Por Catarina Brener e Maria Luísa Pimenta
Encontrar pessoas em frente ao celular fazendo gestos repetitivos e sons específicos virou rotina no Tik Tok. Em setembro de 2023, as lives de NPC, sigla de “non-playable character” (“personagem não jogável”, em tradução livre), viraram tendência e foram o assunto mais comentado no Google Trends. Elas não só atraíram uma audiência grande, como movimentaram milhares de dólares diariamente. Agora, praticamente todo mundo que usa a internet já se deparou com esse termo.
A trend dividiu opiniões: se por um lado alguns acharam interessante, outros tinham suas críticas. Enquanto essa briga tomava conta da internet, algumas pessoas apenas se jogaram de vez na tendência e decidiram testar se tudo que falavam das lives NPC era realmente verdade. Atualmente, o tema já não tem a mesma relevância na mídia e pouco se fala sobre a trend que dominou as conversas em setembro deste ano. Porém, o seu impacto na vida dos streamers permanece até hoje.
O que são as lives NPC?
Nos videogames, um NPC é um tipo de personagem que não é manipulado diretamente pelo jogador. Os NPCs desempenham uma variedade de papéis nos jogos, desde fornecer informações, desafios ou missões ao jogador até apenas preencher o mundo do jogo para torná-lo mais vivo e imersivo. Eles acabam sendo personagens dentro de um jogo que o jogador não controla diretamente, mas com os quais pode interagir de várias maneiras.
Em um enredo de game, por exemplo, ele pode ser um cidadão da vila que ajuda a fornecer informações sobre a cidade. Em geral, eles compartilham a característica de possuir ações e diálogos restritos, o que ajuda a explicar o tom mecânico que os influenciadores buscam emular durante as transmissões de NPCs.
As lives de NPC apresentam criadores de conteúdo que se inspiram em personagens de games e fazem gestos que correspondem às figuras que imitam. No entanto, a audiência desempenha uma interação crucial, influenciando as decisões dos personagens e moldando o curso das narrativas. A intenção é imitar os comportamentos limitados desses personagens durante um longo período, recompensando com presentes virtuais, como rosas, chocolates, pirulitos, milho e outros, até que a exposição gere renda suficiente.
Com uma origem vaga, especialistas afirmam que elas surgiram na Ásia, mas se popularizaram com a canadense PinkyDollque, que tem um bordão super famoso: “Yes, yes, ice cream so good” (“sim, sim, sorvete é tão bom!”, em tradução livre). Ela disse ao The New York Times que já arrecadou mais de US$3 mil (cerca de R$14,6 mil) em uma única live.
Já no Brasil, diversos influenciadores entraram para a trend, mas o youtuber Felca, Felipe Bressanim, foi quem fez mais sucesso. Ele começou fazendo um vídeo no Youtube criticando as lives no TikTok. Após 50 minutos, ele viu que aquilo poderia ganhar muito dinheiro e decidiu satirizar a tendência. Ao mesmo tempo que estava gravando no Youtube, ele também abriu uma live no Tik Tok. Em entrevista ao Splash, da Uol, ele comentou como ficou surpreso com a quantidade de gente que entrou na live.
“É uma extensão de uma piada que fiz ali no YouTube. Eu não achei que ia dar tão certo. Para mim, é como se eu tivesse feito um bolo, colocado uma cereja em cima do bolo, e as pessoas só tivessem notado a cereja, e não visto o bolo“. Enquanto ele levou três anos para chegar a 1 milhão no Youtube, conseguiu, em apenas quatro dias, a mesma quantidade de seguidores no Tik Tok.

O empurrãozinho para entrar nas lives NPC
O que faz uma pessoa decidir realizar uma live NPC? Para Marcelo Rogério, criador do TikTok Pop Creature, o motivo que o incentivou a entrar no mundo das lives NPC foi justamente o sucesso de Felca. “Comecei a fazer lives quando viralizou, logo após as especulações de quanto o Felca estava ganhando. Eu já tinha uma ideia, então só peguei minha fantasia e sentei na frente do celular despretensiosamente, na primeira vez, pra ver qual seria o resultado”, explicou em entrevista ao O Casarão.
Rapidamente, suas lives começaram a fazer sucesso. “Nas duas ou três primeiras lives, já consegui 1 milhão de curtidas, muitos novos seguidores e vários presentes. O resultado foi surpreendente e, por isso, continuei”, ressaltou o tiktoker. Atualmente, o Pop Creature possui mais de 460 mil seguidores e mais de 4 milhões de curtidas na plataforma.
Quanto ganha uma pessoa que faz live NPC?
Quando essa tendência estourou na internet, a pergunta mais repetida era: quanto ganha uma pessoa que faz live NPC? Em um vídeo publicado por Felca, ele respondeu a esse questionamento: R$ 32 mil com 7 lives, o que significa cerca de R$ 2 mil por hora. Felca foi um dos tiktokers que mais obteve sucesso com a trend por causa de sua visibilidade e por ser um dos seus pioneiros no Brasil. Por isso, os valores que ele arrecadou são tão exorbitantes. Porém, ele não foi o único streamer que ganhou bastante dinheiro com isso.
Marcelo Rogério revelou que o valor que ele recebeu em apenas poucos dias já foi o suficiente para ajudar nas contas de casa. “Em 5 dias fazendo 2 horas de live por dia ganhei o suficiente pra pagar meu aluguel e todas as contas do mês”, contou em entrevista ao O Casarão.
A principal forma de monetizar nessas lives é por meio de doações dos usuários, variando de acordo com o que cada um deseja doar. O Tik Tok disponibiliza uma área chamada “Moedas”, que permite às pessoas comprarem e depois usarem mais tarde nas lives. Na seção de compra de moedas, tem algumas opções de pacotes. O mais barato tem 12 moedas e sai por R$0,90. Já o mais caro, com 39.645 moedas, custa R$2,9 mil. É por meio dessas moedas que os usuários enviam os presentes e dão dinheiro para o influenciador.
Após tanto sucesso, o youtuber Felca decidiu doar os R$ 31 mil que ganhou em apenas sete dias para instituições como Fundação Sara, Amigos do Bem, Instituto Ayrton Senna, Fundação HAJA, para crianças com câncer, entre outras.
Em live, ele perguntou por que as pessoas doaram tanto dinheiro e explicou que a intenção era fazer uma piada e criticar a recente onda de transmissões de NPC. “Desde o começo, quando vi o dinheiro entrando, eu falei assim: ‘Isso aqui não é meu, não. Isso vai para outras pessoas’”, ele comenta. Em menos de um mês, houve uma diminuição drástica de lives de NPC na plataforma e, agora, elas só conseguem ser encontradas por usuários que já seguem a conta.

Por que as pessoas pagam nas lives NPC?
O psicólogo Fernando Amorim, especialista em comportamentos de redes sociais, acredita que assistir aos outros passarem vergonha é uma sensação agradável para aquela audiência. “Além da questão do controle, de o personagem da live só falar o que as pessoas mandarem, tem muita gente que gosta de assistir por achar engraçado ver os outros passando vergonha alheia”, ele diz em entrevista ao O Casarão.
Fernando Amorim acredita ainda que o fato de as pessoas pagarem nas lives NPC também está relacionado a uma questão de superioridade. “Fazer um comando e ver outra pessoa obedecendo na mesma hora cria uma sensação de poder. O valor pago em um ‘presente’ nas lives NPC não é tão alto. Então, para algumas pessoas, acaba valendo a pena pela chance de ver o outro sendo submisso“, explica. “As lives NPC são uma forma fácil de se sentir superior e, por isso, tanta gente paga por elas”, conclui.
Outros impactos da live NPC nos influenciadores
O dinheiro recebido nas lives NPC é um fator importante, mas não é o único. Em suas lives, Marcelo Rogério escolheu um personagem relacionado ao seu conteúdo no Tiktok, que fala sobre cultura geek/pop. “Queria alguém com quem as pessoas se conectassem de cara e que se conectasse com o resto do meu conteúdo, que é sobre cultura pop. Então já tinha uma fantasia do Ash, um treinador Pokémon, em casa. Aproveitei!”, disse ao O Casarão.
Essa estratégia funcionou, pois atraiu pessoas que se interessam por esse conteúdo. Com isso, seu engajamento foi positivo. “Já trabalho com influência e criação de conteúdo há um bom tempo e toda a minha motivação em começar as lives foi para ganhar visibilidade para o meu perfil. O dinheiro que entrou foi espetacular, mas eu queria mesmo era engajamento. Então fiquei feliz com as visualizações e toda a repercussão“, disse. Além do engajamento e do dinheiro, a prática de fazer lives NPC também trouxe impactos pessoais para Marcelo. “Me fez perder a vergonha, inclusive“, confessou.
Felca também vê o lado positivo das lives NPC. Ainda que tenha começado criticando o conteúdo, ele comenta como ainda se diverte: “É justamente o senso crítico que me faz me divertir tanto. É meio preocupante, na verdade. Ontem tinha 30 mil pessoas [na live] e eu dei risada quando pensei ‘caramba! Eu tô prendendo a atenção de 30 mil pessoas que tão nessa parada assistindo um cara falando ‘rosa, rosa’”, disse na entrevista ao Splash Uol.
Por onde andam os tiktokers que faziam live NPC?
Por cerca de três semanas, só se falava de lives NPC na internet. Agora, a febre diminuiu e o assunto já não está mais tão em alta. O próprio Tik Tok começou a restringir a visibilidade delas. Muitos usuários reportaram que começaram a receber um aviso específico: “Sua live não pode ser recomendada e será restrita nos resultados de busca, porque ela pode apresentar conteúdo que envolve ações muito repetitivas, não autênticas ou degradantes para induzir os espectadores a enviarem presentes“.
Além dessa restrição, os próprios espectadores das lives acabaram perdendo um pouco o interesse. “Ainda existe e ainda dá pra fazer live NPC, mas a galera já não está engajando mais como antes. O TikTok não proibiu, então ainda dá, mas não acho que seja a plataforma que “limitou” e sim as pessoas que perderam interesse mesmo“, explicou Marcelo Rogério.
Outro fator que pode explicar a diminuição de lives NPC é a perda de interesse pelos próprios streamers. Ficar horas na frente da tela repetindo falas, trejeitos e comportamentos não é uma tarefa tão fácil quanto se imagina.
“Perdi a vontade logo na primeira semana. É cansativo e não tem conteúdo, apenas repetição. Eu ainda quebrava o personagem e conversava com as pessoas, mas cansa. Eu sou grato às pessoas que ajudaram mandando presentes e que agora estão me acompanhando“, diz Marcelo Rogério.
Segundo o psicólogo Fernando Amorim, essa tendência de diminuição das lives NPC já era esperado. “As pessoas estão mais aceleradas. O que está em alta hoje pode não estar em alta amanhã. Não é à toa que tantas tendências aparecem e somem em um piscar de olhos. Com as lives NPC não seria diferente. Elas continuarão existindo, mas sem toda essa febre. Quem sabe algum dia essas lives voltem a viralizar?“, afirma.