Por Yasmin Ramalho

Através dos tempos, civilizações utilizaram as estrelas como guias, seja para se localizarem no tempo e no espaço, seja para interpretarem se era chegada a época da colheita, pesca ou mesmo das queimadas. Com um céu sempre disponível para contemplação, a não ser diante de condições climáticas desfavoráveis, uma nova modalidade de turismo surge como uma forma de reconectar as pessoas com este vasto aglomerado de galáxias e mistérios.

O astroturismo é um formato relativamente recente que fomenta a contemplação do céu noturno ao associar o turismo à preservação ambiental, às práticas sustentáveis e à valorização das ciências. Ao realizar atividades em locais escuros e afastados da poluição luminosa dos grandes centros urbanos, profissionais da área buscam proporcionar uma experiência única que contribui para a disseminação de conhecimento e até mesmo para o relaxamento dos visitantes, que se desligam dos estímulos constantes das capitais urbanas.

Embora esta modalidade ainda tenha um caminho a percorrer no Brasil, já existem algumas ações no Rio de Janeiro que se destacam, como o programa Vem Ver o Céu, do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), única iniciativa governamental a promover o astroturismo no país, além de eventos como o Festival das Estrelas de Santa Maria Madalena e o pioneirismo do Parque Estadual do Desengano, primeiro e ainda único parque de céu escuro no Brasil, certificado em 2021 pela ONG norte-americana International Dark Sky Association.

Outros países já fomentam o astroturismo há algum tempo, como os Estados Unidos, onde a prática se consolidou no início do século XXI, sobretudo pelo papel da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, a Nasa, na divulgação de descobertas importantes sobre o universo.

Na América Latina, o Chile também se destaca na modalidade, com o deserto do Atacama e as regiões de Antofagasta e Coquimbo, onde estão localizados diversos observatórios profissionais de ponta e onde se tem uma das melhores áreas de observação astronômica do planeta.

As agências espaciais internacionais também possuem um papel fundamental para a divulgação científica. Ao noticiarem descobertas e missões espaciais, direcionam os olhares para este vasto e misterioso aglomerado de matéria, aguçando a curiosidade de entusiastas e leigos.

Daniel Mello, astrônomo do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e colaborador da agência Astrotrilhas, conta que a veiculação desta atividade espacial nas mídias é cada vez maior.

“Estas descobertas despertam a imaginação e o encanto pelo Universo, especialmente através de belas imagens dos telescópios espaciais, tal como as do James Webb. Estes fatores colaboram para que as pessoas busquem um tipo de experiência que as conecte novamente com as estrelas, a Lua, planetas, galáxias e que queiram compreender melhor os objetivos da Astronomia e de suas descobertas”, explica.

O Telescópio Espacial James Webb (JWST, na sigla em inglês), citado por Daniel, foi lançado ao espaço em 2021 e é um dos principais exemplos de investimento em pesquisa sobre a origem do universo. Através de seu raio infravermelho, este observatório espacial é capaz de identificar constelações jovens e tem como objetivo entender as origens das galáxias, e, consequentemente, o processo de síntese dos planetas.

O JWST tem trazido informações tão valiosas aos cientistas que suscita a hipótese de que a Teoria do Big Bang poderia não ser a melhor para descrever o processo de formação do universo a partir da descoberta de galáxias mais velhas do que a existência do universo como se conhece, com aproximadamente 13,8 bilhões de anos.

Os fenômenos que podem ser observados a olho nu ou com materiais de fácil acesso também chamam a atenção sobre esta temática.

O eclipse anular que ocorreu no dia 14 de outubro, de forma parcial no Brasil, gerou uma grande repercussão em território nacional. Jornais, sites especializados, canais de televisão e as redes sociais abordaram o tema a partir da explicação do fenômeno e das orientações para a observação de forma segura. Mas o assunto acabou virando meme em capitais do sudeste como Rio de Janeiro e São Paulo, que não apresentaram condições climáticas favoráveis, o que suscitou a frustração de alguns e boas risadas diante da criatividade dos internautas.

Astroturismo nos parques brasileiros

Trilha de acesso ao Pico das Agulhas Negras, no Parque Nacional de Itatiaia, em 24 de julho de 2023 | Foto: Daniel Mello e Astroturismo nos Parques Brasileiros

Pensando em mapear os melhores pontos de observação do céu no Brasil, o projeto de extensão Astroturismo nos Parques Brasileiros, da UFRJ, visita parques estaduais e nacionais para identificar as principais características do turismo nestas regiões, medir a escala de poluição luminosa destes locais e analisar a viabilidade de promover o astroturismo nestas unidades de preservação ambiental. As informações coletadas são transformadas em artigos científicos voltados para a divulgação do astroturismo.

“Existe um mapa de poluição luminosa e o nosso projeto tenta encontrar os pontos mais escuros onde acreditamos que exista potencial para trabalhar o astroturismo. A partir destes pontos, identificamos os parques que estão localizados naquela região para começar a investigação”, conta a turismóloga do projeto, Ester de Pontes.

Composto por profissionais com formação diversa, incluindo astrônomos, um geógrafo, uma guia de turismo e uma produtora cultural, a equipe se divide em tarefas como verificar a vegetação, clima e solo das localidades, manejo nos parques e análise do perfil dos visitantes que participam de atividades de observação do céu. 

Com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e outras entidades governamentais e colaboradoras, o projeto viajou até o Ceará na semana do eclipse solar anular para promover o evento “Expedições Astroturísticas: Um eclipse no sertão do Cariri”, que ocorreu de forma gratuita e aberta ao público entre os dias 13 e 17 de outubro de 2023, nas cidades de Santana do Cariri e Juazeiro do Norte.

A escolha do local se deu pela melhor visibilidade do fenômeno na região nordeste, e sobretudo, pela existência da Casa da Pedra, uma unidade científica da UFRJ localizada em Santana do Cariri.

“A atividade foi um grande sucesso, tendo a observação do eclipse ocorrido no famoso Geossítio Pontal de Santa Cruz, com a participação de cerca de 100 pessoas. Na ocasião, distribuímos aos participantes cerca de 50 óculos apropriados para a observação solar e montamos seis telescópios no local para permitir a todos uma experiência memorável de contemplação do fenômeno. Também realizamos visitas a pontos de interesse turístico, palestras, sessões noturnas de observação astronômica e oficinas de Astronomia para escolas e professores ”, contou Daniel, que também integra o projeto da UFRJ.

Imersão

No Rio de Janeiro, a Agência Astrotrilhas aparece como a primeira de astroturismo do Rio de Janeiro, oferecendo trilhas astronômicas e ecoturismo guiados por astrônomos e fazendo o uso de telescópios para a observação do céu em locais afastados dos grandes centros.  

Fabíola Gomes, guia de turismo e diretora da Astrotrilhas, conta que em 2018 pensava em realizar atividades de trilha noturna com observação do céu associadas ao ecoturismo e ao geoturismo para que pudesse trabalhar a divulgação da ciência com a educação ambiental.

“Nós buscamos locais de céu escuro, onde a poluição luminosa seja menor e nos permita a contemplação dos astros. O local também precisa ter uma natureza exuberante. Muitas atividades são realizadas em Unidades de Conservação da Natureza. O intuito é interpretar o ambiente e o céu, de forma a promover a conexão homem-natureza-universo. Para auxiliar nas atividades, utilizamos instrumentos como lupa de geólogo, binóculos, apontador estelar, câmeras fotográficas e telescópios”, explicou.

Beatriz Ferreira foi uma das participantes da trilha realizada na Pedra Alpina, em Teresópolis, em junho de 2023, onde pode observar Vênus, Marte, Saturno, a Via Láctea, além de meteoros e aglomerados estelares.

“Eu nunca tinha visto o céu da forma como vi na trilha. Com o conhecimento básico que eu tenho, na cidade, eu até conseguia distinguir e observar alguns planetas, mas fazendo a trilha, com pouca poluição luminosa, é muito diferente! Foi realmente mágico e pretendo fazer novamente”, disse a analista de Operações, de 27 anos.

Participantes da Expedição Astronômica no Parque das Montanhas de Teresópolis | Foto: @astrotrilhasrj 

A servidora pública Soraia conta, por sua vez, que já tinha familiaridade com locais com baixa poluição luminosa devido às viagens que faz com seu marido. Sua primeira trilha para observar o céu foi durante a lua de mel dos dois, no Atacama, uma experiência que despertou ainda mais seu interesse pelo astroturismo.

A última trilha que realizou foi com o grupo Astrotrilhas, que descreve como “uma experiência incrível, com direito a palestras de conscientização sobre a poluição luminosa, que tanto interfere na observação do céu, na preservação de algumas espécies, na nossa saúde física e emocional e, ainda, nos centros de pesquisa”, relatou.

Uma experiência urbana

Mas também é possível vivenciar um pouco desta experiência nas grandes capitais. No Rio de Janeiro, por exemplo, é possível encontrar algumas opções para observar os astros. O Observatório do Valongo, campus do curso de Astronomia da UFRJ, localizado no Morro da Conceição, e o Planetário da Gávea, no bairro de mesmo nome na zona sul carioca, oferecem sessões gratuitas de observação astronômica com o uso de telescópios todas as quartas-feiras, mediante condições climáticas favoráveis.

Nesta unidade de pesquisa da UFRJ ainda é possível fazer uma visita guiada a telescópios históricos, na qual os visitantes conhecem um pouco mais sobre a Astronomia no Brasil e a importância do Observatório do Valongo através dos anos.

Sessão de observação no Observatório do Valongo, RJ | Foto: @valongoufrj 

Já no Planetário da Gávea, o Museu do Universo apresenta diferentes espaços em seus três andares, com exposições temporárias e permanentes. Além disso, a instituição oferece uma série de atividades para crianças e também sessões na cúpula, que projetam o céu do Rio de Janeiro naquele período do ano, mostrando as principais constelações visíveis no céu da cidade, além de curiosidades e histórias sobre estes astros.

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