Por Ana Flávia Rodrigues

Embora associadas, muitas vezes, à despolitização do ambiente universitário, as atléticas, entidades estudantis responsáveis, sobretudo, pela prática de esportes, têm conquistado espaço no cenário das lutas e dos debates sociais. Presidente da Atlética de Artes de Comunicação Social da UFF (AACS), Isadora Dias, estudante de Produção Cultural na UFF, lembra que ao longo dos 11 anos de história, os estudantes que vestem preto e rosa construíram um espaço importante de mobilização política e inclusão no esporte universitário. 

“Acho que pensar atléticas como espaços sem política é se valer de um discurso equivocado e até mesmo limitado. A realidade da AACS é uma realidade política. Quando não admitimos racismo, homofobia, machismo e outros tipos de discriminação nos nossos ambientes, estamos sendo políticos. Quando estampamos lutas e mensagens para que não sejam apagadas e nos lembrem de algo importante, estamos sendo políticos. Quando nos manifestamos contra movimentos que ferem a nossa democracia, estamos sendo políticos. A política aqui se faz de maneira constante e indissociável da realidade”, afirma a atleta de handebol.

Todos os anos, durante os Jogos Universitários de Comunicação Social, a AACS ocupa as arquibancadas com mensagens explicitamente políticas. Larissa Maia é ex-presidente da AACS e viu de perto a necessidade de assuntos sociais serem pautados nesse meio. “A atlética é um lugar com um coletivo de pessoas diversas, de diferentes classes sociais, diferentes cores, diferentes sexualidades e que usam o esporte, dentro da faculdade, para falar sobre política e sobre ações sociais e usar esse espaço como um lugar de transformação e ação efetiva.”

O amadurecimento político ao longo do tempo

A AACS foi fundada em 2012, num momento em que as questões sociais ainda não eram tão latentes dentro da organização. Giovani Oliveira é estudante de desenho industrial da UFF desde 2016 e viu de perto e, gradativamente, a construção da consciência política coletiva na atlética. “Posso dizer que, na UFF, a AACS foi uma das pioneiras. Naquela época, quando eu entrei, ainda rolava um pouco daquele comportamento meio troglodita, mas não durou muito. Eu vi uma mudança de postura acontecendo dentro da AACS quando muitas outras atléticas nem estavam se preocupando com isso”, afirma o futuro designer.

Larissa considera que o perfil da AACS mudou quando a universidade passou a se tornar mais plural e receber pessoas para além da elite branca.  “As pessoas que precisavam ter voz e precisavam falar entraram na atlética e se abriram pra ouvir a proposta. Foi preciso juntar toda essa diversidade de pessoas, pensar no projeto e botar isso pra frente. A gente estava ocupando aquele espaço pra ter ações coletivas que dessem voz à quem precisava ter voz. A partir disso, surgiu a Uffafavela, a Uffantástica, porque a diversidade precisa explodir, ela precisa existir, ela precisa falar”, afirma.

A Uffantástica

Em 2019, foi fundada a primeira torcida independente LGBT+ da AACS. Além de apoiar a atlética nas arquibancadas, a Uffantástica se tornou um importante canal de ocupação de espaços em que a heteronormatividade costumava ser predominante. Com campanhas sobre orgulho, combate às violências baseadas em gênero e sexualidade e acolhimento às vítimas, o arco-íris se juntou ao preto e ao rosa na luta por uma atlética mais plural e inclusiva.

Ação da AACS UFF no JUCS de 2019 | Foto: Lilo Oliveira

Giovani é membro da torcida que, embora tenha mudado sua forma de atuação, ainda é presente na arquibancada, seja nas cores ou nas pessoas que representam essa luta. “A AACS abre espaço e a Uffantástica vem pra não deixar a peteca cair e deixar claro que a gente está ocupando espaços que são nossos. E a gente faz isso com diversidade nos times, na diretoria, na bateria. Joga como mulher, entendeu? [se referindo à campanha de apoio aos times femininos] Mulheres na diretoria, mostrando um trabalho exemplar, levantando troféu. É importante por causa disso. Porque, infelizmente, a gente tem que continuar reafirmando a todo tempo que nós temos que estar lá, sim”, pontua.

Mel Gomes, a estrela-guia da AACS

Em 2022, a AACS se despediu de uma figura fundamental para a construção de sua consciência política. A produtora cultural Mel Gomes morreu em fevereiro do ano em que a atlética retomou suas atividades. Engajada com o esporte universitário e com o movimento estudantil, Mel era querida por todos e conhecida por sua dedicação à política e à luta contra a LGBTfobia e o racismo. 

Mel Gomes, que hoje dá nome ao anfiteatro do novo Iacs, deixou um legado de luta que se perpetua entre os membros da AACS. Giovani lembra da amiga como uma grande inspiração: “Ela foi esse exemplo, é inegável. Essa força segue existindo porque ela foi isso pra gente. Ela foi o divisor de águas da atlética. Existem o antes e o pós Mel. Ela merece todas as homenagens que a gente sempre faz”.

O legado de Mel Gomes é carregado por todos que vestem a camisa da AACS UFF. | Foto: Lilo Oliveira
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