O amor e a dedicação dos fãs são capazes de gerar, além do crescimento da carreira do artista, um engajamento impressionante no mercado turístico do país

Por Juliana Palmeirim

Em um mundo cada vez mais conectado e apaixonado pela música, a cultura fã sempre teve muito destaque, levando entusiastas a atravessarem fronteiras e mergulharem em experiências únicas. Essa tendência tem impulsionado não apenas a indústria do entretenimento, mas também a economia local de diversas cidades ao redor do Brasil e do mundo. Segundo uma pesquisa da consultoria Pricewaterhousecoopers (PwC), realizada entre 2015 e 2019, o turismo relacionado a eventos musicais cresceu cerca de 6,4% ao ano.

Nesse cenário, os fãs de música, cinema, esportes e outras formas de arte têm buscado vivenciar de perto seus ídolos e as culturas que os cercam. Essa paixão tem levado muitos a viajarem para outros estados do Brasil e até mesmo para outros países, a fim de assistir a shows, participar de eventos temáticos e se aproximar dos artistas que admiram. A professora de turismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), Claudia Corrêa de Almeida, explica que “existem diferentes tipos de cultura de fã. Eu posso ter, por exemplo, a cultura de fã do sertanejo, posso ter a cultura de fã do rap, posso ter a cultura de fã do funk, de forró e entre outras, e esses grupos impactam de formas diferentes o setor turístico. Porém, todas elas têm um impacto, porque geram movimentação de pessoas”.

Um dos maiores exemplos disso foi a chamada “Beatlemania”, na década de 1960, que foi um fenômeno cultural impulsionado pela banda britânica The Beatles ao alcançar uma imensa popularidade em todo o mundo. O termo foi criado para descrever a intensa devoção e histeria dos fãs em relação à banda. Além disso, os fãs da “Beatlemania” eram conhecidos por serem apaixonados que lotavam os shows, gritavam e choravam freneticamente durante as apresentações e, até mesmo, se deslocavam para seguir os artistas em suas turnês.

“Os shows e as turnês ganham espaços maiores a partir da segunda década do século XXI, principalmente pela introdução das redes de streamings. Na hora que você tem os streamings, a venda de discos diminui, porém muito mais pessoas conseguem ter acesso aos materiais produzidos pelos artistas, que também conseguem fazer uma maior divulgação do seu trabalho e, consequentemente, mais pessoas querem ter o contato presencial com eles. Vale destacar também que, sendo essas turnês mais estimuladas, elas acabam ocorrendo com maior frequência e afetando ainda mais o turismo local”, explicou a professora Claudia.

A cultura de acompanhar um artista e se envolver no “universo” criado por ele e os seus fãs impacta as vidas de inúmeras pessoas. De acordo com a jornalista Daniela Romanelli, fã declarada de vários artistas, “a sensação de estar em um ambiente onde as pessoas gostam da mesma coisa que você, que curtem o mesmo artista que você, que admiram música e tudo o que ela envolve é surreal. Quando a gente está em um show a energia que o local transmite e que o artista passa é inexplicável, acho que esses são os principais fatores que me fazem viajar para assistir shows dos artistas que eu gosto e principalmente a experiência que essas viagens me trazem”. 

Show do Big Time Rush no Vivo Rio, no Rio de Janeiro. Créditos: Juliana Palmeirim

A designer Rebeca Cafiero, mineira que muitas vezes já viajou para ir a shows,  explicou que o que motiva ela e outros fãs a fazerem essas viagens é “o sentimento de ter alguém que você sabe que sempre vai estar lá. Pode acontecer o que for, mas sempre tem aquele sentimento de pertencimento quando vamos atrás do artista”.

Segundo a administradora Izabella Cascaes, que há muitos anos acompanha a carreira de artistas, os brasileiros sempre tiveram fama de serem apaixonados, não importa em que área. Portanto, as pessoas se sentem mais inspiradas a seguir seus artistas durante suas turnês e acompanhar seus shows, pois muitos desejam vivenciar a experiência de ser fã. “A minha principal lembrança foi ter viajado pela primeira vez para o Rio de Janeiro e conhecer de perto amigas que antes só havia conhecido pela internet. Pude encontrá-las pessoalmente para vivermos o mesmo sonho de ver nossa banda favorita mais de perto em um show emocionante. Isso influenciou demais na minha visão sobre a cultura fã e os artistas que eu admirava pois, depois do momento que vivi, passei a admirá-los muito mais por ter visto eles cantarem pessoalmente e interagirem com o público com carinho e entusiasmo. Eu recomendo esse tipo de experiência para todo mundo”, afirmou Izabella.

Os desafios e o impacto econômico das viagens dos fãs para shows

No Brasil, o setor de turismo musical é um dos que mais crescem. De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Eventos (ABEOC), eventos musicais e festivais têm gerado um impacto econômico significativo, atraindo turistas de diferentes regiões. Estima-se que cada turista que viaja para assistir a um festival gasta, em média, cerca de R$ 1.300,00, considerando gastos com hospedagem, alimentação, transporte e compras. Nesse sentido, um exemplo marcante é o fenômeno dos “fãs de turnê”, que são pessoas que seguem seus artistas preferidos em suas turnês ao redor do mundo. Esses fãs estão dispostos a gastar tempo e recursos para acompanhar seus ídolos, muitas vezes se deslocando por diferentes cidades e até mesmo países durante semanas ou meses. Essas viagens são motivadas pela oportunidade de assistir a shows memoráveis, interagir com outros fãs e criar lembranças duradouras.

Fila do show do Louis Tomlinson na Jeunesse Arena, no Rio de Janeiro. Créditos: Juliana Palmeirim

No Brasil, cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Porto Alegre têm sido destinos populares para os fãs que desejam vivenciar a cultura local e assistir a shows de artistas renomados. Além disso, eventos temáticos e convenções de fãs têm ganhado espaço, atraindo um grande número de participantes e impulsionando a economia das regiões em que são realizados.

De acordo com Izabella, que mora em Manaus, no Amazonas, e já veio ao Sudeste muitas vezes para assistir shows, esses grandes deslocamentos e os gastos são algumas das principais dificuldades enfrentadas pelos fãs. “Para mim que moro no norte do Brasil, o maior desafio com certeza é a logística para chegar nos estados do Sul e Sudeste, que são onde acontece a maioria dos eventos, shows e etc. Os custos com passagem são muito altos, pois temos pouca oferta de linhas diretas para esses estados e quando estão disponíveis os valores são exorbitantes”, explicou Izabella.

Show do BTS no Allianz Parque, em São Paulo. Créditos: Juliana Palmeirim

Cidades como São Paulo e Rio de Janeiro têm sido destinos populares para os fãs de música que desejam assistir a shows de artistas nacionais e internacionais. Um exemplo marcante é o Rock in Rio, que atraiu cerca de 700 mil pessoas em sua última edição, em 2021. Segundo a Revista PANROTAS, o evento gerou um impacto econômico de aproximadamente R$ 1,7 bilhão para a cidade do Rio de Janeiro. 

O impacto econômico dessas viagens é notável. Quando os fãs viajam para outras cidades ou países, eles injetam dinheiro nas economias locais, gastando em hospedagem, alimentação, transporte e compras. Dessa forma, as empresas se beneficiam diretamente desses visitantes, gerando empregos e estimulando o comércio local. “Com a vinda dos artistas, o setor econômico é afetado diretamente, muitas pessoas viajam de outros estados só para assistir o show e, dependendo da localização, acabam aproveitando e estendendo a estadia para conhecer pontos turísticos da cidade e aproveitar o que a cidade tem para oferecer. Acho que um exemplo bacana disso foram os shows do Coldplay no Brasil esse ano, que conseguiram atrair pessoas de todos os estados para Rio, São Paulo e Curitiba, movimentando a economia do país”, complementou Daniela.

Além disso, eventos temáticos e convenções de fãs têm ganhado espaço no país. A Comic Con Experience (CCXP), realizada em São Paulo, é um dos maiores eventos de cultura pop do mundo e atrai fãs não apenas do Brasil, mas também de diversos países. Em sua última edição, o Portal G1 divulgou que o evento recebeu mais de 280 mil visitantes e gerou um impacto econômico de aproximadamente R$ 240 milhões para a cidade. 

O efeito da indústria do entretenimento no mercado do turismo

O professor de economia da UFF Victor Leonardo explicou que “as viagens dos fãs para shows, eventos ou, até mesmo, para conhecer o local onde o artista já viveu podem contribuir para a geração de empregos. Eu vejo como uma situação a mais em que uma cidade pode atrair turistas e, assim, a rede hoteleira, a rede de restaurantes e de entretenimento e outros bens e serviços também podem ser muito impactados. Dessa forma, a cidade acaba se mobilizando para melhorar e criar estruturas de espaços públicos e privados capazes de receber os fãs”.

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Esses números demonstram o impacto econômico positivo que a cultura fã tem sobre as cidades que sediam eventos e atraem turistas. Além dos gastos diretos dos fãs, o aumento do fluxo turístico impulsiona outros setores, como o de transporte, comércio e serviços, beneficiando a economia local como um todo. “A cultura fã pode impulsionar o desenvolvimento da infraestrutura turística nessas regiões. E uma cidade que se credencie para isso precisa oferecer essas condições, dispor desses equipamentos e infraestrutura para que esse tipo de turismo possa ser recebido”, complementa o professor Leonardo.

A indústria do entretenimento se beneficia com o aumento da demanda por ingressos para shows, eventos e convenções, impulsionando a venda de bilhetes e gerando receitas significativas. Os artistas e suas equipes também são beneficiados, uma vez que a venda de produtos relacionados e o apoio dos fãs nas redes sociais contribuem para a sustentabilidade de suas carreiras.

“Os shows podem ajudar muito o turismo numa visão de sazonalidade. Até no Rio de Janeiro, que tem muitos turistas, por exemplo, no Carnaval e no Réveillon, tem momentos específicos em que os hotéis têm ocupações máximas e o turismo realmente tem o seu apogeu. Quando ocorre um evento desses, os fãs acabam vindo para acompanhar e a gente tem uma vantagem no setor turístico, como no caso de atingir cem por cento da ocupação da rede hoteleira do estado. Mesmo que de forma sazonal, os fãs ajudam muito no turismo”, complementou a professora Claudia Corrêa.

No entanto, os benefícios vão além do aspecto financeiro. A cultura fã promove o intercâmbio cultural, permitindo que as pessoas mergulhem em diferentes tradições e costumes. Os fãs têm a oportunidade de conhecer novas cidades, apreciar a culinária local, explorar pontos turísticos e interagir com pessoas de diferentes origens, criando uma atmosfera de diversidade e compartilhamento de experiências. 

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