Substâncias potencializadoras de desempenho, os anabolizantes causam sérios danos à saúde

Por Júlia Barbosa

A busca pelo físico escultural à la Adônis movimenta uma máquina econômica gigantesca. Nos últimos anos, o mercado fitness vem crescendo exponencialmente, gerando um faturamento de mais de 2 bilhões de dólares, segundo o relator de 2019 do International Health, Racquet & Sportsclub Association. O ramo movimenta desde o setor imobiliário até o alimentício, incluindo o mais potencialmente perigoso: o de anabolizantes.

Dono de vários apelidos, como “suco” e “bomba”, os esteróides androgênicos e anabolizantes (EAA) são drogas que estimulam ou replicam a produção de testosterona e outros hormônios andrógenos. Eles, de fato, podem ser indicados para tratar casos clínicos, como alguns tipos de câncer de mama, por exemplo, mas o perigo reside no uso indevido dessas substâncias, geralmente voltado para estética e potencialização de desempenho esportivo.

No último ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu a prescrição dos EAAs para fins estéticos e de performance. A medida foi outorgada após a apresentação de múltiplas provas científicas dos danos dessas drogas ao corpo. Os efeitos colaterais se estendem desde acne severa e calvície até o desenvolvimento de tumores no fígado e no pâncreas, além do risco de exposição ao HIV e à hepatite, derivado do eventual compartilhamento de agulhas e seringas.

Mas se há tantas ameaças, por que as pessoas usam os anabolizantes “por moda”? A nutricionista Mariana Contino acredita que as pessoas adotam essa prática indiscriminada porque estão, literalmente, em busca de um milagre artificial, já que o efeito produzido pelos esteróides vai além de qualquer capacidade humana natural.

“Quando falamos do público de academia, a motivação é realmente estética e a função do anabolizante é acelerar o resultado. O nosso corpo tem naturalmente um limite e eles ignoram esses limites e jogam tudo para o alto para fazer o músculo crescer. O que acontece é quase um 50 anos em 5: o corpo que a pessoa atingiria em anos de treino, ela consegue em meses ou até semanas, dependendo do que ela usa e da frequência”, explica a especialista em Nutrição Esportiva.

Alerta! Usar bomba virou tendência

O pedido de proibição aprovado pelo CFM também expressa a preocupação das entidades médicas do Brasil com a banalização da utilização das substâncias no meio fit. A carta publicada pelas seis sociedades de medicina que compunham a petição, entre elas a Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte e do Exercício, ressalta o aumento significativo da divulgação irregular de tais fármacos como “recursos fit”, sobretudo, nas redes sociais:

“É crescente e preocupante a disseminação de postagens, em redes sociais, fazendo apologia ao seu uso, transmitindo uma falsa expertise e segurança na sua prescrição, colocando em risco a saúde da população. (…) Alie-se a isso uma percepção de impunidade, muito por conta da presença constante de propagadores dessas estratégias medicamentosas”, consta no texto.

Mariana Contino concorda com a questão de impunidade presente na nota oficial e ainda destaca que a normalização dessa prática sempre existiu no meio, mas a midiatização fez com que isso saísse do sigilo do banheiros das academias e fosse parar abertamente no Tik Tok e no Instagram:

“Muita gente acha que houve uma oscilação, mas essa curva está aumentando muito por causa das redes sociais. Antigamente, você via alguém que claramente estava usando bomba, mas escondia e dizia que era natural. Hoje em dia ela fala que usa mesmo e ainda indica o médico que prescreveu e conta o que ela tá usando no Instagram”, acrescenta.

Dessa forma, o perigo chega com nome, sobrenome e endereço àqueles que achavam que essas substâncias seriam de difícil acesso. Há também uma omissão dos riscos dos EAAs, e Mariana defende que isso está relacionado ao fato de que “quem mostra que usa não vai revelar a parte ruim”, somente a potencialização dos resultados. Além disso, como a divulgação costuma estar atrelada a um profissional da saúde, o influenciador teria a intenção de passar uma falsa segurança e confiança no “tratamento”.

O poder do “Fake Natty”

Créditos: Reprodução/Instagram @rodrigogoes

Por outro lado, as redes sociais também podem servir como uma ferramenta de combate ao uso indiscriminado de anabolizantes. E, por mais que as iniciativas de saúde pública sejam essenciais no cumprimento dessa função, os próprios produtores de conteúdo do nicho fitness podem ser agentes conscientizadores. 

Um bom exemplo é Rodrigo Góes, nutricionista e fisiculturista de 36 anos, que usa sua plataforma gigantesca para alertar seus seguidores sobre os perigos desses fármacos. Por mais que ele tenha, sim, conteúdos bem didáticos sobre o tema no Tik Tok, o sucesso é o famoso quadro “Natty or Not”. Nos vídeos, ele faz avaliações de fisiculturistas e celebridades que são suspeitosamente fortes ou trincados demais para ser orgânico. A temida batida de martelo de “Fake Natty”, ou falso natural, determina que a pessoa não seria digna do shape que vende.

Entre bordões divertidos com uma capacidade de viralização imensa, como é o caso de “Você faz amor com o suco” e “Um físico nada aesthetic”, a mensagem que fica é que não vale a pena injetar essas drogas no corpo. O próprio Rodrigo defende seu trabalho como uma “campanha antidrogas”:

“A ideia era trazer um pouco de transparência para o meio fitness de forma bem-humorada e com muito respeito. É importante que a nova geração compreenda que existem muitos físicos impossíveis de ser conquistados sem o uso de esteroides anabolizantes. O quadro também visa incentivar a prática do esporte sem o uso de drogas”, disse em entrevista ao portal R7 no ano passado.

Em nome da transparência ele também admite que já participou de competições de fisiculturismo sob o efeito de medicamentos potencializadores de performance. Hoje em dia, o influenciador faz questão de frisar que, por mais que tenha sido cauteloso na época, “não existe forma segura de usar esteróides anabolizantes”.

Por mais que o “suco” não existisse na Grécia Antiga, nem mesmo o físico impecável de Hércules e Adônis era natural. Como não temos acesso aos milagres divinos importados do Olimpo, o que fica para os meros mortais é realizar atividades físicas regularmente, seguir uma alimentação balanceada e acompanhamento médico para conseguir o tão desejado “shape”. 

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