Três em cada quatro trabalhadores domésticos não tem carteira assinada, contratantes se aproveitam da falta de direitos garantido

Por Thayssa Rios

Famílias por todo o Brasil contam com empregadas domésticas e profissionais dessa área com carteira assinada que se dedicam às suas residências, porém o empenho exclusivo a uma única residência está se tornando cada vez menos comum. Muitos patrões preferem as diaristas, uma mudança que transforma essas profissionais em autônomas e muitas das vezes até podem ganhar mais trabalhando cada dia numa casa diferente, mas ficam sem garantias sociais como férias, previdência, auxílio-doença, décimo terceiro, licença-maternidade, jornada diária de oito horas, seguro-desemprego, acesso ao FGTS, indenização em caso de demissão sem justa causa e até mesmo um prato de comida negado como é o caso de Ina e Maria que lidam com a fome durante o serviço.

Poderia ser motivo para comemorar os direitos trabalhistas estendidos à categoria na emenda constitucional que ficou conhecida como PEC das Domésticas, que completou 10 anos em abril, mas se tornou uma realidade mais distante de mulheres que já trabalhavam faxinando casas e nem sempre encontram vagas. Além disso, o salário-mínimo não dá conta em muitas casas de mães solteiras como conta Maria:

— Com três filhos, dois netos, aluguel e alimentação o olho da cara, como que faz para se manter com um pouco mais de mil reais? Não tem como. Eu sei que eu perco direito de um monte coisa, mas prefiro me sacrificar pela minha família de ganhar um pouco mais — disse Maria.

Aos 57 anos, a diarista garante o sustento da família trabalhando em diferentes casas. A diária varia no valor de R$ 100 a R$ 180, mas em alguns dias acaba saindo caro já que não tem passagem paga e nem direito a comida e a água.

— Não é mole não, tem patrão que até tranca o armário para gente não comer. E eles falam que não vão dar comida e até água tenho que levar uma garrafa. E a gente tem que se sujeitar, eu prefiro ficar com fome durante o dia e poder dar uma janta direita dentro da minha casa.

A alimentação, a água e até o uso do banheiro negado não é um caso isolado com alguns patrões de Maria. Diarista há 25 anos, depois de perder o emprego por ter engravidado, Ina, de 60 anos, também enfrenta casos parecidos.

— O que me ajuda é pensar que eu estou perto de me aposentar e que vale a pena porque minha filha estuda e tem as coisas dela direitinho. A gente vive com dignidade, tenho minhas coisas em casa então não fico sofrendo por causa de comida da casa de patroa não — contou Ina que em algumas casas só pode comer o que sobra depois dos patrões terem feito a refeição, em outras ela leva lanches para “enganar o estômago”.

Em uma das residências, o pagamento dela não é em dinheiro. A patroa lhe dá o cartão-alimentação que recebe do serviço para que a diarista faça as compras do mês em troca da limpeza da casa, lavar e passar as roupas.

— Não é certo, mas foi o acordo que eu fiz com ela. É melhor isso do que nada, né? E é sempre assim, eu acabo pensando que é melhor desse jeito do que se eu não tivesse e com isso tem patrão que abusa — desabafou.

Ina acumula funções para além da faxina. Em uma das casas ela lava até o carro da patroa, cuida dos cachorros e ainda cozinha sem mesmo poder comer o que está preparando.

— Eu não me aperto não, dou umas beliscadas escondidas e problema dela se ela reclamar. Ela colocou câmera na casa para me vigiar enquanto trabalha. Essa é a mais abusada, até absorvente sujo e camisinha usada ou calcinha no chão ela acha que é minha obrigação de tirar.

Uma luta que se iniciou nos anos 70, mas se formalizou apenas em 2010, conseguiu vencer e ter os direitos das empregadas estabelecidos pela Constituição Trabalhista. As registradas têm direito até a abono salarial, mas quantas se encontram nessa realidade no Brasil?

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, de 2012 a 2022, mostrou que três em cada quatro trabalhadores domésticos não têm carteira assinada, número inferior ao de antes da emenda constitucional. Para muitos, não compensa financeiramente e os patrões vem cada vez mais se aproveitando destas situações para explorar as diaristas.

A antropóloga Marcele Dantas, que pesquisa sobre violências domésticas, afirma que, apesar de ser um absurdo, “não é uma surpresa em um país como o Brasil”.

— Não precisa muito esforço para perceber o que está por trás disso. Se as estatísticas mostram que a maioria dessa classe trabalhadora é negra e pobre e que a classe média e alta, que tem condições de pagar, é branca, mais uma vez o Brasil escancara para gente os problemas estruturais e sociais que temos para enfrentar.

*O sobrenome das diaristas foram ocultados a pedidos delas por medo de serem identificadas e perderem seus empregos.

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