Para as diretoras de cinema, a invisibilidade das mulheres em grandes papéis no cinema brasileiro ainda é uma realidade a ser enfrentada e destruída
Por Davi Esteves
Apesar de as mulheres estarem conquistando cada vez mais espaço dentro da indústria cinematográfica, um levantamento feito pelo Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA) junto da Agência Nacional do Cinema (Ancine), mostrou que elas ainda são sub-representadas em cargos de destaque no mercado. De acordo com a pesquisa, apenas 20,9% dos 20 filmes nacionais de maior público e renda entre os anos de 2019 e 2023 foram dirigidos por mulheres.
Percebe-se que houve uma evolução na participação feminina em todo o processo de produção das obras. Segundo pesquisa divulgada em 2021 pela Fapesp, entre 1961 e 1971 menos de 1% das produções brasileiras eram dirigidas por mulheres. Já entre 2001 e 2010 houve um aumento de 15% na participação de diretoras em produções nacionais. Apesar disso, as brasileiras continuam enfrentando barreiras significativas no acesso a cargos importantes na indústria do cinema, historicamente dominada por homens.
A produtora Jaqueline Santana, do Coletivo Brazuca Girls, concorda que houve um avanço, mas ainda considera a indústria cinematográfica um ambiente machista e fechado para mulheres. “Acredito sim que houve um avanço nos últimos anos, mas ainda é muito pouco. O grande problema é o machismo, mesmo sendo mais preparadas e mais qualificadas, as mulheres ainda seguem recebendo menos que os homens”, disse a produtora.
Formado por quatro mulheres de São Paulo e voltado para produções audiovisuais feitas por mulheres, o coletivo foi criado em 2020, na pandemia, quando as profissionais foram convidadas para produzir um vídeo para uma marca e decidiram dar continuidade ao projeto. “O objetivo é que nós consigamos mostrar nossos trabalhos, sermos ouvidas e reconhecidas por ele, então funciona para nós como um local onde conseguimos expor nossas produções, mas também divulgar o trabalho de outras mulheres”, explicou.
Marina Cavalcanti Tedesco é pesquisadora, diretora de cinema e co-autora do livro “Feminino e plural: Mulheres no cinema brasileiro”, que vive e sente na pele as dificuldades da profissão. “Na área da direção de fotografia, que é a área que eu pesquiso, são exigidas muitas coisas que as mulheres são socialmente desincentivadas desde a infância. Também tem toda uma questão de confiança e autoestima que a gente sabe que é diferente em homens e mulheres”.
Questões Sociais
As diretoras também apontam a dificuldade de acesso a orçamentos maiores para a produção de seus filmes, além de enfrentarem preconceitos e estereótipos que subestimam sua competência e visão artística. “As produções de homens acabam tendo mais orçamento que as nossas. E para mulher preta é mais difícil ainda, porque, além do machismo, também temos a presença do preconceito racial. A mulher branca acaba ficando na frente”.
A perspectiva trazida por Jaqueline é reiterada por pesquisas que atestam a baixa representatividade de mulheres negras em cargos de direção, principalmente em longas-metragens, produções que demandam maior investimento financeiro. Em 2024, um levantamento feito pelo Gemma analisando os filmes de grande público entre 1995 e 2022, mostrou que nenhuma mulher negra dirigiu e roteirizou um desses filmes.
Quando observamos o campo da atuação, as mulheres negras ocuparam quantidades menores de papéis e, na maioria das vezes, são papéis estereotipados. Segundo uma pesquisa realizada pela Ancine, em 2018, a população negra representa apenas 13,3% do elenco geral nos filmes, em contraponto aos 54% que representam na população brasileira. Além do mais, em 42,2% dos filmes não foi identificado nenhum ator ou atriz negros no elenco analisado.
Além de tudo isso, as mulheres sofrem com outras questões, como a exposição a diversos tipos de assédio, as dificuldades de equilibrar a carreira e a maternidade. “Um dos grandes desejos é que as produtoras tenham consciência e estabeleçam protocolos em caso de assédio, conversem com todo mundo da equipe que assédio não vai ser tolerado, criando um ambiente seguro”, disse Marina. As produtoras também precisam se engajar e ficar atentas na questão da maternidade. Além dos filhos, a responsabilidade de cuidar dos idosos acaba caindo sobre as mulheres. “O ideal seria criar ambientes possíveis para cuidado nos sets de filmagem e uma rede de apoio para que não seja necessário largar os empregos”, acrescentou.
Reconhecimento e Premiações
Além de serem questionadas o tempo todo, as mulheres têm outro problema em relação ao reconhecimento do seu trabalho nas premiações, sendo a principal delas o Oscar. A primeira mulher a ganhar o Oscar de Melhor Direção, por exemplo, foi Kathryn Bigelow, pelo seu trabalho em Guerra ao Terror, em 2010. Por outro lado, analisando as últimas quatro edições do prêmio, duas mulheres venceram na categoria, o que pode significar uma mudança de padrão: Chloé Zhao, em 2021, e Jane Campion, em 2022.
“Por ter menos acesso aos orçamentos e aos cargos de chefia, as mulheres acabam também tendo menos visibilidade e acesso às premiações. Isso ainda se reflete nas equipes de curadoria e de júris, apesar de vermos uma crescente preocupação dos festivais em mudar esse cenário”, disse Danielle de Noronha, doutora e pesquisadora sobre cinema e gênero. Tal cenário leva ao desenvolvimento de festivais específicos para premiar produções de mulheres, como o FIM, Festival Internacional de Mulheres no Cinema, criado justamente para apresentar ao grande público o protagonismo feminino nas telas e atrás das câmeras.
Expectativas para o futuro
Para a pesquisadora, é necessário investir em políticas públicas de incentivo à participação de mulheres, “como os editais afirmativos e a inclusão dos indutores de gênero, raça e outros”. Ela também considera importante ampliar o investimento em pesquisas que ofereçam subsídios para informar e combater as desigualdades, “além de contribuírem para a descentralização da produção audiovisual”, acrescenta Danielle.
Mas, é importante relembrar que de nada adianta a sociedade se tornar mais igualitária, se as produtoras e empresas já consolidadas não buscarem dar espaço para as mulheres no ambiente de trabalho. A busca pela diversidade deve ser levada em consideração em todas as etapas, desde a escolha das equipes, até a finalização da obra. “O caminho é longo, mas já temos visto algumas iniciativas nesse sentido e percebido os efeitos positivos que essa mudança traz”, disse.