Por Letícia Simeão

Nos últimos anos o interesse por produtividade e desenvolvimento pessoal tem crescido de forma notável. Um estudo da Global Web Index revelou um aumento de 48% na busca por conteúdos relacionados a esses temas no YouTube e Instagram entre 2020 e 2023. Plataformas como TikTok também viram um crescimento exponencial de vídeos com hashtags como #ProductivityHacks e #WorkSmart.

Essa busca incessante por produtividade é acompanhada de um aumento significativo de casos de burnout. Dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt) mostram que aproximadamente 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de burnout, uma condição reconhecida e classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2022. O Brasil é atualmente o segundo país com mais casos diagnosticados no mundo, evidenciando o impacto da pressão por produtividade na saúde mental.

Desde a Revolução Industrial, a produtividade tem sido um pilar central na economia e na sociedade, inicialmente focada na eficiência e na quantidade de produção em fábricas. Com o tempo, o conceito se expandiu para incluir serviços e informações, e, na era digital, ganhou novas dimensões, impulsionado pela internet e redes sociais. Hoje, ferramentas tecnológicas e plataformas digitais mesclam vida pessoal e profissional, enquanto influenciadores promovem ideais de alta performance, moldando uma visão idealizada de produtividade.

O termo “produtividade tóxica” surgiu para nomear esse fenômeno recente. O conceito exprime uma situação em que a pressão por alto desempenho ultrapassa limites saudáveis. Essa pressão excessiva resulta em cansaço mental e físico, compromete a saúde mental e aumenta a incidência de burnout e ansiedade entre os trabalhadores. Quem se cobra muito para ser mais produtivo tem dificuldade em relaxar nos momentos de lazer. Mesmo durante atividades recreativas, a pessoa fica pensando no trabalho, nas próximas tarefas e reuniões. Esse estado constante de alerta e preocupação contribui para um ciclo vicioso de ansiedade e esgotamento.

Laura Belmonte é uma das brasileiras que enfrentam problemas para equilibrar a produtividade com o bem-estar. Estudante de direito de 22 anos, concilia a rotina de trabalhar e estudar todos os dias. Em meio a isso, o inevitável sentimento de se comparar a pessoas na internet a acometeu.

“A cobrança está muito presente na minha vida com motivação gerada por mim mesma. Eu sempre tentei chegar à ‘perfeição’ em todas as áreas da minha vida. Só que todos os padrões estipulados por mim como um patamar para provar que eu alcancei e cheguei ao ‘topo’ triplicavam a cada momento que eu estava próxima de alcançá-lo”, compartilha Laura.

Laura aponta as redes sociais como um grande fator para esses sentimentos: “As redes sociais contribuem em 1000% com esse sentimento de improdutividade e maçante comparação. Pessoas reais têm vidas reais. No Instagram só vemos o que as pessoas querem mostrar de suas vidas, escondem os problemas, os cansaços e os desânimos, ou seja, só a parte boa.”

Após três anos de terapia, Laura encontrou um caminho para lidar com essas pressões, compreendendo que todos possuem pontos fortes e fracos. Ela percebeu que o Instagram mostra apenas o melhor ângulo das pessoas e que a comparação deve ser feita apenas com o próprio eu. “É saudável querer ser uma pessoa melhor todos os dias e identificar o que melhorou na sua vida em um determinado período de tempo nos entusiasma a continuar, mas, sem se sentir inferior se não está no mesmo momento de vida de outras pessoas.”

O fenômeno descrito pela estudante é refletido nas estatísticas: segundo a Hootsuite, em 2023, o tempo médio diário que os brasileiros passavam nas redes sociais chegou a 3 horas e 42 minutos, posicionando o país como um dos líderes mundiais em consumo de mídia social. 

Para entender melhor a conexão entre produtividade e autoestima, a psicóloga Isabel Rocha explica: “Quanto mais a pessoa consegue produzir com qualidade, mais ela se sente bem consigo mesma, sua percepção de auto valor aumenta. O interessante é que isso vira um ciclo, porque quanto mais saudável a autoestima, mais a pessoa tem autoconfiança e força de vontade para realizar as tarefas que precisa.”

Isabel também alerta para os perigos de uma abordagem desequilibrada da produtividade. “Situações que geram muito estresse, fadiga física e mental e perda do bem-estar vão minando nossa força interna e podem prejudicar nossa visão de nós mesmos, gerando pensamentos de muita cobrança e culpa. A autoestima precisa do bem-estar para ficar saudável; sem isso, ela começa a ficar suscetível a autoquestionamento e falta de confiança”. Ela enfatiza que, quando a produtividade é focada apenas em produzir muito em pouco tempo, visando apenas a quantidade e não a qualidade, ela começa a prejudicar a saúde mental e física.

O contraponto entre a experiência de Laura e a análise de Isabel Rocha revela que, enquanto a pressão pela produtividade pode levar ao burnout e à ansiedade, a produtividade equilibrada e de qualidade pode fortalecer a autoestima e a autoconfiança. Entender essa dualidade é crucial para promover um ambiente mais saudável, e não só de trabalho,  e uma abordagem mais compassiva em relação a si mesmo e aos outros.

Isabel observa também que as redes sociais reforçam essa percepção distorcida de produtividade e autoestima: “Nos fazem acreditar que só teremos valor se estivermos inseridos nessa vida de produção, entregando resultados ditos como ideais pelas pessoas de influência nas redes sociais. Ver constantemente a vida daqueles que vivem uma vida baseada em produtividade pode fazer com que muitas pessoas se comparem negativamente e se sintam inferiores”.

Para equilibrar a produtividade e o bem-estar, é essencial adotar estratégias práticas. A psicóloga sugere entender seus limites e reconhecer o que causa mal-estar, como a comparação constante e a culpa excessiva. É importante lembrar que não é necessário equilibrar responsabilidades, cuidados pessoais e descanso em um único dia; dividir essas tarefas ao longo da semana é uma abordagem mais realista. Além disso, o uso consciente de listas e planners, a prática de autocuidado e a busca por apoio psicológico são passos fundamentais para manter uma produtividade saudável e uma autoestima positiva. Priorizar o descanso e focar em práticas que promovam um senso de realização pessoal são essenciais para construir uma relação equilibrada entre produtividade e bem-estar.

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