Por Letícia Simeão

Na jornada da maternidade, as expectativas muitas vezes colidem com a realidade, criando um cenário complexo de desafios e alegrias tão diversas quanto as mulheres que as enfrentam. Enquanto a sociedade frequentemente projeta uma imagem idealizada da maternidade, cada vez mais vozes emergem para desconstruir essa visão simplista, revelando que a experiência de ser mãe vai muito além do que os contos de fada nos fizeram acreditar. Antes vista como um caminho suave e sem problemas, a maternidade agora é entendida como um percurso repleto de altos e baixos, raramente refletidos nos holofotes da mídia ou nos ideais românticos do passado.

A exaustão enfrentada pelas mães tem se tornado um tema cada vez mais presente. Quando mulheres famosas e influentes decidem abordar abertamente os desafios da maternidade, isso causa um misto de choque e identificação na sociedade. Com a abertura para discutir esse tema, outras mulheres se sentem encorajadas a compartilhar suas próprias experiências. Em um mundo digital onde a perfeição é muitas vezes exaltada, as lágrimas, angústias e frustrações da maternidade estão recebendo cada vez mais atenção e espaço.

O papel das mães na sociedade é cercado de idealizações e expectativas rígidas. A imagem tradicional da mãe como uma figura sempre presente, amorosa e incansável ainda prevalece, colocando sobre as mulheres a pressão de serem perfeitas em todos os aspectos de suas vidas. Elas são frequentemente retratadas como mulheres excepcionais, capazes de equilibrar carreira, família, casa e relacionamentos sem falhas ou cansaço. Essa visão idealizada desconsidera as realidades complexas e oA desigualdade no país, também reflete na diversidade de experiências, que nem sempre são reconhecidas e representadas. Além do acolhimento e suporte emocional é fundamental entender que a dignidade para exercer a maternidade ainda é um desafio para uma parcela da população. Embora o ambiente virtual possa amplificar críticas, julgamentos e idealizações, ele também oferece um espaço para encontrar apoio e compreensão entre mães que enfrentam desafios semelhantes e promover discussões reais.s desafios diários que as mães enfrentam, como a exaustão, a falta de apoio e a dificuldade de conciliar tantas responsabilidades.

A sociedade muitas vezes ignora as questões de saúde mental, a necessidade de autocuidado e a importância de redes de apoio, esperando que as mães desempenhem seus papéis com graça e sem reclamações. Ocupar a função de mãe guerreira e amável se torna uma missão ainda mais difícil sem suporte e acolhimento. Essas expectativas irrealistas podem levar a sentimentos de culpa e inadequação, contribuindo para o estresse e a pressão emocional que muitas mães experimentam.

O sentimento de sobrecarga é uma reclamação muito comum entre mães, acompanhada pelo sentimento de culpa por não atingirem suas próprias expectativas de perfeição materna. De acordo com uma pesquisa realizada pela plataforma De Mãe em Mãe, 91% das mães relatam insatisfação e algum grau de tristeza. Além disso, 75% delas admitem sentir culpa após terem um comportamento explosivo. A idealização de uma vida perfeita, muitas vezes alimentada por conteúdos nas redes sociais, também impacta a maternidade contemporânea.

O cenário socioeconômico brasileiro ainda acrescenta outras camadas aos desafios comuns da maternidade, como apontam os dados mais recentes do IBGE. A divisão do trabalho no país é marcada por desigualdades, enquanto homens dedicam 10,3 horas semanais aos afazeres domésticos, as mulheres dedicam em média 8 horas a mais. A disparidade de renda também representa outro grave problema, com mulheres ganhando em média 77,7% do que os homens em funções equivalentes.

Esses desafios se intensificam para as mães solo, que precisam sustentar suas famílias sozinhas com recursos limitados. Esta é a realidade de 11,5 milhões de famílias no Brasil, onde as mães enfrentam a falta de apoio emocional e financeiro. Elas são responsáveis exclusivas pelo cuidado dos filhos e pelos afazeres domésticos, muitas vezes conciliando essas responsabilidades com empregos informais e de baixa remuneração. Isso resulta em dificuldades para suprir as necessidades básicas da família, acesso limitado a saúde e educação de qualidade, e pouco tempo e recursos para investir em seu próprio desenvolvimento pessoal e profissional.

A desigualdade no país também reflete na diversidade de experiências, que nem sempre são reconhecidas e representadas. Além do acolhimento e suporte emocional é fundamental entender que a dignidade para exercer a maternidade ainda é um desafio para uma parcela da população. Embora o ambiente virtual possa amplificar críticas, julgamentos e idealizações, ele também oferece um espaço para encontrar apoio e compreensão entre mães que enfrentam desafios semelhantes e promover discussões reais.

Para desconstruir a ideia de uma maternidade perfeita, é necessário reconhecer experiências que vão além dos estereótipos tradicionais. Junto com o amor que as mães sentem por seus filhos, existe também uma série de dores e preocupações que muitas vezes são internalizadas, sem espaço para serem expressas ou compartilhadas. Para entender a realidade da maternidade, é essencial explorar e abrir-se para ouvir relatos autênticos, repletos de todas as complexidades e desafios que essa jornada traz.

Nos bastidores da vida familiar, onde os desafios se entrelaçam com os momentos de alegria, encontramos Arianna Klopper, 33 anos, técnica em edificações, moradora de Niterói, uma mulher cuja jornada pela maternidade é marcada por adversidades e um amor inabalável por seu filho, Benício. Com uma gestação que coincidiu com os tumultos da pandemia, Arianna enfrentou uma série de desafios de saúde que culminaram em um parto prematuro. Ela conta das dificuldades de conciliar o trabalho, a maternidade e o autocuidado.

Apesar de ter sido uma gravidez esperada com muita alegria, Arianna enfrentou complicações médicas inesperadas. Trabalhando em home office, ela desenvolveu diabete gestacional e pré-eclâmpsia, levando ao nascimento antecipado de seu filho, Benício, em julho de 2021. O parto foi marcado por hemorragia, necessitando de internação e transfusão de sangue, lançando Arianna em um período de angústia enquanto lutava para se recuperar e estar presente para seu recém-nascido.

Os primeiros meses da maternidade foram, segundo Arianna, uma mistura de prazer e exaustão, com a adaptação à nova rotina envolvendo Benício ocupando todo o seu tempo. A vida do casal teve de ser colocada em segundo plano, e a amamentação foi um desafio além do que ela esperava. “Todo mundo fala que amamentar é lindo, mas na prática não é fácil. Meu peito sangrava, saía pedaço, foi bem difícil. Mas eu consegui amamentar por 1 ano e 8 meses.”

Arianna registrava as noites em claro (Foto: acervo pessoal)

Enquanto aproveitava o tempo para estar mais próxima de seu filho e amamentá-lo, Arianna enfrentou o desafio do retorno ao trabalho presencial um ano após o nascimento de Benício. Esse retorno foi marcado por sentimentos de desorientação e falta de apoio, uma realidade que muitas mães conhecem bem. “Quando eu retornei ao trabalho (presencial), eu fiquei completamente perdida, não sabia se ia dar conta. E não tinha ninguém pra me auxiliar, ninguém com o olhar atento pra isso. Eu percebi outra colega de trabalho voltando de licença com o mesmo olhar perdido que eu tava, eu conversei com ela e ela me agradeceu, ela ficou aliviada porque ela não estava sozinha nessa situação”, conta.

Arianna gostaria de poder ficar em casa com o filho e participar mais ativamente de seu crescimento e desenvolvimento, mas as circunstâncias financeiras da família não permitem. Durante o dia, são seus sogros que cuidam do pequeno, enquanto à noite e nos finais de semana ela divide as tarefas com o marido. “É muito doloroso você ter pessoas que ficam mais com o seu filho do que você, porque você tem que trabalhar.”

A legislação brasileira garante às trabalhadoras em regime CLT a licença-maternidade de 120 dias sem prejuízo ao salário e ao emprego. Com o Programa Empresa Cidadã, é permitida a prorrogação da licença por mais 60 dias e as empresas que optam por participar do programa recebem incentivos fiscais. Desde 2022, a Lei nº 14.457, também prevê que a prorrogação da licença-maternidade seja substituída pela redução da jornada de trabalho em 50% por 120 dias. Durante todo o período o salário se mantém integralmente. Os mesmos direitos são assegurados para as mães adotantes.

Outro aspecto importante que foi deixado de lado foi seu autocuidado. Todas as preocupações e as mudanças da nova rotina com uma criança pequena levaram Arianna a ter crises de ansiedade. Isso a fez repensar sua abordagem e priorizar o autocuidado em meio às demandas incessantes da maternidade, buscando reconectar-se com sua própria identidade e encontrar espaços para si mesma, seja para descansar ou para fazer as coisas que gosta.

Com o filho agora com 2 anos e 8 meses, mas ainda muito dependente e numa fase crucial de desenvolvimento e descoberta, os desafios continuam. “O autocuidado fica de lado, a casa a gente escolhe o que vai fazer, porque não dá pra fazer tudo, mesmo tendo uma divisão de tarefas e um pai e marido super participativo, ainda é muita coisa para nós dois, a dinâmica fica puxada para ambos, mas muitas das vezes, mais para mim.”

 Arianna em passeio com Benício (Foto: acervo pessoal)

A mais de 170 km de distância, na tranquila cidade de Macaé, encontramos Gabriela Riscado, uma mulher de 35 anos que é mãe de uma menina com mielomeningocele. Gabriela compartilha os desafios diários para garantir o bem-estar de sua filha, uma tarefa que a levou a deixar sua carreira como farmacêutica para dedicar-se inteiramente ao cuidado de Antônia. Ela descreve as pressões emocionais de ser a cuidadora principal e as preocupações que vêm com a criação de uma criança com necessidades especiais.

Quando Gabriela e seu marido planejaram a gravidez, eles esperavam manter uma vida familiar equilibrada, permitindo que ela continuasse sua carreira. No entanto, aos 5 meses de gestação, suas expectativas foram desafiadas por um diagnóstico devastador. Com uma cirurgia no feto ainda no útero, cheia de riscos, a esperança era melhorar a qualidade de vida de Antônia, mas a incerteza era constante. “A maternidade mudou a minha vida, a do meu marido, dos meus pais, de todos ao meu redor. A maternidade típica já é difícil, imagina a atípica. No começo foi muito difícil receber o diagnóstico e todos os riscos da cirurgia. São muitas preocupações”, afirma.

A mielomeningocele é uma malformação congênita grave da coluna vertebral e da medula espinhal que ocorre durante o desenvolvimento do feto. É o tipo mais grave de espinha bífida, uma condição em que a coluna vertebral do bebê não se fecha completamente durante a gravidez. Muitas crianças com mielomeningocele têm problemas com controle da bexiga e intestinos, e em alguns casos podem apresentar paralisia ou hidrocefalia. Com o tratamento adequado, pessoas com a condição podem levar uma vida relativamente independente.

Antônia nasceu e, apesar de se recuperar bem da cirurgia, ainda enfrenta desafios diários decorrentes das sequelas de sua condição. Desde então, Gabriela assumiu o papel de cuidadora em tempo integral, dedicando-se totalmente à filha. A rotina é exigente, com sessões frequentes de fisioterapia e cuidados íntimos, como a troca da sonda urinária, que apenas Gabriela realiza. Enquanto Antônia, hoje aos quatro anos, frequenta a escola em meio período, esse é o único momento em que Gabriela pode resolver outros problemas, cuidar da casa ou, ocasionalmente, descansar um pouco. Apesar de exaustivo, ela não se arrepende de ter deixado o trabalho para se dedicar à filha. Felizmente, conta com o apoio do marido e dos pais, que estão prontos para ajudar quando necessário.

Mesmo com esse apoio, Gabriela sente falta de momentos de intimidade e descanso, algo que se tornou raro desde o nascimento de Antônia. “Eu sinto falta de ter tempo para mim e de estar com meu marido, só nós dois, sair para um jantar. Nem me lembro a última vez que isso aconteceu. Fico com ela o tempo todo, cuidando, preocupando-me, vigiando. Mas a maternidade atípica é muito difícil, é difícil não me preocupar. Mesmo quando eu não estou com ela, estou pensando nela. Mãe é desse jeito.”

Além dos desafios comuns a todas as mães, a maternidade atípica traz muitos medos e preocupações com o futuro. Gabriela se preocupa com a saúde e o desenvolvimento de Antônia, especialmente quando ela perceber suas limitações em relação a outras crianças. “Primeiramente, me preocupo com a saúde dela e todas essas complicações. Mas outra questão que me preocupa é a parte emocional, de como ela lidará com isso no futuro. Ela ainda não tem essa percepção, mas eu, como mãe, já sinto e já sofro por isso.”

Gabriela e a filha, Antônia (Foto: acervo pessoal)

As histórias de Arianna e Gabriela revelam uma realidade complexa da maternidade, que ainda possui muitas faces, desafiando os ideais românticos que a sociedade muitas vezes perpetua. Essas mulheres tiveram suas vidas transformadas pelo nascimento de seus filhos, enfrentando desafios que vão além do que geralmente é mostrado em filmes e séries de televisão. De complicações médicas a crises de ansiedade, cada uma passou por momentos de extrema dificuldade, mas também encontrou força no amor incondicional por seus filhos.

Assim como Maria da Glória, uma mulher cuja jornada é marcada por lutas, superações e força, a maternidade abriu um novo capítulo em sua vida, com momentos de profunda dor e grandes alegrias. Aos 14 anos, ela engravidou pela primeira vez e, ao invés de apoio, encontrou rejeição e abandono. Expulsa de casa por seus pais, Glória se viu vivendo nas ruas, lutando para sobreviver enquanto carregava um bebê que acabou nascendo morto. Esse foi o início de uma vida cheia de adversidades e provações.

Ainda nas ruas, Glória conheceu outra pessoa e engravidou do segundo filho, Everton. No entanto, mais uma vez, ela foi abandonada e deixada sozinha, sem lugar para morar ou alguém para ajudá-la. Seus pais se recusaram a recebê-la de volta, considerando-a uma vergonha para a família por ser mãe solo. Ela passou fome e noites frias nas calçadas, protegida apenas por pedaços de papelão.

Após o nascimento de Everton, ela encontrou abrigo temporário com uma amiga e lutou para sustentar o filho, às vezes alimentando-o com chá mate por não ter dinheiro para leite. Em busca de um lar, ela se envolveu com homens que prometiam apoio, mas que, em vez disso, trouxeram mais dor e violência. “Eu tinha que tentar de todas as formas alguém que me desse um teto, que me apoiasse, mas eu não consegui”, conta ela.

A complexidade de sua jornada aumentou quando engravidou de sua segunda filha, Camila, mas teve que tomar a difícil decisão de entregá-la para adoção devido às dificuldades financeiras.

Camila, Everton com Glória (Foto: acervo pessoal)

Depois, veio Wesley, mais uma vez em uma relação conturbada. O pai do seu filho bebia e a agredia, até que, após algumas tentativas contra a sua vida, Glória deu um basta na relação. Anos mais tarde, ela planejou a chegada de Larissa, na esperança de reconstruir sua família. Ela desejou imensamente uma filha e diz que Larissa foi a maior bênção em sua vida. Hoje, aos 24 anos, Larissa é a única filha que cursa ensino superior e é motivo de muito orgulho para Glória.

O reencontro com Camila, quando ela tinha 15 anos, foi outro desses momentos preciosos. Hoje, mãe e filha, aos 36 anos, mantêm uma boa relação, convivendo com os netos e compartilhando um forte vínculo de respeito e parceria.

No entanto, a luta por seus filhos nunca terminou. A batalha para ajudar Everton, agora com 38 anos, a superar o vício em álcool, e Wesley, de 34 anos, a manter-se longe do crime, continua. Glória abandonou sua casa, seu marido e sua filha em Niterói para morar em São Paulo, para ajudar Everton. Foram sete internações em casas de recuperação, sem sucesso.Apesar do cansaço e das cicatrizes, ela não se arrepende de ter tido seus filhos e sente-se grata por sua família.

Glória recebe carinho de Wesley e Larissa (Foto: acervo pessoal)

Através de suas experiências, vemos como a maternidade real é desafiadora e repleta de sacrifícios. Quando mulheres como Arianna, Gabriela e Glória compartilham suas histórias autênticas, elas ajudam a redefinir a ideia tradicional de maternidade, criando espaço para conversas mais honestas sobre os desafios e alegrias de ser mãe.

Essa jornada, no entanto, não precisa ser solitária. O apoio de uma rede que vai além da família é fundamental para tornar a maternidade mais leve. Seja no trabalho, nas comunidades locais ou mesmo nas redes sociais, o apoio e a solidariedade entre as mães criam um ambiente onde as histórias reais podem ser contadas, sem julgamento. E é nesse espírito de apoio e compreensão que a maternidade se torna um pouco mais fácil de navegar.

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