Por Maria Eduarda Cunha

Você com certeza já leu alguma dessas histórias onde a menina conhece o menino, eles se apaixonam e vivem felizes para sempre. Mas o que fazer quando isso não reflete a sua realidade e isso é tudo o que se tem acesso?

Imagem 2 (Capa do livro “Borboletas pra lá e pra cá” de Juliana Reis. Reprodução Instagram: @juuzreis e @editoracaligari

De fanfics a livros publicados

Não é à toa que as fanfics (histórias criadas por fãs) são tão populares entre o público LGBTQIA+, por ser considerado um espaço democrático, onde todos conseguem contar suas histórias e conhecer personagens parecidos com você. E foi a partir desse universo que muitos leitores e autores começaram sua vida na literatura.

É o caso da estudante de 25 anos, Rafaela França, que lamenta não ter tido muitas referências ao longo de sua infância e adolescência e atribui às fanfics grande parte de sua autodescoberta. Em seguida, começou sua busca por livros LGBTQIA+ e diz que hoje prefere ler essas obras por se sentir representada e ter seus sentimentos e vivências validados. “Se eu tivesse acesso à literatura LGBT e ao meio audiovisual mais cedo, com certeza o processo de auto descoberta seria mais fácil, porque assim eu teria exemplos e perceberia que o que sentia e passava era normal.”

Juliana Reis, autora do romance “Borboletas pra lá e pra cá”, revela que a escrita apareceu na sua vida ainda muito nova, inclusive através de fanfics. Mas após anos afastada, ela retomou a paixão em 2020 depois de descobrir livros sáficos. Infelizmente as opções ainda eram poucas e assim ela decidiu escrever seu primeiro livro. “Era só para mim e para minhas amigas. Mas foi crescendo, eu cheguei a postar no Wattpad e funcionou, aí a editora me convidou para publicar com eles e dois anos depois já foram vendidas algumas milhares de cópias”.

Falta de espaço e a força das plataformas digitais

Infelizmente não é de hoje a dificuldade de publicar livros nacionais nas grandes editoras. Juliana acredita que as editoras estão investindo muito na literatura LGBT porque é o que está movimentando o mercado nos últimos anos, e que o problema é maior para os autores iniciantes. “A editora por onde eu publiquei ainda era muito pequena, inclusive meu livro fez eles entrarem no mercado LGBT. Mas em editoras grandes é muito difícil chegar”, ela revela.

Mary Dionisio escreve romances sáficos com protagonistas negras e comenta que quando há interseccionalidade de raça e orientação sexual as oportunidades são ainda menores. Ela nota que as chances são dadas para quem já tem uma carreira consolidada, e apesar de ser muito bom ver autores LGBTQIA+ alcançando grandes lugares, é ainda mais importante abrir espaço para mais pessoas. 

“Você vai ver os times de contratação das grandes editoras e é aquela mesma galera, de 12 contratações têm aquelas mesmas duas pessoas negras, aquelas mesmas duas pessoas que escrevem romances LGBT.  Então, eu acho que tem-se aberto espaço, mas ainda não de forma equilibrada”, desabafa Mary.

Esse sucesso dos livros LGBTQIA+ veio acompanhado do fenômeno dos e-books e dos influenciadores digitais no nicho literário. Tanto para os autores quanto para os leitores, as plataformas de e-books, como o “Kindle” , vieram para democratizar o consumo e a publicação de livros. Juliana, que além de seu livro físico, possui outras publicações online, reconhece as dificuldades do meio digital, mas acredita ser uma vitória por permitir que os autores tenham a autonomia e oportunidade de compartilhar suas histórias.

Mary acreditava que precisava do apoio de uma editora, mas foi através das publicações independentes tanto de seus livros onlines quanto sua obra física “Como não me apaixonei por você” que ela percebeu que essas plataformas poderiam ser o começo de uma literatura com mais chances e mais representatividade. A estudante Laura Chaves revela ter preferência por romances LGBT, e apesar de preferir livros físicos, encontra uma variedade muito grande de histórias e autoras nas plataformas de leituras digitais, como o “Kindle”.

Juliana e Mary também reconhecem a importância das redes sociais como forma de divulgação dos livros. Elas entendem que seus seguidores se interessam por livros com representatividade LGBT, então buscam recomendar livros, autores e criadores de conteúdos com quem seu público vai se identificar. 

Imagem 5 (Alyson Derrick, Rachael Lippincott e Clara Alves. Autoras de romances sáficos em palestra na Bienal do Livro de 2023. Foto por: Maria Eduarda Cunha

O fenômeno “Bienal do Livro” e a sensação de pertencimento

A Bienal do Livro é um evento tradicional que acontece a cada dois anos no Rio de Janeiro e além de toda função cultural, se tornou um espaço de encontros marcantes entre pessoas que se identificam das mais diversas maneiras.

Como leitoras, Rafaela e Laura compartilham lembranças incríveis sobre o evento, principalmente por terem tido a oportunidade de conhecer pessoas com as mesmas vivências que as suas, criando uma sensação de acolhimento. E também por terem conhecido autores LGBTQIA+ de quem são fãs. Laura percebeu um espaço muito maior por parte do evento e das editoras para o público e Rafaela completa: “A maioria das palestras que fui e autógrafos que peguei foram de autores LGBT e pude agradecer por tudo.”

Como autoras, a emoção não é diferente. Juliana confessa que estava um pouco insegura para sua sessão de autógrafos, mas a fila quilométrica fez com que ela precisasse estender mais trinta minutos, além de se reunir com leitoras durante os outros dias do evento. Mary diz que o evento foi emocionante e que também teve suas expectativas superadas ao ver seus exemplares esgotados e uma multidão esperando para conhecê-la.

É importante ver o quanto a representatividade faz diferença na vida das pessoas. Quando um jovem tem a oportunidade de ler um livro com personagens que vivem as mesmas coisas, a vida dele é mudada. Juliana e Mary recebem milhares de mensagens de agradecimento de leitores, entre elas histórias de meninas, ainda adolescentes, que entenderam sua sexualidade e se abriram com suas famílias a partir dos livros delas. “Isso é uma responsabilidade muito grande. Mas, ao mesmo tempo, é uma coisa muito bonita de se escutar, saber que em algum lugar eu fiz a diferença para aquela pessoa”, completa Juliana.

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