passou por traumas na vivência dele, além da influência do ambiente cultural social. E para que ele desenvolva um transtorno, é necessário um fator desencadeante, que é o famoso gatilho, que pode ser de inúmeras formas e é bastante comum principalmente no período da adolescência”, informa.

Um dos gatilhos, ou fatores desencadeantes, mais comuns é a adesão precoce a dietas, principalmente no início da adolescência. Transtornos alimentares são mais comuns em jovens, mesmo podendo ocorrer em qualquer idade, e acometem até 5% das  adolescentes  do  sexo  feminino. A adolescência é um fator de vulnerabilidade por diversos motivos: é nesse período que ocorrem as principais mudanças no corpo e é quando a maioria das jovens passa a ser exposta a um padrão de beleza inalcançável, principalmente através da mídia e das redes sociais. Além disso, grupos diretamente ligados à saúde, estética e ao corpo, como bailarinas, atletas, profissionais da moda e da saúde, atrizes etc estão mais expostos, por isso, mais vulneráveis ao desenvolvimento de transtornos. 

“Quando a gente fala do tipo de conteúdo que está sendo consumido, isso influencia diretamente na formação da autoimagem, principalmente quando a gente está falando de jovens, adolescentes. No período da puberdade é bastante comum ver angústias em relação aos corpos. É um período onde as jovens acabam buscando identificações, ou seja, lugares, referências, onde elas podem se inspirar, onde possam se sentir representadas e hoje em dia, onde os jovens mais procuram esses lugares acaba sendo nas redes sociais e através das séries. Isso vai influenciar muito na questão da formação da autoimagem deles e, principalmente, vindo à tona muitas insatisfações, porque a imagem que se vê no espelho é muito diferente da imagem que se consome nas redes sociais”, continua Gabriella. 

Além disso, outras possíveis causas podem ser: histórico de transtornos alimentares na família, eventos traumáticos, a cultura da dieta e o terrorismo alimentar. 

Cultura da Dieta: influenciadores fitness e Terrorismo Alimentar

Segundo a nutricionista Thayane Pereira, que tem treinamento internacional em Intuitive Eating Pro Skills, um tratamento voltado para curar a relação dos pacientes com a comida e sua imagem, e aprimoramento em Transtornos Alimentares, o termo Terrorismo Alimentar se refere a todo olhar negativo, todos os pensamentos, todas as regras colocadas na alimentação: “por exemplo, a gente tem uma crença muito forte dentro do terrorismo alimentar de que consumir carboidrato à noite engorda, de que consumir sucos in natura causa diabetes, então são esses termos, essas regras que acabam gerando esse Terrorismo Alimentar. Todo o tempo a pessoa tem medo do que comer ou ter, principalmente dentro desses grupos alimentares, o carboidrato por si só como um vilão, como algo que sempre está fazendo mal para a saúde, quando não é bem assim”.

Nas redes sociais, o Terrorismo Alimentar floresce e se espalha: influenciadores criam vídeos de “tudo que eu como em um dia”, mostrando dietas e rotinas que, muitas vezes, não são apropriadas para todos os corpos e todas as pessoas, além de vídeos que são quase ataques diretos, dizendo ao usuário quantos pratos de comida ele poderia estar comendo com as calorias de um hambúrguer ou de uma barra de chocolate, gerando um ciclo interminável de culpa, além da sensação de falha no seu autocontrole. Outras pessoas compartilham suas rotinas de exercícios físicos, alguns chegando a contabilizar três horas de atividades por dia, o que acaba se tornando um parâmetro de foco e determinação. Existem diversos exemplos desse tipo de conteúdo nas redes sociais, incluindo a influenciadora Maíra Cardi, que conta atualmente com quase nove milhões de seguidores no Instagram: 

Cultura da Dieta é outro termo que se popularizou por causa da onda de conteúdos voltados para o emagrecimento de forma negativa na internet. Se o Terrorismo Alimentar é o olhar negativo sobre a alimentação na prática, a Cultura da Dieta é o sistema de crenças que sustenta essas visões. É dela que vem o ciclo constante de comparações com influenciadores e celebridades, é ela que sustenta a ideia de que devemos estar sempre insatisfeitos com o nosso corpo e aparência física. O principal é nunca estar satisfeito: ao “corrigir” algo, sempre haverá outra insatisfação para tomar o seu lugar. 

Filmes, séries e celebridades: o poder dos exemplos

Quando analisamos os principais filmes ou séries consumidos em todo o mundo, podemos encontrar exemplos claros da cultura da dieta e do quanto essas ideias são plantadas em nosso imaginário desde a juventude. De desenhos infantis a séries adolescentes, os jovens são constantemente bombardeados com representações fabricadas do que seria um corpo ideal, além dos exemplos negativos de personagens que saem minimamente desse padrão e são marginalizadas dentro do universo fictício em que vivem. 

Barbie, Winx, princesas da Disney e super-heroínas, como a Mulher Maravilha ou a mais recente Ladybug, são alguns exemplos de personagens femininas criadas para o público infantil que possuem a mesma silhueta: rostos angulosos, braços magros, cinturas extremamente finas, normalmente usando roupas grudadas que destacam seu corpo ‘estilo ampulheta’. É possível encontrar esses exemplos em todos os desenhos que formam a imagem das crianças do que é ser vista como uma mulher. 

Nos desenhos voltados para um público masculino ou nas representações de figuras masculinas é mais comum encontrar exemplos positivos: Avatar, Ben 10, Hora de Aventura. Claro, ainda existem os estereótipos de força e músculo, como no caso dos super-heróis, mas são padrões bem menos acentuados que nas produções voltadas para o público de jovens meninas. 

Nesse caso, ainda existe o agravante de como o fator beleza e aparência influencia a história de suas personagens. A beleza das princesas é um fator crucial em suas narrativas: a fada Sininho se encara no espelho e mede sua própria cintura enquanto morre de ciúmes da atenção de Peter por Wendy, todas as Winx buscam serem vistas como parceiras ideais para os garotos de que gostam na escola. Nos desenhos para meninos, os personagens muitas vezes são medidos pela sua força e coragem, mas raramente por sua aparência. 

Segundo a psicóloga Gabriella, “as crianças estão constantemente expostas a modelos identificatórios de desenhos, de personagens da TV. E também acompanham hoje em dia o TikTok, as redes sociais. Então, o tempo inteiro, estão falando de corpos. Estão comparando corpos. Têm, principalmente, uma hipersexualização precoce do corpo feminino. São aspectos que precisam de um certo olhar de cuidado.”

Isso continua no mundo dos filmes e séries para adolescentes e jovens adultos: a Mônica, de Friends, só é vista como uma mulher bonita quando perde peso, e suas cenas antigas são usadas como um alívio cômico imediato, que liga seu peso aos seus hábitos e sua falta de jeito; em Pitch Perfect, uma das personagens se auto nomeia Fat Amy (Amy Gorda) para que as outras meninas não sintam a mesma graça em chamá-la dessa forma por suas costas; em O Diário de Bridget Jones, seu peso é uma questão que sempre volta à tona como um de seus principais problemas em ser uma mulher vista como bem sucedida, mesmo sendo dito no filme que ela pesa apenas sessenta quilos. Essas ideias são gravadas na mente das meninas, mostrando todas as situações pelas quais nenhuma delas quer passar. E a solução é sempre a mesma: emagrecer. 

Uma constante rotina de dietas já é considerada algo comum no nosso dia a dia: a maioria das pessoas não come de forma intuitiva e sem culpa desde que eram crianças. Quando vemos essas mentalidades refletidas nas celebridades que acompanhamos e nos inspiramos, todo o ciclo de insegurança e restrição se inicia novamente. Se antes encontrávamos os exemplos de dietas e rotinas das celebridades em revistas para garotas, agora, esse acesso é instantâneo: é só abrir uma rede social para ver posts da sua cantora favorita almoçando uma salada sem carboidratos ou da atriz mais comentada do momento malhando. 

“Novas soluções”: o uso impróprio de medicamentos e dietas extremas na busca pela rápida perda de peso

A mais nova tendência das celebridades, principalmente do Ocidente, é o Ozempic e outras “soluções rápidas”. Medicamentos que prometem resultados milagrosos já se popularizaram há anos, e atualmente vemos esse fenômeno ao encontrar diversas celebridades que tiveram uma drástica perda de peso pelo uso não recomendado do Ozempic, junto com outros procedimentos estéticos. Mas, afinal, para que serve esse medicamento do momento? 

O Ozempic ajuda a controlar a glicemia e é utilizado no tratamento de diabetes. Com a sensação de saciedade e uma menor ingestão de alimentos, a perda de peso é um dos efeitos colaterais do medicamento. Porém, ao ser consumido apenas com o propósito da perda de peso ele se torna uma solução temporária, já que ao abandonar o remédio e voltar à rotina, é muito comum que esse peso volte. Segundo a nutricionista Thayane, como toda solução rápida, o Ozempic não altera a relação com a comida, de forma que aquela pessoa continua com dificuldades para tomar decisões saudáveis, o que aumenta os comportamentos disfuncionais, contribui para uma péssima relação com a comida e com o próprio corpo. Entre algumas celebridades que tiveram mudanças rápidas causadas pelo uso de remédios para emagrecimento temos grandes nomes como Oprah Winfrey, Kelly Clarkson e Elon Musk.

Outro ponto que se destaca no mundo da dieta das celebridades nos últimos anos é a ascensão do KPOP e da cultura sul-coreana. A música e o cinema coreano tiveram um crescimento bombástico nos últimos anos, passando a ser consumido em massa por diversos outros países, incluindo o Brasil. Segundo um levantamento do Spotify, o Brasil é o quinto maior país consumidor de KPOP na plataforma, atrás apenas dos Estados Unidos, Indonésia, Filipinas e Japão. Uma pesquisa do Ministério da Cultura, Esportes e Turismo, que foi realizada em 18 países pela Fundação Coreana para Intercâmbio Cultural Internacional entre setembro e novembro de 2020, coloca o Brasil como o terceiro local onde mais cresceu a audiência dos dramas coreanos, atrás da Malásia e Tailândia. Alguns dramas coreanos garantiram seus lugares nas listas de programas mais assistidos na Netflix Brasil: Pousando no Amor, Uma Advogada Extraordinária, Pretendente Surpresa. Isso para não mencionar o sucesso de diversos grupos: BTS, Twice, Blackpink. 

Toda essa explosão gerou uma curiosidade cada vez maior pela cultura coreana e seus modos de vida, incluindo o padrão de beleza considerado ideal no país. Segundo pesquisa realizada em 2022 pela Fundação para Intercâmbio de Cultura Internacional da Coreia do Sul (KOFICE), o KPOP aparece em primeiro lugar como responsável por influenciar os brasileiros em sua percepção da Coreia do Sul, assim moldando o interesse de diversos brasileiros que consomem esse conteúdo pela cultura sul-coreana. Mesmo para um país já tão influenciado pela cultura da dieta como o Brasil, de repente encontramos um outro padrão de magreza. As dietas extremas de artistas coreanos se tornaram uma nova influência, espalhada facilmente pelas redes sociais, mostrando as formas mais “rápidas e eficientes” de perder peso. 

Uma rápida busca no YouTube leva a diversos vídeos de pessoas seguindo as dietas de K-Idols e compartilhando seus resultados milagrosos: três quilos perdidos em menos de uma semana, desinchaço total da barriga, e por aí vai. Alguns criadores ainda complementam dizendo que passaram mal ou encontraram dificuldades ao seguir essas dietas, mas continuam a mostrar o peso que perderam e os resultados obtidos, de forma que os vídeos continuam sendo uma forma de encorajamento para o seu público. A maioria dos vídeos incluem uma contagem rigorosa de calorias, alimentos proibidos, refeições puladas e atividades físicas intensas para alcançar um déficit calórico cada vez maior. 

Como identificar um transtorno alimentar e quais são as suas principais consequências? 

Existem diversos sinais que podem ser percebidos pela própria pessoa ou por aqueles ao seu redor quando se trata de buscar ajuda ao lidar com um comer transtornado: insatisfação com o peso, dicotomia alimentar (dividir os alimentos em bons ou ruins, permitidos ou proibidos), cansaço, irritabilidade, insônia, dificuldade de concentração devido ao estado nutricional, pensamentos obsessivos com comida, carência de nutrientes e vitaminas.

Pessoas que estão enfrentando um transtorno alimentar também podem apresentar comportamentos específicos, como sempre comerem sozinhas, se isolarem em situações sociais com uma maior oferta de comida, sentir vergonha de comer na frente de outras pessoas, falar muito sobre calorias ou constantemente conferir o rótulo de alimentos. 

Esses comportamentos transtornados podem levar a outros problemas na saúde mental, além de possivelmente causar diversos males à saúde física: complicações dermatológicas, queda de cabelo e unhas fracas, complicações na região gastrointestinal, como refluxo ou atraso no funcionamento do intestino, podendo levar à constipação, desidratação, desgastes no esôfago e nos dentes, maiores chances de desenvolvimento de outro transtorno mental, prejuízos em relação aos níveis de cálcio e potássio no corpo, mais ansiedade. “Isso pode se desdobrar, inclusive, ao óbito: a anorexia nervosa é o transtorno mental que mais causa óbito, alguns por suicídio e outros por questões físicas mesmo, de um desequilíbrio físico por conta de níveis hormonais”, alerta Gabriella. 

Mireille Almeida é psiquiatra e Coordenadora do Ambulatório de Transtornos Alimentares da Santa Casa de São Paulo e da Clínica UNITRATA e também coloca outras consequências a médio e longo prazo que podem ser causadas pelos transtornos alimentares: com o tempo de doença, alguns pacientes acabam ganhando peso e agravando os comportamentos transtornados. Além disso, essa alteração de peso no longo prazo também pode levar a problemas de pressão, como a hipertensão, e diabetes. 

Tratamento e as formas de pedir ajuda

Fernanda do Valle é psicóloga formada pela Purdue University e, desde 2009, depois de se recuperar da Anorexia Nervosa e publicar o seu primeiro livro, tem dedicado parte do seu tempo a dar palestras e usa sua experiência para ajudar milhares de pessoas. Sobre sua vivência com o transtorno alimentar e o processo de tratamento, a autora coloca: “eu fui internada no hospital das clínicas em São Paulo, no programa de transtornos alimentares que eles têm, mas, como o tratamento era o ganho de peso, eu comecei a ter bastante resistência. Foi mais difícil do que eu imaginava. Eu tive uma alta precoce, porque estava às vésperas do meu casamento e depois eu tive uma recaída, que foi até pior que quando eu fui internada a primeira vez: eu tive um acidente, eu desmaiei dirigindo porque eu não tinha comido bem e tinha me exercitado. Aí eu acabei me entregando de verdade pro tratamento, ali acho que foi o meu ponto de virada, porque aí eu realmente entendi que não dá pra viver dessa forma”.

Ela conta que levou muitos anos para identificar que seus comportamentos vinham de um transtorno alimentar: desde os doze anos ela se cobrava excessivamente com dietas e exercícios físicos, o que levava a fases de extrema restrição ou compulsão. Como via comportamentos parecidos em outras mulheres e recebia muitos elogios ao perder peso, até os trinta anos não conseguia identificar que estava vivendo com um transtorno. Fernanda destaca as consequências negativas do transtorno em sua vida: saía menos para evitar a comida, teve muito impacto em sua saúde mental, levando à depressão, e chegou a um quadro de osteopenia, perda de massa nos ossos anterior à osteoporose, condição irreversível causada pela perda de cálcio. 

“Hoje eu tenho vida, na minha cabeça eu não estou contando calorias. Sobrou espaço para fazer tantas outras coisas depois disso: eu já fiz mais três faculdades, escrevi nove livros, conquistei tantas coisas, tive mais um filho. Se eu não tivesse me tratado, eu  não teria como conquistar tantas coisas. O que eu diria para as pessoas que pensam que não é possível se recuperar plenamente: é possível sim, eu sou um exemplo vivo disso e eu acho que a melhor forma de buscar ajuda é você reconhecer e aceitar que sozinho não é possível e de que existe vida após o transtorno alimentar, é uma vida maravilhosa e ninguém merece viver com esses pensamentos obsessivos. Esse controle que a gente tem da comida, na verdade, é a doença nos controlando, então é uma ilusão e não vale a pena. Eu quase não tive uma segunda chance, eu quase morri, mas eu agradeço muito a segunda chance que eu tenho e hoje eu uso a minha vida para inspirar outras pessoas e dizer que é possível se recuperar”.

O tratamento desses transtornos é feito por uma equipe, principalmente por um psicólogo, um nutricionista e um psiquiatra. Todos os especialistas destacam a importância de se buscar profissionais com estudos específicos na área dos transtornos alimentares: do nutricionista ao psiquiatra, o tratamento é sempre específico para esses casos e difere de outros pacientes. 

Sobre a importância da formação dos profissionais, a psicóloga, Gabriella sugere buscar alguém com conhecimento específico. “Isso porque o cuidado, o trabalho feito, ele é muito mais direcionado, ele leva em considerações aspectos que, às vezes, profissionais que não têm essa formação não conseguem manejar, inclusive podem piorar e prejudicar o quadro do paciente, principalmente quando a gente está falando de nutricionistas, endócrinos. Às vezes, quando não se tem uma formação nesse sentido, pode ser um fator que vai agravar o transformar alimentar da pessoa”.

A dra. Mireille também ressalta a importância do diagnóstico na hora de encaminhar o paciente para as formas de tratamento ideais, além da possível necessidade de medicamentos que acompanhem todo o processo: “muitas vezes a gente precisa utilizar os psicotrópicos, as medicações específicas para o tratamento dessas alterações, e aí vem dependendo do diagnóstico que é dado. Mas a gente também encontra com muita frequência, associados ao transtorno alimentar, outros transtornos psiquiátricos mais comuns: ansiedade, depressão. Então o psiquiatra também vai avaliar isso, de uma maneira detalhada, e instituir aí a terapêutica necessária”.

O acompanhamento feito pelo nutricionista também é diferente daquele realizado com pacientes que buscam uma mudança no estilo de vida ou o emagrecimento saudável. Nesses casos, incentiva-se o consumo de todos os grupos alimentares, mas destacando a individualidade do que cada pessoa precisa ingerir por dia. No lugar de regras rígidas para as refeições, é preferível buscar os sinais dados pelo próprio corpo, os sinais de fome e saciedade. A contagem de calorias também não é incentivada dentro da nutrição comportamental. 

No tratamento, a atividade física deixa de ser uma atividade compensatória ou punitiva, e é incentivada como uma forma de se manter uma boa qualidade de vida, de aumentar o bem-estar e a disposição. 

O recomendado na hora de buscar ajuda é ter um tratamento profissional. Seja abordando um psicólogo ou um psiquiatra em primeiro lugar, é necessário buscar um diagnóstico correto que leve a um tratamento efetivo. Além disso, existem grupos que buscam apoiar e conscientizar a sociedade sobre os transtornos alimentares. 

Um exemplo disso é a ASTRAL, Associação Brasileira de Transtornos Alimentares (@astralbr), que traze diversos posts e vídeos informativos sobre os TAs, além de contar com a colaboração de diversos profissionais especializados. Várias de suas publicações buscam quebrar estereótipos sobre a alimentação e a autoimagem, como “problemas de elogiar o emagrecimento”, “evitando gatilhos nas festas de final de ano” e “indústria da beleza e padrões”. 

Além disso, também existem alguns grupos voltados para os hospitais de escolas, como o Ambulim, que é o Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, em São Paulo (@ambulim.ipq). Ele é responsável por fazer triagens e o tratamento completo do quadro de transtornos alimentares. Também é possível buscar pelo CAPS, Centro de Atenção Psicossocial. As pessoas que não têm acesso a um convênio, por exemplo, e às vezes não tem como entrar no Ambulim, podem buscar pelo CAPS para fazer esse direcionamento.

PEÇA AJUDA:

Associação Brasileira de Transtornos Alimentares: https://astralbr.org/buscar-ajuda/

Centro de Valorização da Vida (CVV): Ligue 188 ou acesse o site da organização em https://www.cvv.org.br/ 

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