Por Hugo Goés Adriano
Em dezembro de 2023, durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 28, realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, um grupo de 118 de países – incluindo o Brasil – acertou termos de um compromisso para, até 2030, triplicar a produção de energia renovável.
Um outro grupo, esse menor, de apenas 20 países, do qual o Brasil não foi signatário, firmou acordo de também triplicar o uso de energia nuclear, neste caso até 2050.
Atualmente, o Brasil possui como fonte de energia nuclear duas usinas, Angra 1 e 2, localizadas no município de Angra dos Reis, Costa Verde do Rio de Janeiro. De acordo com a Eletronuclear, empresa que realiza a operação das centrais, em 2023 elas forneceram quase 15 milhões de megawatts-hora de energia.
Futuramente, uma terceira usina – Angra 3 – entrará em operação e ampliará a capacidade nuclear nacional. Colocando este número em perspectiva, a energia nuclear é responsável por cerca de 10% da produção de energia total no mundo.
Para o o assessor da área de Ciência, Tecnologia, Inovação e Expansão da Geração da Eletronuclear, Marcelo Gomes, em meio à profusão de desastres e alertas relacionados ao clima, a energia nuclear se mostra uma alternativa viável no processo de descarbonização e alteração no padrão da matriz elétrica brasileira.
De acordo com ele, a energia nuclear tem um diferencial importantíssimo em comparação com outras fontes de energia renováveis. “Ela é uma energia firme, ela é despachável. Eu posso contar com ela a qualquer hora, não preciso da natureza, que é variável. Um dia venta, outro dia não venta, à noite não faz sol. Então, a nuclear está sempre presente, ela traz essa estabilidade para o sistema elétrico e permite a entrada de mais energias renováveis variáveis”, afirma.
De acordo com relatório publicado pela Fundação Getúlio Vargas em novembro de 2023, a energia nuclear também se mostra extremamente vantajosa financeiramente. Segundo o estudo, a cada R$ 1 bilhão investidos na matriz, há um aumento de R$ 3,1bi na produção no Brasil. Além disso, ela tem potencial de criar mais de 20 mil postos de trabalho. Hoje, o faturamento anual das usinas de Angra é de R$ 4,6bi, a partir de um investimento de R$ 350 milhões, menos de 10%.
Apesar de o Brasil não estar no grupo que se comprometeu a triplicar o uso de energia nuclear até 2030, Marcelo Gomes explica que o governo federal já trabalha na expansão ainda maior do setor. “O governo federal prevê a entrada de novas usinas nucleares no Brasil até 2050. Este movimento está em sintonia com o que vem acontecendo no restante do mundo”, ressalta.
Confira outros pontos da entrevista com Marcelo Gomes, assessor da área de Ciência, Tecnologia, Inovação e Expansão da Geração da Eletronuclear.
Hoje a matriz elétrica brasileira está concentrada em alguma área específica?
O Brasil tem uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo. Acho que só Canadá e Brasil têm essa característica, com mais de 60% da energia geradal a partir de fontes renováveis. Isso é um fator muito importante. E a principal é a energia hidroelétrica. Além da hidroelétrica, há outras fontes renováveis no mix de energia, principalmente eólicas. Ainda temos bastante gás também, que já não é renovável.
Qual a importância de pensar em descarbonização de matrizes energéticas atualmente?
Descarbonização é muito importante, é um tema que ganhou muita relevância no mundo inteiro, a partir dessa constatação das mudanças climáticas. Foi verificado que uma das principais fontes de gases de efeito estufa é a geração de eletricidade. Então, os países que não têm uma matriz tão boa quanto a nossa, – e a gente está falando de quase todos os países, Estados Unidos, Europa, dependem muito, por exemplo, de carvão, de gás, todas essas energias térmicas que queimam e liberam CO2 para a atmosfera. Então, é um tema fundamental, os países todos estão assumindo compromissos de redução de carvão. O Brasil também assinou esses compromissos nessas conferências, como a COP. Então, existe esse compromisso e os países estão repensando as suas matrizes, tentando sair desse domínio de queima de carbono, emissão de carbono para a atmosfera, e usando matrizes energéticas limpas.
E onde a energia nuclear se faz presente nesse processo?
E aí entra um pouco a questão da nuclear. A nuclear não tem geração de gases de efeito estufa, ela é considerada uma energia limpa. E a Agência Internacional de Energia, que é um órgão internacional que cuida desse planejamento energético, cuida desses cenários de baixa emissão de carbono, ela considera a nuclear essencial, no que eles chamam de transição energética, que é a transição do mundo para uma matriz elétrica de baixo carbono. Então, a nuclear tem um papel primordial nisso.
Quais as vantagens principais da energia nuclear comparando com outras fontes de energias renováveis?
O que chamam de “despachabilidade”. A questão de você ter uma energia firme, invariável e que você pode contar com ela 24 horas por dia, 365 dias por ano. Ela é uma energia que traz muita segurança para o sistema, e essa é a principal vantagem. Além disso, ela tem, comparando por exemplo com a hidroelétrica, uma demanda de terra muito pequena. Uma hidroelétrica, tem um uso de terra muito grande, e a nuclear não, a nuclear é bastante concentrada. Então é uma matriz limpa, confiável e por isso que ela é considerada como uma grande solução para a transição energética no mundo.
Além de usinas, quais projetos existem para estimular a energia nuclear no Brasil?
Um projeto muito importante é o reator multipropósito brasileiro. Ele não é para geração de energia, mas ele é um reator para a fabricação de radioisótopos, que são elementos muito necessários para a medicina nuclear, para diagnósticos, para exames, que é uma aplicação muito importante da medicina. O Brasil tem necessidade desses elementos, a gente importa muito desses radiosótopos, é uma logística muito complicada, e então existe essa necessidade de você baratear e dar acesso a esses diagnósticos para toda a população brasileira. Esse reator multipropósito brasileiro está sendo construído pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) no interior de São Paulo e vai ser fundamental para isso.