Da TV ao streaming, o gênero segue conquistando seu espaço nos lares pelo país
Por Anna Clara Finamor
Exibida pela TV Tupi, “Sua Vida Me Pertence” foi a primeira telenovela brasileira que chegou nas casas do país em 1951. A trama conquistou o público da época e foi considerada como um marco revolucionário no cenário televisivo. A partir disso, as histórias de romance, vinganças e reviravoltas entre heróis e vilões ganharam espaço nas telas brasileiras, ultrapassando a audiência dos telejornais. De acordo com a pesquisa Kantar Ibope Media, realizada em 2017, o gênero mais assistido na televisão aberta no Brasil são as novelas, garantindo seu lugar no topo do pódio sem concorrentes.
Por muitos anos, as telenovelas representaram um papel importante na sociedade brasileira, regulando seus hábitos e momentos de entretenimento. Segundo o jornalista e professor Felipe Pena, que já trabalhou com controle de qualidade de roteiros na Rede Globo, as novelas foram por muitos anos reguladores do tempo e do cotidiano.
“A grade era criada de forma muito racional e pensada para espremer o jornal nacional entre duas novelas. Acreditava-se, naquela época, que a novela das sete seria para donas de casa e a das oito seria para um público mais amplo. Isso funcionaria como regulador de comportamento, as pessoas faziam seu horário pela novela e não pelo relógio, tomavam café antes da novela das sete e marcavam de se encontrar depois da novela das oito”, explica o professor.
Com o passar dos anos, os melodramas das histórias foram se adaptando aos novos hábitos e se firmando entre os públicos. As criações são guardadas na memória dos noveleiros, de adolescente a idosos. Mas, o que faz com que as novelas continuem a fazer sucesso entre pessoas de diferentes gerações, vivências e localidades?
Laços de Família: a popularidade das novelas entre gerações
Zeitgeist é o conceito que explica o porquê das narrativas de novelas apresentarem uma trajetória de sucesso. Em português, Zeitgeist significa o espírito do momento, simplificando, ele é a junção de características culturais de um determinado período de tempo. Isso faz com que os roteiros estejam sempre de acordo com as demandas sociais de uma geração. Dessa forma, as histórias contidas nas novelas seguem estabelecendo conexões com a realidade moderna e, com isso, causando uma comoção em milhares de pessoas.
De acordo com Felipe Pena, esse conceito é utilizado dentro das narrativas televisivas para capturar o interesse contemporâneo. “Zeitgeist é um conceito alemão que significa espírito do tempo, o que novelas como ‘Vai na Fé’ tem é isso. Ela consegue conquistar o público com uma linguagem atual, mais jovem e diferenciada”, afirma o docente.
Além de “Vai na Fé”, outro grande exemplo do uso deste conceito é o remake da novela “Pantanal”, exibido pela rede Globo em 2022. Com uma diferença de 32 anos entre a versão original e a adaptação, algumas mudanças foram necessárias para que sua trama chegasse aos lares brasileiros com proximidade e discussões de acordo com a época de exibição. O personagem Jove (Jesuíta Barbosa) na versão original sofreu nos primeiros capítulos preconceito por ser um homem com trejeitos mais femininos, sendo alvo de comentários homofóbicos dos trabalhadores da fazenda de seu pai. Já na última versão, Jove foi recepcionado pelo pai na fazenda com um grandioso churrasco, mas recusou dizendo que era vegetariano. Isso causou estranheza nos peões da fazenda, por ainda não conhecerem o termo e o ativismo.
Apesar do combate à homofobia ser um assunto muito relevante em nossa sociedade, ele já foi desenvolvido em produções passadas. Já o vegetarianismo foi explorado nas produções, mas vem ganhando espaço nos debates entre jovens e nas redes digitais. Desse modo, a narrativa dos fatos foi alterada para que a história estivesse dentro dos perfis dos novos consumidores de conteúdos.
Segundo o escritor e roteirista André Vianco, as novelas são peças importantes no processo de aprendizado e mudança no país. “As telenovelas chegaram a ser, principalmente nas últimas décadas, peças de aprendizado e adaptação social, instruindo o brasileiro sobre muitos assuntos. Não dá para dizer que não mudaram os lares, elas botaram para discutir sobre o que estava acontecendo na sociedade. Enfim, tudo que gerava discussão, a telenovela educava”, ressalta Vianco.
Através da teledramaturgia, o público vai construindo relações e memórias. Natasha Baptista, fã de novelas desde pequena, aprendeu a desfrutar das histórias junto com as mulheres da família. “Era um momento de ligação na minha casa, da gente sentar e assistir juntas, era um momento de descontração entre as mulheres da minha vida. Isso me marcou muito, a lembrança de estar com a família assistindo novela”, conta a telespectadora.
Império: a ascensão dos streamings
Atualmente, a emissão tradicional em TV aberta não é a única opção que os telespectadores encontram para assistirem as produções. As plataformas de streamings, transmissão de conteúdos online, chegaram revolucionando o mercado do entretenimento.
Impulsionado pelo período pandêmico, o consumo de conteúdos no universo digital se popularizou. Disponível quando, onde e na hora que o espectador quiser, as plataformas de streaming apresentam uma variedade de benefícios. Se antes as novelas regulavam o tempo, hoje elas se adequam à diversidade de rotinas e momentos de lazer.
Para Rosane Svartman, autora de grandes sucessos na teledramaturgia e no cinema, as novas formas de consumo proporcionadas pelo streaming desafiam as emissoras, mas favorecem o público. “Acho que a novela perde se não for aberta, por outro lado, a rotina das pessoas mudou e é importante que elas possam ter acesso ao conteúdo quando e onde quiserem. Uma televisão aberta se adequa à rotina do seu público. Então, o que passa em cada horário é o que interessa para as pessoas que teoricamente estão em casa naquele momento para assistir à TV linear. Talvez o maior desafio seja entender como essa rotina mudou”, ressalta a cineasta.
Os amantes de novelas se conectam com os streamings pela sua funcionalidade, rapidez e número de opções. O movimento das plataformas acompanha os telespectadores que não têm tempo para interromperem sua rotina. Além disso, os assinantes de streamings encontram catálogos completos, contendo as produções atuais e novelas antigas, que não estão disponíveis na transmissão aberta. “Tem muitos anos que não sento para assistir televisão, mais por uma questão de preguiça de esperar passar os anúncios. No streaming, você assiste a hora que quiser, pode ir pausando ou indo direto, a praticidade é maior”, diz Natasha Baptista.
Além mudar a dinâmica do consumo, a internet também se tornou palco de muitas discussões sobre novelas. Os consumidores encontram na web um espaço para dividirem suas opiniões e acompanharem os capítulos. Para Rosane, as mídias sociais potencializaram a rede de comunicação entre criadores e telespectadores, amplificando engajamento e audiência.
“As redes sociais amplificaram o fenômeno do boca a boca. A relação entre espectadores e produtores de conteúdo sempre existiu, mas agora isso tomou uma proporção obviamente muito maior”, acrescenta a autora.