Assassinatos, sequestros e diferentes tipos de violência, casos que fogem da normalidade e ultrapassam o limite da crueldade atraem cada vez mais curiosos no audiovisual 

Por Samara Barboza

O interesse pelo mórbido, suspense e brutal está na moda nas redes, mas não relacionado ao ficcional. A adrenalina do público anseia por crimes recorrentes na vida real e o gênero true crime nunca esteve tão em alta como nos últimos anos. Aqueles que passavam a temer o aviso de “baseado em fatos reais” no começo ou final dos filmes estão cada vez mais imersos em casos verdadeiros e em acompanhar conteúdos em diferentes plataformas e esta demanda tem sido altamente atendida.

True Crime (crime real na tradução literal) é um gênero de entretenimento, que retrata fatos verídicos em diferentes formas, desde o audiovisual ao literário. Nestas obras são apresentadas narrativas e análises de crimes verídicos, além de investigações detalhadas. A grande maioria dos casos retratados incluem assassinatos e trouxeram para a boca da mídia e redes sociais nomes de assassinos em série. 

O gênero tem crescido nos últimos anos por, diferente de obras baseadas em histórias reais, o intuito do True Crime é apresentar situações verdadeiras. Muitas vezes carregam informações que não foram amplamente divulgadas, além do caráter, majoritariamente, jornalístico de apresentação de fatos. Os conteúdos costumam ser formados por entrevistas com os associados, gravações de tribunais, imagens de cobertura e outros elementos que podem ser exclusivos. Um exemplo deste formato está no documentário Conversando com um serial killer (2019) produzido com materiais de áudio de três criminosos. 

Antecedentes do True Crime

Exploração do interesse público pelo brutal e os erros da TV aberta brasileira nos anos 90-2000

True Crime pode ser um termo relativamente novo, assim como a expansão de produções. Mas seu uso como entretenimento não é tão recente quanto se pensa, tão pouco o interesse do público. Antes do termo se popularizar, a curiosidade pelo brutal não estava restrita a filmes de ação, terror ou policiais da ficção. Na verdade, era quase parte da rotina dos brasileiros, principalmente, os consumidores assíduos de canais da TV aberta no final dos anos de 1990 aos anos 2000, com as disputas entre Programa do Ratinho e o Linha Direta.

A guerra por audiência utilizando a miséria humana entre os dois programas foi encerrada depois de algum tempo: o Programa do Ratinho reduziu a frequência da exibição de crimes em sua grade e o Linha Direta foi tirado do ar após oito anos em atividade. Porém, abriu espaço para outros programas com moldes similares, em que a base é a retratação de crimes reais na sociedade brasileira, como Cidade Alerta e o Brasil Urgente, muitas vezes de forma não tão ética.

Ao longo dos anos, a cobertura de casos verídicos e o interesse do público foram lapidados e foram criadas fórmulas que priorizem as vítimas ao máximo possível. Muitas produções se distanciaram da fórmula adotada nos anos 1990-2000 e começaram a se pautar pela busca pela credibilidade e difusão de informações. 

Sucesso de séries criminais e o público no papel de investigador

Obras criminais e investigativas de ficção sempre instigaram a mente do telespectador. A série estadunidense CSI: Investigação Criminal (2000) liderou a audiência da emissora CBS durante anos e foi amplamente consumida pelo mundo. No Brasil, era transmitida pela Record em TV aberta. Não apenas a franquia CSI pode ser considerada um exemplo de sucesso. Mentes Criminosas (2005), também da CBS, acompanha agentes do FBI em sua missão de enfrentar criminosos, e tem o posto máximo de série mais vista nos streamings disponíveis nos Estados Unidos, com mais de 33,8 milhões de visualizações.

A CBS apresentou implicitamente a pauta que poderia futuramente se tornar um caminho próspero na era dos streamings, trabalhando com a curiosidade do telespectador. As duas séries marcaram a década de 2000: assim como Mente Criminosas, CSI – Investigação Criminal contou com 16 temporadas, além de três spinoffs longos.

Katiúscia Vianna, editora-chefe do site AdoroCinema, relembra que sempre viu crimes terríveis serem retratados em filmes nos nove anos em que trabalha na redação, mas ressalta o aumento entre as séries. 

“Acompanhei este crescimento no mundo das séries. A TV sempre teve um pouco disso em séries policiais, mas reconstruir um caso real começou a chamar muita atenção. Vale lembrar da primeira temporada de American Crime Story,“The People vs O.J. Simpson”, um sucesso de crítica e público. Então, acho que reforçou a tendência para mais histórias dessa forma.”, explica a jornalista.

Aumento do consumo e produção de conteúdos do gênero True Crime

Série documental O Caso Evandro (2021) na Globoplay, atualizações de casos recentes no Tik Tok, quadro Quinta Misteriosa no YouTube e podcast Leila (2022) no Spotify. Diferentes formatos contemplam os fãs do gênero e em quantidade cada vez mais expressiva. O aumento do interesse tem acompanhado a crescente produção de conteúdos e vice-versa. O número de adeptos da comunidade de fãs geral pode ser mensurado em parte pelo Tik Tok. A hashtag “#TrueCrime” possui 34,7 bilhões de menções, #TrueCrimeCommunity tem 11,5 bilhões, “#SerialKiller” com 6,3 bilhões e, no caso mais restrito ao Brasil, “#Crimesreais” apresenta 855.9 milhões.

Muitas pesquisas apontam as mulheres como maior nicho consumidor do gênero. Carol Moreira, formada em Produção Audiovisual, roteirista e apresentadora, é uma referência no ramo como uma das fundadoras do maior podcast brasileiro de true crime, Modus Operandi. Carol aponta que cerca de 75% do público do seu projeto, ao lado de Mabê Bonafé, é feminino.

“Existem várias discussões sobre isso e acreditamos que tudo influencia, seja a curiosidade de entender a mente humana, de saber sobre uma história tão diferente, ou até mesmo consumir para se sentir mais segura. Como as mulheres são a maioria das vítimas, entender sobre essas histórias pode significar também formas de se proteger e tentar evitá-las.”, explica a apresentadora.

Daniela Carmo, graduanda de Arquivologia na Universidade Federal Fluminense (UFF), sempre gostou de livros de investigação criminal e no final de 2022 começou a acompanhar podcasts de true crime. A estudante também enxerga nestes conteúdos uma forma de se prevenir de situações similares.

“Acho que fiquei mais esperta e menos ingênua em relação ao mundo”, Daniela explica. ”Com certeza me deixou mais em dúvida com todos, principalmente, homens. Fiquei um pouquinho “paranoica”, mas acho que isso pode me salvar futuramente ou já até me salvou”.

  Imagem: Samara Barboza

A psicóloga Sara Camilo explica que nenhum conhecimento é perdido e também enxerga no true crime uma forma de aprendizado e ajuda na auto segurança. “Ensina muito a como não cair em algumas emboscadas de pessoas que são inteligentes para o crime. Consumir esse tipo de conteúdo mostra de uma forma bem breve, e até sensacionalista às vezes, como essas pessoas pensam e qual a melhor forma de conseguirem vítimas”.

O que atrai o público no True Crime?

O não ficcional ganhou novas possibilidades para diferentes formatos serem explorados. As abordagens podem conter uma narrativa do pré, durante e pós dos assassinatos, análise do perfil do criminoso, processo de investigações e até teorias em situações nas quais o caso está em aberto. Não é um desafio encontrar pessoas que conheçam nomes como Ted Bundy, Charles Manson e Jeffrey Dahmer ou seus feitos repugnantes, que agora se integram à era do hibridismo de imagens, sendo retratados em áudio, vídeo ou páginas de um livro. Estas diferentes possibilidades tornaram este tipo de entretenimento ainda mais expressivo.

A psicóloga acredita que a popularização do gênero nos últimos anos está relacionada, principalmente, à curiosidade de compreender a mente humana, desde o processo de adoecimento do criminoso até a forma que o crime foi planejado. A curiosidade ainda impulsiona o comportamento de buscar informações sobre os casos. Como consequência, Sara pontua que essa ação gera sensações diversas, boas ou não.

“As pessoas têm curiosidade de entender todo o processo do pensamento de alguém com algum tipo de transtorno, o que levou ao crime e como o ato foi arquitetado. Querendo ou não, isso causa sensações, como nervosismo e ansiedade ou até animação por conta do suspense da história”, explicou a psicóloga. 

Dulce Dantas, estudante de Publicidade e Propaganda, se informa sobre casos de true crime desde 2018 e já experimentou estas sensações que causaram certos impactos. Dulce relembra que o caso que a deixou mais surpresa com Jonestown, seita religiosa comandada por Jim Jones, pela forma como através do poder das palavras ele conseguiu levar cerca de 900 pessoas a cometerem suicidio coletivo em busca do paraíso.

O gênero aborda grandes atrocidades e fazem o público duvidar da mente humana. Mas isso não o impede de ser amplamente consumido, pelo contrário, a brutalidade e o anseio pelo mistério tem atraído cada vez mais fãs. Katiúscia acredita que este fenômeno está ligado ao fascínio do ser humano por situações que fogem à normalidade.

“Crimes geram choque e medo, que funcionam até nos filmes de terror. Além de, é claro, fofocas e opiniões. Acho que vivemos numa fase midiática tão obcecada pela notícia mais quente ou o caso mais bizarro, que isso foi evoluindo para outras faces da cultura popular”, pontua a editora-chefe do AdoroCinema.

True Crime no audiovisual e a adoção pelos streamings

Pode-se dizer que os últimos cinco anos foram essenciais para o crescimento do gênero, sobretudo, graças às obras lançadas nesse período, responsáveis por estimular esse interesse dos espectadores. O Google Trends aponta que as buscas mundiais pelo termo triplicaram entre fevereiro de 2017 e de 2022. No Brasil, o assunto chegou ao seu pico de popularidade em outubro de 2021.

A alta busca marcou um novo desafio para o audiovisual: explorar mais o gênero. O público discutia sobre as motivações dos envolvidos, a forma como as investigações foram conduzidas e debatiam se a justiça foi feita ou não. A duologia sobre o crime de Suzane Von Richthofen e os irmãos Cravinhos (2020), Elize Matsunaga: Era uma vez um Crime (2021) e Todo o Dia a Mesma Noite (2022) são alguns exemplo de adaptações brasileiras lançadas neste período. Pessoas que eram jovens demais na época em que os crimes ocorreram puderam relembrar com detalhes. Aqueles que têm memórias do acontecimento puderam ver novos lados que não foram amplamente divulgados na ocasião. O brasileiro viu que assassinos cruéis não estavam restritos a terras distantes.

A Netflix deu o pontapé inicial e seus adversários acolheram a ideia, com a série documental Making a Murderer (2015), considerada a primeira grande aposta no true crime. No documentário, as imagens são registradas ao longo de 13 anos e acompanham dois condenados que podem não ter cometido o crime pelo qual foram acusados. O clima de suspense e estudo do caso em cenas estimula o interesse em compreender os precedentes do crime e descobrir o desfecho da situação. Até 2016, a obra era a segunda série mais vista da plataforma, com 19,3 milhões de espectadores. Ao longo dos anos os assinantes veriam o investimento frequente na produção de novos títulos e importação de outros já existentes em seu catálogo. Algumas mais preocupadas com a verdade do que outras. 

“Todo mundo sempre foi curioso com true crime, desde os primórdios da história. Mas com o tempo, os conteúdos foram ficando cada vez menos sensacionalistas, mais sensíveis e com qualidade de produção e o público percebe isso. Também o hype de alguns casos famosos gera comoção e curiosidade.”, explica Carol Moreira.

Em outubro de 2022, a Netflix disponibilizou “Dahmer: O Canibal Americano”, vivido por Evan Peters. Entre críticas positivas e negativas, controvérsias e aclamação, Dahmer chegou a ficar durante várias semanas no top 10 das mais vistas da plataforma e superou a marca de 1 bilhão de horas assistidas, se tornando a maior audiência da Netflix desde a série sobrenatural Stranger Things (2016), segundo o site Tecmundo. 

True Crime na criação de conteúdo na internet

A difusão do gênero tem muito a agradecer à criação de conteúdo para a internet. Com as diferentes possibilidades e praticidade das redes sociais, o true crime garantiu um público fiel, assim como os criadores de conteúdo. O YouTube foi um dos responsáveis por deixar o gênero em alta. Por mais que já existissem youtubers que relataram casos há alguns anos na plataforma de vídeos, foi a partir de 2018 que o cenário começou a esquentar com o lançamento do quadro Quinta Misteriosa de Jaqueline Guerreiro. O canal, que era voltado para a área da beleza, atualmente não possui quase nenhum rastro do antigo “télos”, e consagrou a conta da jornalista como a maior sobre o gênero no Brasil. 

Depois da fórmula de sucesso, alguns youtubers que já estavam em andamento há anos emergiram e ganharam mais espaço, enquanto outros tiveram que inovar. Por exemplo, Luiza Akemi com o canal Cafézinho Investigativo, em que apresenta casos de origem asiática. Ou  a pós-graduanda em criminologia e política criminal e veterana no YouTube, Isabel “Bel” Rodrigues, que apesar de não tratar tanto sobre true crime e ter conteúdos mais voltados para literatura, sabe como explicar casos com responsabilidade.

Esther Albrecht é criadora de conteúdo para o Tik Tok desde dezembro de 2022 com o canal @estheralbrechtt e já acumula cerca de 350 mil seguidores, com vídeos que garantem de 150 mil a 1 milhão de visualizações. Assim como muitos youtubers e tiktokers, Esther tinha outro foco no começo, voltado para moda. Porém, se rendeu aos crimes reais e tem chamado atenção na plataforma desde então. Seu vídeo mais popular é sobre o caso brasileiro ainda não solucionado de Isabelle Mariano, que conta com mais de cinco milhões de visualizações. 

“Meu objetivo no início era fazer vlogs e vídeos de moda, mas depois de um mês postei um vídeo contando uma história que me interessava e as pessoas gostaram. A quarta história que eu postei bateu milhões de visualizações, eu já amava o assunto então continuei e nunca parei”, explica Esther.

O durante e o pós pandemia alteraram a forma como as pessoas consomem mídia e concedeu maiores espaços para vídeos curtos e podcasts. Segundo a pesquisa realizada em parceria entre Ibope e Globo, 57% dos entrevistados começaram a ouvir programas em áudio digital durante a pandemia. O cenário pós-pandemia ainda é positivo para os podcasts, o Cetic registrou um crescimento de mais de 132% nesse período. No caso de programas sonoros de true crime, o formato conquistou um aumento de 52% no Brasil ao comparar o primeiro semestre de 2021 com o mesmo período em 2022, segundo a assessoria de comunicação da empresa. 

A prova do sucesso dos podcasts pode ser observada no fenômeno brasileiro “A Mulher da Casa Abandonada” (2022) de Chico Fellicci. Com episódios semanais de pura tensão e suspense, o público ansiava por novas informações e o desfecho da história. O podcast dominou desde discussões em redes sociais até rodas de conversas, ao ponto de mobilizar pessoas a irem até a rua das famosa casa da história. “A mulher da casa abandonada” bateu recordes de audiência, com sete milhões de downloads nas principais plataformas de áudio, sendo que os quatro primeiros episódios superaram 1 milhão cada um. O caso provou novamente que o true crime é uma aposta lucrativa. 

Obrigados a se adaptarem aos novos formatos, muitos criadores de conteúdo adaptaram seus trabalhos para o sonoro. Enquanto isso, outros viram esta uma oportunidade de ascender, como o Modus Operandi, podcast comandado por Carol Moreira e Mabê Bonafé desde 2020. Atualmente, o trabalho da dupla está entre os 10 podcasts mais consumidos no Spotify em 2023, segundo o portal PurePop. O produto principal rendeu outros projetos para a dupla, como relatado por Carol. Entre eles estão o programa Além do Crime no canal da Netflix no YouTube, o jogo Galápagos UeStop! Modus Operandi e o livro Modus Operandi: Guia de True Crime, publicado em 2022.

“A ideia do livro é discorrer sobre diversos temas que abordamos ao longo dos 163 episódios do nosso podcast. Como investigação, perfis criminais, tipos de crimes, serial killers e outros. O objetivo era criar um guia simples e didático para quem é fã do gênero e tornar melhor a experiência de assistir um documentário ou filme depois de lê-lo.”, explicou a apresentadora.

A ascensão do True Crime no Tik Tok seguiu por uma linha similar. Entre criadores de conteúdos que enxergaram possibilidades valiosas está Marisa Ricci, que integra o ramo desde julho de 2020, quando o gênero ainda não era tão utilizado no aplicativo. Em sua conta @lady_from_stars, ela acumula mais de 2,3 milhões de seguidores e uma grande audiência, que varia de 80 mil a 2 milhões de visualizações. Ao revelar um pouco da rotina de trabalho, Marisa explica que o processo de decidir o caso, pesquisas, roteirização, gravação e edição leva cerca de uma hora e meia por vídeo. 

De hobby a profissionalização, atualmente trabalha unicamente com a criação de conteúdos para a internet, também para o YouTube e o Spotify. Formada em Letras, ela revela que seu TCC foi voltado para sua área de trabalho atual, intitulado de “Ouvindo um serial killer: uma análise em fonética forense do serial killer Ed Kemper”. Ela ainda pretende fazer uma pós-graduação em Linguística Forense, e mostra que diferente do que muitos imaginam, Letras tem pontos que a ajudam em sua profissionalização com crimes reais.

De pressão popular ao sensacionalismo: os dois lados da produção e consumo do True Crime

Ainda que seja um gênero entre os nichos do entretenimento, é importante que a comunidade lembre que se trata da realidade, em que pessoas morreram ou carregam traumas para a vida inteira. Em entrevista à BBC, Julia Shaw, pesquisadora da University College London, escritora e especialista em psicologia criminal, relembrou que existem pessoas reais que foram afetadas por esses crimes. Elas não têm o luxo de apenas desligar o podcast ou a televisão e voltar às suas vidas normalmente. 

Esther explica que redobra o cuidado quando trabalha com casos brasileiros preocupada em não causar mais sofrimento às famílias das vítimas. “Penso em coisas que não faço quando falo dos internacionais, porque às vezes a família pode acabar vendo ou se o vídeo for muito compartilhado pode acabar trazendo uma visibilidade que os familiares não gostariam”.

Katiuscia Viana acredita que existem muitas questões a serem consideradas quando se trabalha com true crime, como os sentimentos das vítimas e pessoas próximas. “Para muitos, será cedo demais, então precisa de um timing certo, a ponto de ter espaço para poder analisar de forma crítica. Mas sempre irá afetar as vidas daqueles envolvidos com o caso. Então, o importante é não glamourizar o ocorrido — e muito menos os criminosos, que acabam ganhando protagonismo nessas obras. Tem que ter respeito com aqueles que sofreram, afinal não podemos tratar da mesma forma que um roteiro de ficção”.

Dahmer – Um Canibal Americano, sofreu diversas críticas pela forma como moldou o serial killer e pelos furos irreais do roteiro. As famílias das vítimas foram contra a produção pela forma em que Jeffrey Dahmer foi retratado. Como consequência, o assassino em série mais uma vez foi glamourizado, passou a ser utilizado como fantasia de Halloween e construiu grupos de fãs. 

Em busca de desmistificá-los, certas produções mostram um lado romantizado de criminosos. Situação similar ocorreu anos antes com o filme Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal (2019), quando Bundy foi interpretado pelo ator Zac Efron. A forma como a narrativa foi realizada abriu brechas para que o público criasse uma empatia pelo serial killer, ao ponto que a Netflix precisou intervir. 

“Eu tenho visto muita conversa sobre a suposta gostosura de Ted Bundy e gostaria de lembrar gentilmente a todos que existem literalmente MILHARES de homens gostosos no serviço – quase todos os quais não são assassinos em série condenados” — Imagem: Reprodução/Netflix

A psicóloga Sara Camilo pontua casos específicos que não podem ser esquecidos entre o nicho: aqueles que consomem para reproduzir passos. Um exemplo é o massacre de Columbine (1999), que inspirou outros casos de ataques em escolas. A forma irresponsável como o caso foi retratado pode ser apontada como um dos responsáveis pelas consequências mesmo após mais de 20 anos.

Por outro lado, é inegável que a popularização tem seus benefícios e quanto mais conhecimento a respeito, mais o público pode ajudar, seja com pressão popular para que a justiça seja feita ou com informações. Em maio, a jovem Kayla Unbehaun, desaparecida após ter sido sequestrada há seis anos, foi reconhecida por um funcionário de uma loja que tinha visto sua foto no documentário da Netflix, Mistérios Sem Solução. Esse fato fez com que o true crime recebesse uma nova responsabilidade, a de prestar um serviço. Marisa lembra que já houve momentos em que pessoas entraram em contato para que ela divulgasse informações sobre um crime próximo em seu canal e pudesse alcançar mais pessoas.

“A maioria dos que entram em contato reportam casos sem solução e pedem para divulgar o retrato falado, a foto do suspeito ou a situação em si. Muitos casos ao redor do mundo foram solucionados por compartilhamento na internet. Quanto mais você falar sobre os casos sem solução, mais chances de alguém lembrar de alguma informação”, pontua Marisa.

A ressignificação do papel de conteúdos sobre crimes foi adotada pelos novos moldes do programa Linha Direta, que retornou à grade da Globo em maio. Sob o comando de Pedro Bial, casos que marcaram o país, antigos e recentes, são reconstituídos, dando voz aos envolvidos. No final de cada episódio, o apresentador explica um novo caso, que se encontra sem solução e passa as informações ao público de como ajudar no andamento das investigações, divulgando canais de comunicação para que qualquer detalhe possa ser dado em anonimato. 

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