Sem investimentos no transporte público, moradores da Baixada Fluminense encontram dificuldades em seus deslocamentos

Por Victor Louro

“É mais fácil acreditar no Papai Noel”. É com descrença que o estudante Arthur Falcão, 24, avalia uma possível melhora nos transportes na Baixada Fluminense, onde vive. Há trinta anos, a região não recebe obras que melhorem sua mobilidade: a última foi a Linha Vermelha, em 1994, via de tráfego rápido que conecta a Zona Sul do Rio de Janeiro a Duque de Caxias e São João de Meriti. 

A Baixada Fluminense abrange treze municípios, com uma população total de 3.587.425 pessoas – 22,34% da população do estado -, segundo dados do IBGE/2022. Seis dessas cidades possuem índices de habitantes que trabalham fora do seu município de origem próximo ou superior a 50% (Mesquita, Japeri, Nilópolis, Belford Roxo, Queimados e São João de Meriti), de acordo com dados do Mapa da Desigualdade de 2017, da Casa Fluminense. 

Índice de habitantes que trabalham fora do município de origem, segundo dados do Mapa da Desigualdade 2017.

Para o professor de Engenharia de Transportes da COPPE/UFRJ Romulo Orrico, mobilidade é “o que o indivíduo precisa para crescer, sobreviver, expandir, reproduzir. É como que uma família organiza os seus deslocamentos para atender às suas necessidades”. Morador de São João de Meriti, Arthur tem sua rotina e relações sociais bastante comprometidas por causa do tempo que passa dentro do transporte público para ir ao trabalho e à faculdade, que por diversas vezes supera quatro horas diárias. O cansaço gerado pelo processo faz com que lhe falte energia para atividades em momentos de lazer, como praticar exercícios físicos e sair com sua namorada. 

Trabalhando no Centro da cidade do Rio de Janeiro, o estudante tem duas opções para chegar ao seu destino, ambas antecedidas por uma curta viagem de ônibus: um outro ônibus, intermunicipal, ou o metrô. No entanto, a utilização do sistema metroviário não faz parte da realidade da maior parte da Baixada Fluminense – a estação mais próxima à região é a do bairro Pavuna, Zona Norte, e fica a apenas 200 metros do Centro de Meriti.

Deslocamentos feitos por Arthur Falcão para ir ao trabalho e à universidade. Na volta, ele costuma utilizar um ônibus que liga Niterói e Duque de Caxias e outro até sua casa, em Meriti.

O metrô do Rio possui 54,5 quilômetros de extensão, quase metade em relação ao paulistano, com 104,4 quilômetros. A última expansão ocorreu em 2016, para os Jogos Olímpicos, e uniu a Zona Sul carioca ao Jardim Oceânico, na Barra da Tijuca, e custou de R$ 8,5 bilhões aos cofres do Governo do Estado. O aumento da malha até a Baixada foi alvo de promessas de diversas personalidades políticas, sendo a última delas o então candidato a governador Cláudio Castro, durante a campanha, em 2022. Dois anos após a declaração, às vésperas da metade do mandato de Castro, não há avanços nesse âmbito: segundo a Secretaria Estadual de Transportes e Mobilidade Urbana (SETRAM), o Regime de Recuperação Fiscal ao qual o estado está submetido e a perda da arrecadação do ICMS fizeram com que o governo estabelecesse suas prioridades. Essas prioridades são, mais especificamente, o término das obras na estação Gávea e a ampliação da Linha 2 entre Estácio e Praça XV: “Novas expansões de malha, como no trecho entre Pavuna e Nova Iguaçu, estão sendo avaliadas pelo corpo técnico da pasta”.

Ainda que tenha os dois meios de transporte para ir ao trabalho, Arthur Falcão afirma que há prós e contras relacionados à utilização de cada um. O metrô tem como principal ponto positivo a rapidez, mas implica em estar “agarrado com três, quatro pessoas juntas” no horário do rush, dada sua superlotação. Em contrapartida, o ônibus surge como um meio mais confortável, uma vez que pode ir sentado, porém os longos congestionamentos fazem com que a viagem tenha uma duração proibitiva.

O trânsito também é um problema para a estudante Cassiane de Almeida Cruz Sousa, que se desloca de Nova Iguaçu, onde vive e trabalha, para Niterói, onde se localiza a universidade: “Se tem um acidente na Avenida Brasil, ela fica toda parada. Aí, é pra lá de três horas no trânsito”. A via, que possui 58,5 quilômetros e liga os bairros das zonas Oeste e Norte da capital ao centro da cidade, recebeu em março de 2024 o BRT Transbrasil, corredor exclusivo de ônibus rápidos. Foram implementadas 17 estações ao longo da avenida entre os terminais Deodoro e Gentileza. No entanto, os terminais do Trevo das Margaridas e do Trevo das Missões, que fariam a conexão entre ônibus vindos da Baixada Fluminense e o sistema BRT, não foram inaugurados. Para Arthur, as mudanças recentes na avenida pioraram o cenário do trânsito: “A Brasil está sempre parada, sempre congestionada, ainda mais com essa mudança recente do BRT. Ficou mais complicado para quem é da Baixada”. Procurada para falar sobre a abertura dos terminais Margaridas e Missões, a Secretaria Municipal de Transportes do Rio de Janeiro (SMTR)  não enviou respostas. 

Além do tempo, o valor da passagem é um fator que impacta a forma com que Cassiane se desloca. A estudante opta por utilizar dois ônibus para ir Nova Iguaçu a Niterói (um até o centro do Rio e outro até Niterói), em detrimento de um coletivo que liga diretamente as duas cidades. A escolha é baseada no valor de cada: a primeira opção aceita o Bilhete Único Intermunicipal (B.U.I), ao custo de R$ 8,55, ao contrário da segunda, cujo valor é de R$ 22,00. Arthur também é usuário do B.U.I, mas o serviço cobre apenas duas viagens por dia – os itinerários de casa para o trabalho e de casa para a universidade contabilizam duas viagens, e é preciso que ele pague a tarifa cheia dos ônibus que o levam novamente para casa, gastando, ao fim do dia, R$ 35,60.

Deslocamento de Cassiane Sousa do trabalho, no centro de Nova Iguaçu, até Niterói.

Se existem problemas no percurso entre a Baixada Fluminense e o centro do Rio de Janeiro, a situação não é diferente para o transporte no perímetro da região. Apesar de ser servida por seis ramais de trens (Belford Roxo, Japeri, Saracuruna, Paracambi, Guapimirim e Vila Inhomirim), há pouca integração entre os ramais. O deslocamento entre as cidades de Duque de Caxias e Nova Iguaçu utilizando somente os trens exige a transferência entre os ramais (Saracuruna e Japeri, respectivamente) no Maracanã, zona Norte da capital. Arthur Falcão aponta: “O transporte dentro da Baixada é bem ruim também. Se o tempo para chegar ao Rio é, sem trânsito, de 40 minutos, dentro da Baixada, às vezes, demora 40 minutos num trajeto menor, pegando duas conduções. Às vezes, só pedindo um Uber”. A alternativa de utilizar transporte por aplicativo também faz parte da rotina de Cassiane, que costuma chamar motocicletas para ir de seu trabalho ao ponto de ônibus, ao custo de R$ 4,00.

De acordo com Romulo Orrico, o desenvolvimento de municípios antes considerados cidades-dormitórios e que hoje performam como novas centralidades faz com que exista a necessidade da criação de novas ligações, que tenham como foco principal a facilitação do trajeto entre regiões próximas: “Duque de Caxias tem quase um milhão de habitantes, mas não são todos esses habitantes que trabalham no Rio. Tem que ter um sistema bom que atenda lá, que vai desde ônibus até trem, VLT. Por que não tem VLT em Caxias?”. 

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