Por Thainá Feijó
Há 109 anos, nascia uma mulher e escritora negra sem igual. Carolina veio de origem bem humilde, mas nem a falta de recursos financeiros foi capaz de parar a sua mente brilhante. Mas foi só ao sair de sua terra natal para a favela do Canindé, na gigante cidade de São Paulo, que deixou de ser apenas uma leitora voraz, e também começou a colocar no papel a realidade de uma mãe solo de três filhos morando em comunidade. A sua própria realidade.
Em uma tarde qualquer brincando com os filhos em um local de lazer próximo ao Canindé, o destino dela se cruzou com o do jornalista Audálio Dantas, que logo se interessou pelos vários cadernos que a mulher carregava. Quarto do despejo foi a primeira obra-prima reconhecida de Carolina, pois trazia à tona uma realidade (ainda) desconhecida por grande parte da população: o dia a dia de uma mulher preta e favelada. Uma forma de passar o tempo e desabafar sobre as dificuldades da vida, virou seu instrumento de trabalho, resistência e justiça.
Quarto do despejo foi o fenômeno responsável por permitir que Carolina saísse da favela com seus filhos, recebesse homenagens da Academia Paulista de Letras e da Academia de Letras da Faculdade de Direito de São Paulo, além do título de Orden Caballero del Tornillo, na Argentina. Porém, como a vida nunca foi justa, seus livros seguintes não vingaram. Afinal, com sua nova realidade de vida, novas histórias viriam, e falar dos problemas da burguesia não era do agrado da sociedade.
Talvez como uma forma de fazê-la ser colocada novamente dentro da realidade sofrida em que esteve inserida desde o início da vida, a escritora começou a ser esquecida. Como reflexo da sociedade patriarcal e racista da época, Carolina só começou a receber o devido reconhecimento por todas as obras por ela produzidas após a sua morte, que ocorreu no ano de 1977, através do brilhante Diário de Bitita.
Seus livros iam muito além de retratar sua vida, ela falava, sobretudo, de questões políticas. Racismo. Desigualdade social. Independência feminina. Pobreza. Fome. Carolina Maria de Jesus, assim como todas as outras escritoras negras que viveram no século passado — e ainda vivem nesse —, não recebeu o valor merecido por seu trabalho, por suas palavras, ainda em vida. O Museu Afro-Brasil, cuja biblioteca tem o seu nome, é só o mínimo de reconhecimento tardio que essa mulher merecia desde o princípio. Pois, ainda que muitos a conheçam e saibam de sua grandeza, pouco se fala para o mundo acerca de sua história.