Os desafios geográficos e culturais não são o suficiente para fazer fãs brasileiros desistirem de ações inimagináveis para apoiar fielmente seus ídolos
Por Samara Barboza
De acordo com dados divulgados em 2022 pela plataforma musical Spotify, desde 2018 os streamings de K-Pop aumentaram 230% globalmente. São cerca de 8 bilhões por mês em todo o mundo. A crescente exportação do gênero musical nos últimos anos o transformou em um fenômeno no Brasil e seus apoiadores no país acabaram incorporando certos comportamentos de fandoms sul-coreanos, além de seguirem por seus próprios caminhos.
O K-Pop é um gênero musical vindo da Coreia do Sul, tornando-se conhecido mundialmente por grupos masculinos e femininos. Por mais que tenha ganho visibilidade midiática nos últimos anos, a música popular sul-coreana não é uma novidade. O gênero como é conhecido atualmente começou em 1992 e incorpora diferentes estilos, desde o pop ao R&B.
A influência não ficou restrita apenas ao ramo musical, também se expandiu para cinema, teledramaturgia, moda e o marketing. A Hallyu (Onda Coreana) faz parte de uma série de estratégias do governo sul-coreano para transformar o país em uma máquina de exportação cultural, abrindo portas para o aumento do turismo, contribuição significativa do PIB do país e transformando sua arte em nomes aguardados entre premiações internacionais. A diversidade musical dentro do K-Pop, combinado a performances grandiosas, investimento em elementos visuais e as estratégias elaboradas por empresas para deixar fãs com a sensação de proximidade com seus ídolos são os pilares que ajudaram a impulsionar o crescimento dos fandoms dentro e fora de solo sul-coreano. Além de ter tornado a cultura de fandoms de K-Pop algo a ser estudado, graças às peculiaridades percebidas em cada território.
Crescimento do K-Pop no Ocidente
Similar a outras partes do mundo, o K-Pop também foi exportado ao Brasil e ganhou mais força nos últimos anos. Em 2019 o Spotify registrou um aumento de 484,9% de interesse do gênero no país nos últimos dois anos. Já de janeiro a agosto de 2022, o gênero cresceu 36%. Nas redes sociais, a popularidade também é nítida. De acordo com o Twitter, uma das principais plataformas usadas por fandoms, o Brasil foi o oitavo país que mais falou de K-Pop em 2021.
Giovana Resende tem 21 anos e faz parte do EXO-L, fandom do grupo EXO. Ela conheceu o gênero musical muito nova, em 2009, devido ao seu hobby por animes. Mas tornou-se uma fã assídua do grupo masculino apenas em 2013. A estudante lembra que diferente dos últimos anos, na época não era tão simples encontrar pessoas com gostos similares, como ocorre em outros gêneros musicais, devido à baixa aderência e pelos preconceitos da época.
“Até mais ou menos 2016 ou você falava sobre K-Pop na internet, mais especificamente em comunidades de Facebook, ou não tinha ninguém para conversar sobre. Fora isso, no máximo em eventos de animes, que dava para encontrar uma ou outra pessoa. Eu fiquei por muito tempo conversando com as mesmas pessoas, porque o nicho era muito pequeno”, explica. “É totalmente diferente de ser fã de Justin Bieber na época, por exemplo, você olhava para o lado e encontrava 20 Beliebers. E ainda tinha questão de ser zoada quando se dizia K-Popper.”
Os anos seguintes foram mais favoráveis para a música sul-coreana no Brasil e tornaram o terreno mais preparado para os fãs que viriam a seguir. Giovana contou que, naqueles anos, além das dificuldades de comunicação entre pessoas com gostos similares, a compra de itens oficiais, como álbuns físicos, era um desafio. Diferente da atualidade em que existem, inclusive, lojas desenvolvidas por fãs.
As estratégias das agências em trabalhar em uma carreira internacional no Ocidente e em certos momentos uma adaptação ao estilo do mercado externo contribuíram para que fosse cada vez mais aceito pelo público de países de outros continentes. Com o tempo, o K-Pop se tornou uma alternativa para aqueles que estavam cansados da mesma fórmula batida dos Estados Unidos e países da Europa. O gênero musical da Coreia do Sul mostrou ter tudo o que os concorrentes não ofereciam há muito tempo: performances gigantescas e surpreendentes, que fugiam da normalidade. Apenas cantar em um palco não basta para estas celebridades, elas são preparadas para oferecerem o melhor a partir de anos de treinamento vocal, dança e rap. As apresentações nas principais premiações do país asiático podem contar com espadas de fogo, acrobacias, plataformas e coreografias marcantes. Não é equivocado dizer que tudo é gigantesco no K-Pop e este é um dos pontos que tem atraído cada vez mais adeptos.
Cultura de fandoms e a economia de fãs
A cultura de fandoms de K-Pop tem diferenças em relação ao ocidente, como era visto no auge de artistas e grupos, como One Direction e Justin Bieber. As fanbases costumam ser mais organizadas, similar a uma grande empresa. Internamente, os maiores fã-clubes possuem divisões de função, com equipes de Relações Públicas, designers, tradutores e até um time responsável por responder comentários de ódio. Na China, estas organizações são chamadas de “Bars”, originadas do fórum chinês “Baidu Bar”, estes fãs passaram a integrar o Weibo, famosa rede social do país, que utilizam para se organizar. Na Coreia do Sul, por muito tempo os fãs costumavam se organizar pelos fancafes, até a plataforma entrar em declínio e o Twitter ser a principal fonte de comunicação entre as pessoas do fandom. No Brasil, a plataforma também é a maior fonte de integração.
A psicóloga Sara Camilo acredita que um dos principais fatores que levam jovens a se tornarem fãs é a sensação de pertencimento a uma comunidade e estar inserido com outras pessoas graças aos fandoms. “Eles recebem referências além do ambiente familiar. Muitos jovens enxergam seus ídolos como um exemplo ou alguém em quem eles se espelham e querem ser, ter uma figura assim é muito atrativa para uma mente em amadurecimento”.
A indústria do entretenimento tem como base a competitividade. No K-Pop, a competição é feroz, os fãs desejam ver seus artistas favoritos no topo dos charts musicais, vencedores de prêmios e líderes em vendas. Como consequência, o investimento financeiro é cada vez maior. A “Fan Economy”, economia de fãs, produz grande movimentação entre aqueles que desejam ver o crescente sucesso de seus ídolos. Nesta categoria, os participantes são chamados de “Fansumer”, fãs consumidores, e o dinheiro pode ser revertido em diferentes formas de apoio e divulgação.
Este comportamento é uma estratégia das próprias empresas de entretenimento. Desde o começo os grupos de K-Pop são vendidos como um produto e a compra de seus produtos se tornaram hábitos na indústria. Os grupos lançam mais de um comeback (música de retorno), por ano, que acompanham álbuns compostos por CDs, posters, photobooks (livro de fotos) e photocards (cards de fotos); lightsticks (bastões de luz personalizados de cada artista) e outros itens diversos que são criados pela empresa para estimular ainda mais o consumo.
O mercado de álbuns
Diversas estratégias para aumentar esse consumo são utilizadas dentro da indústria. As empresas podem lançar mais de uma versão do mesmo álbum, diferentes photocards para que os fãs queriam ter todos os do seu integrante favorito e até sorteios de chamadas de vídeo com os ídolos entre os compradores. Além disso, este é um dos critérios da maioria das premiações, e novamente, o consumo dos fãs é estimulado pela competitividade do segmento. Aqueles que desejam ver seus favoritos no topo compram grandes quantidades de discos para aumentar as vendas físicas ou digitais. Os fandoms desejam que o seu grupo favorito quebre recordes e esteja sempre acima dos demais. No K-Pop os fãs mostram que estão mais do que dispostos a gastar muito dinheiro para que este feito seja possível.
Ana Clara Rebouças, estudante de engenharia de alimentos na UFRJ, é uma colecionadora ativa e observa que o comércio de álbuns e cards ajuda a movimentar os comebacks.
“Na parte dos colecionadores, nós sempre ficamos mais ansiosos durante a época de comebacks para saber conceito, como serão os cards e quais serão os itens de pré-venda. Estas características influenciam se vale a pena colecionar certos integrantes ou não, dependendo da forma como eles tiram fotos ou se geralmente as imagens se parecem.”, pontua. “As empresas se beneficiam ao se empenharam em trazer novos conteúdos de coleção para que as pessoas se envolvam mais. Tem grupos que ficam meses lançando chamadas de vídeo a partir de compras de determinados itens. Então, gera um ciclo maior de compradores, porque acabam querendo comprar diferentes versões do mesmo produto para terem uma coleção completa ou a chance de um benefício a mais. É tudo centrado no capitalismo, mas acaba trazendo felicidade para os fãs.”
A economia de fãs é movida desta forma, gerada por um terreno em que empresas do entretenimento entregam os meios e os fandoms dão o investimento financeiro para alavancar os ídolos. A explosão do K-Pop acompanhou o crescimento das vendas, não que anteriormente a música sul-coreana não tivesse altas vendas. Durante os anos 1980 e 1990, os solistas costumavam ter um ou dois milhões de unidades vendidas, mas o mercado sofreu uma desaceleração na virada para os anos 2000. Um novo feito como este só voltou a ocorrer em 2013, com o álbum XOXO do grupo masculino EXO, que quebrou o jejum de 12 de anos ao vender um milhão de cópias. O EXO-L é uma das referências no quesito vendas, sejam álbuns, itens usados pelos integrantes ou até outros trabalhos do grupo. Graças à força destas apoiadoras, o boygroup alcançou a marca seis vezes.
Com o passar dos anos, a exportação do K-Pop abriu novos horizontes para que outros grupos alcançassem feitos ainda mais impressionantes. As vendas em apenas um ano de lançamento saíram de 335 mil, em 2013, para 3,4 milhões, em 2022. No último ano, a indústria de álbuns físicos do gênero musical esteve prestes a atingir 80 milhões de cópias vendidas, de acordo com o Circle Chart.
Projetos comuns entre fã clubes e mais uma forma de mover dinheiro
A compra de álbuns não são os únicos hábitos deste nicho de apoiadores. Lançamentos, aniversários e outras datas especiais recebem alto financiamento dos fãclubes, que organizam encontros, projetos de divulgação e compras em massa de produtos. Entre fãs do leste ásiatico é comum que se juntem para projetos megalomaníacos, por exemplo, artistas de K-Pop são presenteados com itens de marcas de luxos e até estrelas. A solista IU recebeu uma floresta em 2015, Chanyeol do EXO ganhou um piano customizado de U$ 171 mil, cerca de R$ 833 mil e Jungkook do BTS, uma barra de ouro. Estes são apenas alguns exemplos que circulam normalmente entre os fãs. As Bars normalmente são os fãclubes mais conhecidos por elaborarem projetos que requerem grandes quantias de dinheiro.
Parte deste consumismo pode estar relacionado a uma série de fatores: satisfação própria ao ajudar e ter itens do ídolo, mas também as rivalidades impostas pelo mercado. A psicóloga Sara observa que as peculiaridades que formam esta indústria estimulam o consumo e acredita que há pontos positivos e negativos neste comportamento.
“O K-Pop em si foi formado de forma grandiosa, tudo envolto neste universo é pensado para ser atrativo e extremamente artístico. Quando um fã compra algum item do grupo que gosta é compreensível. Os álbuns, cards etc são feitos com muito capricho e atraem aqueles que gostam de colecionar. Por outro lado, quando se abdica de necessidades próprias para consumir produtos desse gênero se torna um problema, ocorre um adoecimento e a prática não é mais algo saudável”.
Nathalia Jesus, jornalista e co-fundadora do site sobre entretenimento sul-coreano Café com Kimchi, já integrou equipes de fanbases e participou da criação de projetos. Ela explica a motivação por trás desse vasto apoio a celebridades. “O que faz toda essa movimentação acontecer é literalmente o amor. É como se estivéssemos devolvendo um bem que a arte nos traz. Então, acredito que isso também motiva fãs ao redor do mundo que de alguma forma querem estar presente na vida deles, com um impacto positivo na carreira e na vida pessoal deles.”
Cultura de fãs de K-Pop no Brasil
A evidente popularidade transformou o cenário positivamente para os brasileiros. Empresas sul-coreanas e produtoras nacionais passaram a se unir e ver o país como um mercado lucrativo para shows, especialmente, neste segundo ano pós-pandemia. NCT 127, Super Junior e NCT Dream, grupos de uma das principais agências de entretenimento sul-coreano, estiveram no país em questão de sete meses em 2023. Artistas que nunca passaram pelo país anteriormente separam um espaço para o Brasil em suas turnês mundiais e o país se tornou o centro das atenções para este segmento como nunca havia ocorrido antes.
Hábitos de consumo e a vida de colecionadores
Apesar de estarem distantes fisicamente e culturalmente, os fãclubes brasileiros de ídolos sul-coreanos são fiéis e mostraram que estão dispostos a tudo. Os brasileiros não incorporaram apenas o gosto pelo gênero musical, mas também hábitos para seu próprio consumo e para contribuir para a comunidade que fazem parte.
Giovana possui uma coleção dedicada ao grupo EXO, com itens comprados de 2017 a 2019. A jovem estipula que deve ter gasto em média mais de R$ 5 mil em itens diversos, que incluem álbuns físicos, photocards e duas lighsticks de diferentes versões do grupo. Além de itens oficiais, a estudante conta que também consumia produtos feitos por fãs, como livros de fanfics famosas, chaveiros e pelúcias. O primeiro álbum comprado foi Ko Ko Bop e ela admite que após tanto ver os fãs internacionais comprarem itens oficiais se sentiu estimulada a querer também e pontua que nunca se arrependeu.
“Você quer mostrar para um artista que gosta do trabalho dele com números também, fazendo ele ganhar prêmios, comprando a música ou o disco. Então, uma forma de demonstrar que gostou do trabalho dele é apoiar e remunerar por isso. Eu via o EXO tendo vendas altas e ganhando prêmios e queria fazer parte dos recordes dele. É um jeito de você se inserir mais e se sentir mais próximo do artista.”
Se no K-Pop há aqueles que se sentem influenciados pelos comportamentos de pessoas do fandom de outras nacionalidades, a história de Ana Clara Rebouças é um pouco diferente. A estudante possui uma vasta coleção formada por álbuns e, principalmente, de photocards de diferentes grupos, como NCT, NU’EST e Golden Child, mas atualmente se concentra apenas em SEVENTEEN, Ordinary Heroes e SF9. Ela sempre colecionou e gostou dessa prática que é anterior ao seu interesse pelo K-Pop, este hábito apenas a acompanhou quando ingressou neste novo gênero.
A universitária também acredita já ter gasto mais de R$ 5 mil em sua coleção e explica que consumir estes conteúdos é uma forma de retribuir ao artista o quanto gosta dele e também uma sensação de satisfação por conseguir algo que desejava muito. Ana Clara relembra que até dentro dos fandoms há discussões sobre este alto investimento.
Fãs brasileiros x sul-coreanos: O que mais os separa além da distância?
Roberta Melo, co-fundadora do Café com Kimchi, é ativa nas redes sociais e mantém contato frequente com k-poppers de diferentes nacionalidades. Ela pontua quais são as maiores diferenças no comportamento de brasileiros e estrangeiros, principalmente, os sul-coreanos e cita exemplos a partir de uma análise do fandom EXO-L.
“A maior diferença é na questão de tratamento e no senso de humor. Por exemplo, os fãs brasileiros sabem que o EXO não é pobre coitado. Mas outras questões, como não chamar o Chen de pai, ele é pai e não deveria ser um problema dizer isso abertamente. Fazemos memes com frequência e as coreanas não gostam ou não entendem”, explica. “Outro ponto que as estrangeiras tem, que não é tão forte por aqui, é união. Quando elas querem fazer uma coisa pelo EXO elas se unem muito melhor do que as brasileiras, que às vezes se deixam levar por certas richas. Isso eu vejo muito claro no fandom do EXO, lá fora mesmo que se odeiem elas se unem”.
Roberta observa que os fãs têm comportamentos parecidos independente do país de origem. Mas uma característica dominante entre todos está na defesa e na disposição de se movimentar para proteger seus ídolos. Esta característica em comum é visível nas redes sociais, sobretudo no Twitter, principal plataforma que os fãs usam para se comunicar e organizar. Eles utilizam diferentes artifícios comandados por perfis de fanbases ou por contas “influentes” dentro do fandoms para movimentar os demais. Entre as estratégias estão multirão de hashtags para alcançar os trend topics e chamar atenção, marcar em massa as agências em publicações para que providências sejam tomadas e denúncias por e-mail para as agências.
Projetos movidos por fãs brasileiros
Em 2021, um fãclube conseguiu ir além, com um projeto normalmente visto entre fãs asiáticos. Fundado e dirigido por brasileiras, o EXO Protect Squad (EPS) é uma fanbase de proteção ao boygroup EXO. Em meio às turbulências que o grupo passava e sem nenhuma ajuda da agência para preservá-los, o EPS junto a fãs do mundo inteiro arrecadaram fundos para enviar um caminhão de LED para a Coreia do Sul. Para que o projeto pudesse ser feito, a fanbase reuniu pouco mais de U$ 800, cerca de R$ 3,8 mil, com a doação de diversas pessoas.
O veículo ficou em frente ao prédio da SM Entertainment com uma mensagem de protesto em coreano para que tanto pessoas locais quanto internacionais compreendessem. O intuito era cobrar melhores condições para os nove membros do grupo masculino. Nathalia, além de co-fundadora do Café com Kimchi, também foi uma das mentes por trás do EPS. Ela conta que o projeto foi um dos mais desafiadores da fanbase e a ideia partiu da demanda que recebiam de outros fãs por mensagem direta.
Para o protesto, as organizadoras tiveram um trabalho árduo de buscar orçamentos com empresas específicas destes tipos de caminhões, entraram em contato com pessoas que pudessem traduzir as mensagens para o coreano e abriram uma conta de arrecadação para que os fãs pudessem contribuir.
“Conseguimos colocar o caminhão lá por seis ou oito horas com o vídeo e um documento anexado ao banner no caminhão acessado por QR Code. Inclusive alguns dos funcionários da empresa chegaram a escanear para ver as nossas demandas. Por isso buscamos traduzir o vídeo para o coreano. Claro que tinha que ter uma parte em inglês para os fãs que contribuíram soubessem como o dinheiro deles estava sendo usado”, explica Nathalia.
O EPS surgiu em maio de 2020, após Chen, integrante do EXO, ter anunciado a gravidez de sua esposa e ter sofrido uma série de ataques por este motivo. Sem nenhum respaldo da SM, agência do boygroup, os fãs brasileiros se uniram para pensar em como poderiam ajudar o cantor sem ter qualquer acesso à empresa e estando a quilômetros de distância da Coreia do Sul. Nathalia se reuniu com outros fãs engajados no fandom para formar o EXO Protect Squad.
Ela conta que a ideia inicial era um mutirão de e-mails de apenas dois dias com provas dos ataques que Chen estava sofrendo na internet para que a agência tomasse medidas legais. Porém, acabou indo além do que as criadoras imaginavam e em apenas um dia a conta atingiu 2 mil seguidores. “Virou algo muito maior do que imaginávamos, nós vimos que era uma necessidade muito grande dos fãs sentirem que estavam fazendo algo”.
O EPS serviu para o seu propósito e foi além, deixou o fandom unido em busca de defender tanto o EXO quanto seus membros individualmente. Após certas medidas terem sido atendidas e o cenário ter se amenizado, a fanbase entrou em hiatus e atualmente conta com mais de 29 mil seguidores no Twitter. Os feitos do Exo Protect Squad não são os únicos projetos brasileiros. Diferentes fanbases mostram que não importa a distância, elas farão o que for necessário para organizar o fandom em prol do bem-estar do ídolo. São inúmeros casos de mutirão de streams, união para votações, projetos que envolvem shows e mais.
Fanwars
Um dos motivadores do EXO Protect Squad foram as constantes mensagens de ódio destinadas a um dos membros. Na ocasião, o Twitter se tornou um local inabitável para os fãs mais sensíveis. Esta negatividade não está restrita ao EXO, outros grupos também sofrem com propagação de informações falsas, xingamentos e falas preconceituosas, que abalam o ambiente que deveria ser divertido e harmonioso. Entre os fc (contas de fãs) há muitos menores de idade e até pessoas mais maduras que consomem o entretenimento sul-coreano como uma forma de prazer, mas estas experiências acabam sendo estragadas por grupos que passam dos limites e levam a rivalidade para o pessoal.
A competitividade do mercado colabora para as chamadas fanwars, guerras de fãs. Os envolvidos atacam uns aos outros para “defender” seu artista favorito ou apenas destilar ódio gratuitamente. Muitas dessas brigas tornam-se atividades consideradas criminosas, como ameaças de morte e exposição da vida pessoal de terceiros. A impunidade certamente é um dos motivadores para que estas atividades continuem deliberadamente.
Atualmente, muitos fãs resumem o atual ambiente de K-Pop nas redes sociais como baseados apenas em charts musicais e vendas, deixando de escanteio o lado prazeroso de acompanhar um novo lançamento. Estar inserido no Twitter é saber que vai se deparar com pelo menos um tweet de briga entre fãs devido a esta competitividade. Como consequência, pessoas que possuíam fc há anos têm abandonado seus perfis para se afastar da toxicidade.
Giovana se afastou do K-Pop depois de 2020. Como uma pessoa que está há mais de uma década neste nicho, ela conseguiu observar o antes e o depois do estouro do gênero musical e avalia que os últimos anos trouxeram muitas pessoas tóxicas. O estopim para a estudante foi quando viu a quantidade de ataques que o cantor Chen sofreu após revelar que iria se casar e ter um filho.
“Foi perdendo a diversão, eram só números, charts e qual grupo que estava na frente. Eu não estava com paciência para ver briga, também saia muita notícia na sociedade coreana em relação ao K-Pop e eu não concordava com isso.Fiquei um bom tempo sem acompanhar nada porque estava me fazendo mal.”
Pontos positivos e negativos de ser fã
Um show de K-Pop no Brasil é encarado por muitos fãs como uma experiência única, não só por ser um evento diferenciado, mas por ser literalmente uma única chance, já que nunca sabem quando o grupo pode ou se irão retornar. Além de que geralmente estes eventos se concentram em apenas um estado brasileiro, fazendo com que muitos apoiadores tenham gastos além do ingresso.
Como um produto local, os fãs sul-coreanos têm seus benefícios em relação aos brasileiros, os itens oficiais são mais baratos, shows ou eventos ocorrem com frequência, os fandoms conseguem se organizar presencialmente entre si pela proximidade entre as cidades. Estas experiências não são vividas pelo Brasil, um país territorialmente grande e com uma situação econômica em que não sobra dinheiro para comprar um álbum físico de mais de R$ 200, que ainda corre o risco de ser taxado.
“Como fã, me deixa triste, o meu grupo favorito nunca ter cogitado vir para cá e também ir para Coreia do Sul é extremamente caro. Nós não somos vistos pelas empresas, sendo que o Brasil tem muitos fãs engajados, apesar de todas as nossas dificuldades. As questões econômicas e sociais daqui deixam certas ações inviáveis para os fandoms”, explica Roberta.
Nathalia compartilha do mesmo sentimento. A sensação de que seus esforços muitas vezes não são o suficiente para que tenham visibilidade ao lado de outros países, apesar de ajudarem dentro dos limites que alcançam e só possuem acesso ao que as empresas e os artistas decidem mostrar a eles. Porém, para a jornalista essa atmosfera de inalcançáveis é o que torna o K-Pop ainda mais instigante.
“Tem vários artistas fora do K-Pop que eu acompanho todos os lançamentos, mas não sigo como artista, diferente do EXO, eu fiquei com eles. O que me motiva não é só a música, mas tudo que eles representam, o que eles passam, mostram ser e fazem os fãs sentirem. Eles são pessoas que chamam a gente pra continuar ao lado e os membros são muito gentis. Fico arrepiada só de falar, porque acho eles incríveis em vários sentidos e são artistas que sei que vou acompanhar por muito tempo na minha vida”, finaliza.