O salgado tão amado pelos niteroienses é reconhecido como patrimônio cultural imaterial da cidade

Por Beatriz Riscado

Se você abrir um dicionário e procurar pela definição de italiano, muito provavelmente vai se deparar com algo relacionado ou pertencente à Itália, aquele país da Europa bem conhecido por sua arte e culinária deliciosa. Mas, para o niteroiense, a palavra tem outro significado: uma massa fofinha, tradicionalmente recheada de presunto e queijo, que é tão querida ao ponto de ser declarada patrimônio cultural imaterial da cidade. A relação de amor entre Niterói e o salgado é tão antiga e marcante que, no final de 2022, passou a ser legalmente parte da história municipal.

“Eu acho que a ideia do projeto de lei veio muito dessa caracterização e, ao mesmo tempo, dessa paixão que o niteroiense tem pelo italiano. Por mais que você tenha o salgado em diferentes cidades Brasil afora, especificamente em Niterói ele tem esse nome. Isso faz algo se relacionar diretamente com a identidade dos munícipes. É a mesma coisa que você conversar com um mineiro e ele falar do orgulho do pão de queijo de Minas. E a gente quis fazer esse registro dentro da esfera protocolar, que é a legislação. Assim como o carnaval é um patrimônio cultural imaterial do Rio de Janeiro, o italiano é de Niterói. Porque é único”, declarou o vereador Jhonatan Anjos (PDT), autor do PL 124/2022.

O projeto de lei entrou em discussão no início de novembro e, menos de um mês depois, foi aprovado pela Câmara dos Vereadores e sancionado pelo prefeito Axel Grael, tornando-se a Lei Ordinária 3.761. Segundo Jhonatan, o processo correu tranquilamente e teve adesão de 100% dos vereadores, recebendo apoio da própria população niteroiense, de estabelecimentos que comercializam o salgado e da imprensa, que entrou na famosa brincadeira em torno da rixa “joelho x italiano”.

“Todos os vereadores se identificaram imediatamente com a pauta, considerando que ela mexe com o coração do niteroiense. Acho que essa relação vem da marca que o italiano tem na vida de muitas pessoas, seja ali na correria do dia ou nas lembranças. Eu, por exemplo, sou da zona norte de Niterói e, na infância, sempre que ia ao Centro com meus pais para fazer qualquer coisa, comia um italiano. E aí também entra a peculiaridade do nome, que mexe com o orgulho e com a paixão que a gente tem pela cidade e suas características. O niteroiense se engrandece pela história de Araribóia e o italiano acaba entrando nesse pacote de defesa”, opinou Jhonatan.

Jhonatan Anjos, à esquerda, em visita à Hungara Lanches de Icaraí. Foto: Ivan Santos

O italiano é o carro-chefe das principais lanchonetes de Niterói e, quiçá, está entre as refeições mais consumidas pelos moradores da Cidade Sorriso. Alguns dos estabelecimentos, inclusive, são exclusivamente focados na produção do salgado e possuem diferentes variações de recheios, desde o “original” presunto e queijo até brigadeiro. A tradicional Ponto Jovem, por exemplo, que está há quase 50 anos na Rua Miguel de Frias, em Icaraí, atualmente conta com mais de 22 sabores de italiano em seu cardápio. Já a Hungara Lanches, presente no mercado há 40 anos, vende quase mil italianos por dia em Niterói e conta com 30 franquias espalhadas em cidades como São Gonçalo, Rio de Janeiro e Maricá. Para Jhonatan, a lei também é uma forma de homenagear esses produtores.

“Precisamos valorizar o que Niterói produz como atividade cultural. A gente não tem só artistas e uma produção muito rica, mas também toda uma história socioeconômica relacionada à gastronomia. A pesca é um patrimônio imaterial da cidade e é reverenciada em todo o estado, então o niteroiense se identifica com isso e tem o Mercado Municipal de Peixes como um patrimônio e local de memórias. Quando a gente fala do salgado italiano, também queremos reverenciar historicamente lanchonetes com mais de 50 anos de tradição que se mantêm firmes até hoje. A ideia da lei foi justamente conseguir fazer um reconhecimento a esses produtores tão importantes para a identidade municipal”, expôs.

A lei chegou como uma espécie de carteira de identidade para o salgado e, segundo o vereador Jhonatan, deu uma certa vantagem a Niterói na “disputa” contra o Rio. O embate linguístico e gastronômico de italiano x joelho é tão antigo que nem se sabe ao certo como começou, mas é óbvio para todos que está longe de acabar. Para o niteroiense, pouco importa a história envolvendo o poeta Emílio de Meneses e o trocadilho com o joelho, que ficava abaixo das coxinhas de frango nas vitrines do início do século XX. É italiano e ponto final. 

E o nome está tão marcado na história da cidade que vai até parar na pele. Literalmente. 

Em maio deste ano, a niteroiense Manoella Peçanha, de 30 anos, viralizou na internet com uma tatuagem que homenageia sua cidade natal e, ao mesmo tempo, alfineta os cariocas: a palavra italiano no joelho direito. A bacharel em Direito, que já morou no Acre e atualmente está em Garanhuns, cidade de Pernambuco, contou que nunca encontrou um italiano parecido com o de Niterói nos sete anos que está longe e que essa foi a forma de eternizar na pele o carinho pela cidade.

“Decidi fazer a tatuagem porque gosto de marcar na minha pele coisas que impactam. Independente de onde morei, a busca era sempre por um italiano — nunca perdi o hábito — e infelizmente nunca encontrei nem parecido. Algo que era tão rotineiro e amado se tornou impossível pelas bandas que andei, fosse no Acre, fosse em Pernambuco. Acho que o ser humano tem um hábito de ser competitivo e nossa rixa com o Rio tornou o nome italiano ainda mais amado. E tornou-se até carinhosa a forma de demonstrar orgulho de ser niteroiense”, disse Manoella.

A tatuagem despertou comentários divertidos nas redes sociais, com vários internautas se identificando. A Prefeitura Municipal de Niterói, inclusive, compartilhou a foto em seu perfil do Instagram e brincou com a atitude de Manoella. “Pois é, isso aí é amor de verdade!”, escreveram na legenda.

“A cultura da nossa cidade é rica em inúmeros aspectos, até mesmo na gastronomia. Então penso que firmar a ideia, torná-la oficial, é uma forma de enaltecer o que é nosso. Podemos ser chamados de bairristas, mas somos apenas orgulhosos com a nossa Niterói”, finalizou Manoella.

Tatuagem de Manoella. Foto: Reprodução
Skip to content